Jardelino de Lucena Filho, o semeador de virtudes

por CARLOS LUCAS // poeta, contista, articulista e pesquisador.
Jardelino de Lucena Filho (Acervo pessoal)

No panteão de notáveis que fazem parte da história de Natal e do Rio Grande do Norte avulta o nome do advogado, professor universitário, historiador e artista plástico Jardelino de Lucena Filho.

Nascido em João Pessoa (PB), a 16 de dezembro de 1938, veio morar em Natal, ainda na infância, com os pais Jardelino de Lucena e Joana Soares de Lucena. Na menor idade ajudou o seu genitor no Tabuleiro da Baiana, construção erguida em concreto armado para abrigar usuários de bonde, e que funcionava nas imediações da praça Augusto Severo, no bairro da Ribeira. O abrigo ganhou esse nome por apresentar no centro do teto triangular, a gravura de uma baiana.
As primeiras letras aprendeu no Colégio Santo Antônio (Marista), cursando o primário, ginasial e comercial, no período de 1946 a 1957. Cursou também o Científico no Atheneu Norte-Riograndense. A sua formação acadêmica foi construída na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), de 1958 a 1962, onde fez bacharelado na “arte do bom e do equitativo”. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção RN, sob o nº 231, a partir de 28 de maio de 1963, exerceu com dignidade o seu ofício. Na busca infinda do conhecimento agregou ao currículo vários cursos e uma pós-graduação na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, no período de 1964 a 1966, por orientação do amigo e mestre Luís da Câmara Cascudo.
Estabelecido na Academia, Jardelino foi professor de Ciência e Política, do Curso de Sociologia da Fundação José Augusto (1967 a 1970); professor de Sociologia e Ciência Política da Escola de Serviço Social (1967 a 1971); coordenador do Departamento de Ciências Sociais da Escola de Serviço Social da UFRN (1968); chefe do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Sociologia e Política da Fundação José Augusto (1968); professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no período de 1970 a 1991 (ano da aposentadoria), lotado no Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), tendo ministrado em diversos cursos da UFRN as seguintes disciplinas: Sociologia I, Sociologia II, Sociologia Rural, Sociologia Urbana, Ciência Política I, Métodos de Análise em Ciência Política, Demografia Social: Aspectos Sócios Culturais do Nordeste; além de diretor de Assistência ao Estudante Universitário na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFRN (1971 a 1974); pró-reitor substituto da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFRN (1971 a 1974); chefe do Departamento de Estudos Sociais do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN (1974 a 1976) e diretor do já citado CCHLA, no período de 1977 a 1981.

Honrou a cátedra que ocupou na UFRN, onde desempenhou muitas missões em benefício da instituição. Em 1979, foi-lhe outorgada a Medalha do Mérito Universitário.

