No Quengo e na Boca do Povo

“Os ditos ainda expressos nas feiras, praças e calçadas, são jóias da oralidade popular. Repassadas dos mais velhos para os mais novos — os netos escutando a avó, o avô, as frases vão circulando no tempo e no espaço e assim vão tecendo a teia dos famosos ditados populares, expressões dos falares do povo.

Um dia desses, o amigo Gilmar Bernardo, jovem amante do nosso folclore potiguar, me cutucou: “Escreva sobre os tão falados ditados que você sempre relembra seu pai, em suas crônicas”. Promessa feita hoje, amigo Gilmar. Lá vai. Papai, não falava ou exemplificava algo senão fosse com um ditado de seu tempo, ele nascido em 1915, filho da Rua do Vintém, da Macaiba de ‘seu’ Mesquita e encantado em Natal, em 1994. Quando tinha raiva dos filhos, logo dizia a sua severa advertência: “Vocês vão ver a cor da chita!”. Ou então: “Vocês vão arranjar o chapéu da viagem!”. E eu que era o filho caçula e mais viajante ‘do que cigano fugido’, papai tinha uma comparação e ao mesmo tempo um conselho: “Cachorro que muito anda, logo encontra sarna pelo mundo!”.

Desde que botei na cachola que gostava de folclore, fui logo comprando livros sobre os dizeres do povo nordestino. Em minhas andanças, sempre trago mais de um no saco do andarilho. Mas nem sempre estes livros trazem as saudosas máximas de seu Geraldo Costa:

“Só pegue na rodilha se puder com o peso do pote!; Morre pela boca feito peixe!; Besta que só Uruá!; Só tem cabeça, porque prego tem!; Prego batido e ponta virada!; Formiga, sabe a folha que corta!; Come que só esmeril da França!; Se faz de doido, pra passar melhor!; Casou Tomé com Bebé; Pobre, depois da festa, se esconde dos bodegueiros!; Cada um sabe aonde seu sapato aperta!; Longe de quem pede emprestado e compra fiado!

Os falares de papai até que dariam para engrossar o caldo de um livro volumoso, com os seus ditos/julgamentos. As expressões de Geraldo Costa iam do humor ao sarcasmo. Papai tinha língua afiada e ao mesmo tempo era realista. Não gostava de falar mal de ninguém, mas sem alisar couro de gente ruim: “Pau que nasce torto até a cinza é torta!”. Devoto de São Tomé, só acreditava pegando e vendo. Era um tipo de quem se podia dizer: – desconfiado feito bode quando escuta trovão ou macaco achando muita banana no seu caminho: “Seguro morreu de velho!”. Deixou o dinheiro para seu caixão e enterro quase sem sobras: “Cada macaco no seu Galho! Ou Mortalha não tem bolso! E caixão não tem gaveta!

Mas vamos voltar à prosa dos velhos ditados populares. Que os meus médicos não saibam que eu tenho a boa doença de comprar livros em sebos. E nisto deu que eu, ao entrar em um sebo em São Paulo, dei logo de cara com o raríssimo livro do folclorista João Ribeiro – Frases Feitas de 1909. Obra que tenho ainda comigo. Depois adquiri outras preciosidades, tais como:

Locuções Tradicionais no Brasil, do nosso mestre potiguar Câmara Cascudo, além de outros dicionários. O de Raimundo Magalhães Júnior – ‘Dicionário Brasileiro de Provérbios, Locuções e Ditos Curiosos’ ; ‘ Dicionário de Termos e Expressões Populares’, de autoria do cearense Tomé Cabral, contendo cerca de 15 mil verbetes, com quase 800 páginas. O de Fred Navarro, ‘Dicionário do Nordeste’, com 5.000 mil expressões populares nordestinas.

E recentemente comprei o livro de Helder Ferreira de Moura, cearense pesquisador dos bons, com o título – ‘Balaio de Gatos’, 2024, 300 páginas. Papai dizia: ” Raposa fica velha, mas não deixa de correr atrás de galinha!”.

Já quero saber se foi publicado algo sobre as nossas expressões populares nordestinas. Se sonhar eu vou comprar e se receber de presente, vou lembrar de ‘seu’ Geraldo Costa, meu saudoso genitor: – “De cavalo dado não se olham os dentes!”. E quanto aos que me pedem os livros emprestados, dá uma vontade danada de repetir aquele dito de papai quando alguém ia lhe pedir algo: “Quem acha besta, não vai atrás de cavalo!”. E fim de papo.

— Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.

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