Crônica domingueira: Os ditos ‘Cabras’ ruins na visão popular nordestina

 

Quando chego a certas cidades interioranas sou chamado pelos moradores, em várias formas de atenção hospitaleira, entre elas a usual – ‘Cabra Bom’. Em Serra Talhada/PE, um senhor me mostrou a cópia do registro de seu pai, com o nome de ‘Homem Bom’. E o filho ainda me disse que seu genitor honrou seu nome de batismo e registro. Todo mundo gostava dele, ficara conhecido como – ‘seu’ Bonzinho. Em Areia/PB, fui confundido fisicamente com um morador da região. O sujeito usava barba grisalha e uma boina igual a mim. Quando percebi a confusão, para me livrar de alguma vingança, arquitetei logo a minha saída, mas fui avisado que o cabra, meu sósia, era gente fina, um desses ‘cabra bom’. Passei dias e infelizmente não cheguei a vê-lo.

As expressões populares relativas ao tipo ‘gente ruim’ e ‘canalhas’ são extensas: – Cabra de Peia; Sangue ruim; Infeliz das Costa Oca; Pá Virada; Espírito de Porco; Amaldiçoado; Miserável; Sujeito ruim; Amigo da Onça; Diabo em carne e osso; Imagem do cão; Diabo, cagado e cuspido; Morador do Quinto dos Infernos; Assombração; Malasombrado e Capeta. E o sujeito, quando é ruim, vem acompanhado e completo: mau filho, mau irmão, mau amigo, mau marido e mau pai. Geralmente é conhecido como: ‘estraga prazer’, ‘acaba festa’, ‘tranca rua’, ‘Zé Pelintra’ e ‘Bota azar em jogo de castanha’.

Uma rezadeira me contou, há décadas, que certas pessoas, quando chegam às casas dos outros, o doce e o leite azedam. Panelas caem das prateleiras e as louças se quebram, sem ninguém chegar perto. Animais de estimação adoecem ou morrem. Familiares de doentes, ao receberem gente ruim, tratam logo de comprar o caixão após a sua saída.

Todo mercado ou feira aonde vou, sem querer escuto as histórias praticadas por pessoas maldosas do lugar. Tudo anotado, o que daria para encher páginas de vários livros. Todo ‘coisa ruim’ é, indiscutivelmente, um amaldiçoado, como um tipo que ao visitar os doentes da cidade de Pendências/RN, estes morriam de imediato após sua saída à esquina da rua. Meu velho tio Maneco Medeiros foi o único que escapou fedendo, porque reconheceu a voz do sujeito ruim e, aos gritos, o expulsou de sua casa – Vá matá o diabo, infeliz das costa oca. Não entre no meu quarto mardito dos infernos… E para encerrar essa história longa, eu digo que o referido tio avô materno partiu desta pra outra já muito velho. Sempre sabido e desconfiando de gente ruim. Ouvi, ainda criança, o tio Maneco dizendo nas conversas de calçadas: não se gasta vela com defunto ruim.

Em Pendências, também tomei conhecimento de um jovem que ao tomar suas cachaças, quando chegava à casa, dava grandes surras em sua mãe. E o fim do ‘Coisa ruim’, mau filho, foi demasiado trágico. Suicidou-se ingerindo solução de bateria de automóvel. Gritando de dores e botando sangue por tudo que era buraco. Era filho único e sua mãe, uma sofredora, morreu bem velhinha, sempre o perdoando e visitando a cova do trasvestido de capeta, seu filho. Dizem, também, que o tal filho ingrato quase não era enterrado, pois ninguém queria ajudar com o seu caixão até o velho cemitério, a casa de paz dos mortos.

Soube que aqui em Nísia Floresta, onde vivo há sete anos, um velho matador de gatos, que preparava uma gostosa farofa de peixe e já tinha envenenado centenas de gatos em sua comunidade, morreu igualzinho a eles. Dizem que bateu as botas se contorcendo de dores, espumando e sangrando pela boca e nariz, como seus gatos assassinados no passado. E o mais espantoso e sobrenatural é que no dia do seu enterro o criminoso foi acompanhado de dezenas de gatos e gatas, com seus miados altos, até o cemitério. Faziam fila pra espiar o envenenador dos bichinhos. Um dos bordões de minha saudosa mãe, dona Maria Estela, era este: aqui se faz, aqui se paga!