Faz-se necessário frisar que quando o governo militar, instaurado a 31 de março de 1964, fechou os cursos de Jornalismo e de Sociologia, Jardelino teve intensa atuação para a criação dos cursos de Comunicação e Ciências Sociais, no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. O aproveitamento dos professores nos quadros da UFRN resultou de trabalho dele, com o apoio do então reitor Onofre Lopes.
Para além da Academia, Jardelino organizou o Instituto Varela Barca, exerceu cargos públicos, destacando-se como chefe de gabinete da Secretaria de Estado da Educação e Cultura (1960), oficial administrativo da Secretaria de Estado das Finanças, Natal/RN (1961 a 1967), coordenador geral da Secretaria Estadual de Trabalho e Bem-Estar Social (1975 a 1977), secretário geral adjunto do Ministério da Administração Federal – Brasília/DF (1985 a 1987), como também secretário de Planejamento da Prefeitura Municipal de Macaíba/RN (Jan. a Jun./2001).
Na acepção de amigos próximos, o professor Jardelino Lucena era, antes de tudo, um humanista. Trabalhou no Movimento de Natal, obra memorável do então bispo Dom Eugênio Sales. Foi locutor e noticiarista na Rádio de Educação Rural; depois repórter e diretor de redação do jornal católico A Ordem. O vínculo com o clero veio da militância na Juventude Estudantil Católica (JEC) e depois na Juventude Universitária Católica (JUC).
No movimento estudantil católico (JEC/JUC) participou de debates sobre os fundamentos da Doutrina Social da Igreja, originária da Encíclica Rerum Novarum, de 1891, do Papa Leão XIII. No Movimento de Natal, em finais de semana, eram frequentes os ciclos de estudos com diversos intelectuais natalenses ou radicados na capital.
Grávido de virtudes, foi, ainda, uma das peças-chave na montagem da equipe leiga do Serviço de Assistência Rural (SAR), onde os participantes se uniam a sacerdotes, em mobilização pela busca da justiça social. Jardel, como era carinhosamente chamado por seus colegas, ajudou no nascimento da Campanha da Fraternidade, inspirada no Concilio Ecumênico Vaticano II, uma iniciativa do SAR, no ano de 1962. Em 1964, o jornal A Ordem estampou manchete de primeira página: “Campanha da Fraternidade realiza-se em todo o Brasil”. Tudo começara na cidade de Nísia Floresta, com visitas fraternas, durante a Semana Santa, às comunidades pobres, com doação de alimentos e utensílios domésticos, incentivados por Dom Eugênio Sales.

Vida pessoal

Na condição de ser gregário, Jardelino Lucena casou em primeiras núpcias com Renira Mota de Lucena (in memoriam), mãe de suas filhas Adriana Mota, mestre em Direto Internacional e chef de cozinha, e Juliana Mota de Lucena Alves, formada em Administração e em Direito, casada com Arnaud Alves Flor, com quem tem os filhos Nathalia (psicóloga), Daniel (engenheiro eletricista) e Arnaud (acadêmico de Medicina).
A doce boca dos amigos propala que Jardelino era um bon vivant. Apreciava charutos que molhava no conhaque, gostava de cafezinho, bons papos e tinha uma risada peculiar. Ele frequentava a Livraria Poty, no centro de Natal, onde se reunia com amigos para bate-papos intelectuais. Outra faceta de Jardel era pesquisar a culinária potiguar. Escreveu diversos artigos sobre o tema, tendo colaborado no projeto editorial Leituras Potiguares, do extinto Diário de Natal, onde no fascículo n°. 5, de 11 de novembro de 2007, publicou o artigo “A Culinária Riograndense do Norte”.  Deixou encadernado um volume com doze fascículos como herança da nossa estupenda culinária.
Ele fez parte também da elaboração do livro 400 Nomes de Natal, organizando a pesquisa e redação com Nelson Patriota, Deífilo Gurgel, Manoel Onofre Júnior e Rejane Cardoso. Outra participação relevante do historiador foi no livro Construtores da Ágora Soberana Potiguar: Múltiplas Memórias: Professores do Atheneu Norte-Rio-Grandense (1892/ anos 1960). Na compilação de 38 textos sobre mestres que marcaram época no Atheneu, organizada por Eva Cristini Arruda Câmara Barros e Diógenes da Cunha Lima, Jardelino colaborou escrevendo o perfil de Protásio Melo e outras pesquisas inéditas.
Casado em segundas núpcias com a professora  do Departamento de Sociologia da UFRN e mestre em Sociologia, Ana Amélia Fernandes de Lucena, conta que o ex-marido tinha por hobby a pintura, com um trabalho muitíssimo elaborado, destacando-se ricos detalhes da nossa paisagem tropical. Outra paixão do pesquisador foi a gastronomia. Sobre o tema publicou as obras Sopa é Sopa e ainda inédito  Fundamentos da Culinária … Nem Só de Jerimum.
O professor Jardelino Lucena faleceu no dia 23 de março de 2021, aos 82 anos, e foi sepultado no dia 24, às 11 horas, no cemitério Morada da Paz, em Emaús. Combateu o bom combate contra um câncer no pâncreas. As suas últimas semanas de vida foram de resignação e a sua passagem para outro plano, tranquila. Foi-se o homem e ficou a obra.

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