Fim de ano. Época em que corações, tantas vezes endurecidos pelo cotidiano, se tingem de uma solidariedade momentânea. As luzes piscam, os gestos se multiplicam, enquanto governos e grandes corporações encenam uma benevolência teatral. A Rede Globo, com seu “coração sangrando” e lágrimas artificiais, conclama as massas a “ajudar o próximo”, enquanto os verdadeiros exploradores do povo estendem as mãos com migalhas revestidas de discursos floridos.
Mas, e a tão proclamada irmandade? Essa palavra tão repetida no Natal, tão ausente nas guerras que destroem, na fome que corrói e no sofrimento que ecoa pelos campos de refugiados, como na Palestina. Que irmandade é essa que naturaliza o massacre, silencia diante da exploração e perpetua o abismo entre uma elite bilionária e multidões famintas?
No Brasil, as eleições municipais de 2024 foram mais um capítulo da velha história. O povo, mais uma vez, foi iludido pelo espetáculo da “participação democrática” que, na prática, reforça o poder das mesmas oligarquias. A realidade grita: “nossos sonhos não cabem em uma urna”. O cenário se agrava com alianças inexplicáveis do PT com o PL, partido de Bolsonaro, em 85 municípios. O lema “faça o que eu digo, mas não o que eu faço” nunca esteve tão explícito.
Enquanto isso, o governo Lula e o Congresso entregam ao mercado um presente dourado: o Arcabouço Fiscal. Em vez de taxar grandes fortunas, enfrentar a sangria da dívida pública ou revisar os subsídios bilionários às grandes empresas, optam por cortar verbas das políticas públicas e apertar ainda mais os salários. A Bolsa Família é exibida como um troféu de uma falsa inclusão, enquanto o número de empregos precarizados dispara e os salários desabam.
Para piorar, ainda tentam enganar a população com o discurso de que “o pobre está no orçamento”, quando, na verdade, foi despejado da mesa farta do agronegócio, uma generosa fatia de R$ 400 bilhões, através do Plano Safra destinada aos grandes produtores, enquanto a Agricultura Familiar, base da segurança alimentar, teve de se contentar com apenas R$ 70 bilhões.
Nas terras potiguares, o governo de Fátima Bezerra escancara dolorosas contradições. Ex-sindicalista, agora recorre à chantagem, condicionando a recomposição salarial dos servidores públicos ao aumento do ICMS, um imposto que pesa desproporcionalmente sobre os mais pobres. A aprovação na Assembleia Legislativa, com 12 votos a favor e 10 contra, revelou os bastidores de alianças políticas pouco transparentes.
Nesse jogo, governistas e setores da direita caminham lado a lado: PT, PSDB, PV e até União Brasil compartilham o mesmo barco. Enquanto isso, o MDB, partido do vice-governador, teve seu único representante abandonando o navio – o “bebê” de Álvaro Dias, da cidade que permanece em ruínas.
Os sindicatos, por sua vez, sucumbiram à pressão. Reféns dessa política, navegaram nesse mar de turbulência, mas o destino é claro: lá na frente, vão se afogar. O governo não merece confiança. Enquanto o Sinte ainda carrega as marcas de sua submissão ao Governo, enquanto o SINDSAÚDE abriu o caminho para os sindicatos recorrer à Justiça para garantir o pagamento do 13º salário – e a ex-sindicalista, agora no poder, recorreu das decisões que obriga o seu governo a pagar o 13º salário até o final de dezembro.
De um governo nascido das lutas sociais, esperava-se resistência ao sistema, não aliança com ele. A naturalização dos golpes, das injustiças e da exploração exige mais do que palavras. Colocar golpistas atrás das grades exige luta. É hora de retomar as ruas, de confiar no poder dos movimentos sociais para enfrentar o oceano de desigualdades.
A cereja do bolo veio no apagar das luzes: um pacote de privatizações. O Centro de Turismo, a estrada de Pipa com pedágio, o Terminal Rodoviário de Mossoró, o Centro de Convenções – tudo à venda. Fátima Bezerra faz o que nem os governos de direita ousaram. Será que, nos tempos de Agripino Maia e Geraldo Melo, quando era sindicalista, ela engoliria esse veneno?
Neste fim de ano, o governo potiguar crava um punhal no coração dos servidores públicos. Vincular direitos básicos, como recomposição salarial, ao aumento de impostos é transformar conquistas em chantagem. Pior ainda, é o prenúncio de um governo que virou as costas para suas origens.
Na Assembleia, os discursos exalam hipocrisia. A direita se opõe ao aumento do ICMS apenas para marcar posição, enquanto os governistas sustentam alianças espúrias. Um governo que deveria ser bastião de justiça social agora compactua com políticas que aprofundam as desigualdades.
É preciso virar o jogo. A naturalização das injustiças e da exploração só pode ser combatida nas ruas, com mobilização e luta. Que o espírito de final de ano não seja só uma pausa no sofrimento, mas um chamado à resistência.
De pé, os que sofrem! É tempo de resistir, de transformar a dor em luta e a luta em vitória. Que o brado de indignação ecoe até que os algozes sejam desmascarados e o povo conquiste a justiça que lhe é devida.