Em Natal, conheci um desses ‘vasos ruim’ no finado Café São Luiz, da Cidade Alta. Falava mal de Deus e o mundo. Botava defeito até em Jesus Cristo. Disse-me que havia ido ‘mijar’ no túmulo de um seu desafeto, no cemitério do Alecrim, logo após o enterro deste. Um dia falou mal de um escritor amigo meu que já havia partido e me confessou ter sido seu inimigo feroz. Fiquei surpreso quando o dito canalha me confessou que não o havia conhecido, mas não gostava de seus escritos. Botava defeitos em tudo dos outros. Saí de perto deste cabra ruim, feito o diabo da cruz. O saudoso santo e amigo monsenhor Expedito de São Paulo do Potengi, me dizia em sua casa, rindo, o seguinte: Gutenberg, tem gente nesse mundo que o diabo até inveja as suas maldades! Ou seja, o secretário é muito pior do que o patrão de chifres, rabo fino e comprido de bode fedorento… Com todo o meu respeito aos santos bodes…   

Histórias de maldades vêm desde Adão e Eva. Seu Walfredo, saudoso comerciante de restaurante em Assu/RN, me dizia, com seu jeito ignorante e positivo: Professor, se o senhor quiser ler sobre as maiores maldades do mundo de todos os tempos, é só ler a Bíblia católica. Dizem que o diabo foi quem pagou o pato na história. Jogam tudo de ruim pra cima do tinhoso. Toda culpa e a fatura por conta dele. E dizem que quando o sujeito é muito ruim, o maioral dos infernos não quer o sujeito, com medo de perder a liderança e ali virar a Casa de Mãe Joana. Sempre escuto essa observação aqui perto da minha morada: Esse monstro só pode ser o satanás! E existem mulheres com suas maldades?

Sim. No linguajar sertanejo existem antiguíssimos ditos populares: Aquela fulana é o cão de saia! É o cão chupando manga! Recentemente, assistindo à única TV que tenho em minha casa, um noticiário policial sobre o caso de uma mulher que mandou chocolates envenenados para a família de seu ex-namorado, assassinando três pessoas. Uma minha tia materna quase foi vítima de envenenamento com um bolo ofertado por uma grande amiga. Adoecendo, mandou fazer exames no resto do presente de grego, espalhando para Deus e o mundo a sua quase assassina que, envergonhada, saiu às caladas da madrugada da cidade dos poetas, incluindo meus amigos Francisco Medeiros e o saudoso Celso da Silveira. Minha referida tia ainda está viva com mais de noventa anos, lúcida e contando a história de sua amiga da onça.

Outra acusada das ruindades é a tão boa cachaça. Contam no sertão que o primeiro vendedor de aguardente prometeu ao primeiro bodegueiro que o seu produto era milagreiro e causava bagunça e maldades: Garanto ao senhor que o pobre fica rico. O rico fica suvina e o molenga fica valentão. Nos pequenos povoados, em dias festivos, ainda se ouve a antiga expressão: tá do jeito que o diabo gosta!

Alguns personagens históricos ficaram marcados como cabras ruins: Judas Iscariotes, Nero, Caim e Hitler, por exemplo. As maldades humanas inspiraram incontáveis romances, contos, crônicas e músicas. Na literatura de cordel, o saudoso amigo poeta paraibano, José Costa Leite, vendeu milhares de seu folheto, que ele me dizia ter sido baseado em uma história popular nordestina – O Exemplo da Moça que virou cachorra porque batia em sua mãe.    

Agora vou sair à francesa dando o pulo do gato escaldado. Ainda teria outras histórias e causos para contar, mas isso são outros quinhentos. Chega de maldade! Agora é tarde e a Inês é morta!

Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN

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