Contar de Contos em Contos

 

por GUTENBERG COSTA // Contador e ouvidor de histórias do povo
 

Um dia desses, me atrevi a escrever um conto. Conto que mandei quase escondido para dois amigos. Não sei a nota dada pelos dois leitores. Quem conta um conto, dizem que aumenta um ponto. Estou esperando a crítica. E também, dizem, quem ficar a mercê dos críticos não escreve e nem tem o que contar.

Tudo o que escrevo até hoje me aconteceu ou me foi contado, geralmente em feiras e mercados, onde está o nascedouro das belas histórias do povo. E tudo, a mais cristalina da realidade. Às vezes alegres, outras, inegavelmente tristes. É a vida, como diria o genial e polêmico Nelson Rodrigues, pernambucano mais conhecido do teatro brasileiro.
Os contos ficaram para gênios como Clarice Lispector, Fernando Sabino, Machado de Assis, Alcântara Machado, Orígenes Lessa, Lygia Fagundes Telles, Carlos Heitor Cony, entre outros e outras contistas. Vamos dizer aqui, do meu tempo de mais jovem leitor. Isso na literatura brasileira, sem falar dos exímios contistas, como o Jorge Luís Borges, Saramago e Calvino. Pouquíssimos exemplos.
Minha biblioteca é grande feito praga de inimigos. Confesso que tenho vontade de reler todos os dias o conto “A Morte da Porta-Estandarte”, de Aníbal Machado. Para espantar a ignorância é necessário ler muito e procurar saber mais um pouquinho, principalmente sobre o que não se conhece.
Aqui do RN, sempre estou a ler o meu amigo contista Nilo Emerenciano. Leio também Newton Navarro e Tarcísio Gurgel, entre outros. Recentemente, conheci o livro de contos da escritora pernambucana/papa jerimum, Rosália Figueiredo. Gostei muito e dei boas risadas. Não se merece chorar nem o leite derramado! A grande e alegre Rosália, que conheci apresentada pelo citado Nilo é uma ótima contista. E uma boa amizade só acrescenta riquezas. Dizem.
O nosso crítico e organizador de antologias, o escritor Manoel Onofre Júnior, meu confrade no IHGRN, já organizou e selecionou os melhores contistas do RN. Ninguém é doido para discutir a seleção de um Onofre.
E por falar em contistas, o Júnior Dalberto, que a miserável Covid veio buscar abruptamente, mandou-me seus livros com belos e criativos contos por um casal de seus amigos. Todas as obras com dedicatórias, tipo curtos recados afetivos e apressados: “Gutenberg Costa, para sua biblioteca que em breve irei conhecer…”. Aí, a traiçoeira dama da foice, que parece ser contra as boas promessas, acabou repentinamente a história da alegre jurada visita cultural. O café com tapiocas na morada São Saruê até esfriou e a biblioteca dona Maria Estela ficou no silêncio puto e cruel da espera.
A dona da foice não respeita ninguém e geralmente leva os melhores, na frente. Talvez, por isso, gosto de fazer surpresas em minhas andanças. Coisa muito acertada, diz o povo, que o malvado “capeta” fica ouvindo atrás da porta, só para atrapalhar e mangar da gente. Já disse e vou repetir, que se no paraíso não tiver café e cadeira espreguiçadeira com boas conversas, em terraços, não irei aguentar. Sou impaciente e de feira. Desculpem os budistas, muito silêncio me chateia.
Voltando a falar na difícil arte de criar contos, às vezes, uma pequena parcela de meus poucos leitores me pergunta se o que estou lhes contando é verdade ou não: – E isso aconteceu ou não?
Logo, associam o conto a uma mentirinha disfarçada. Conto da Carochinha ou Conto do Vigário. Minha própria filha mais jovem, a segunda cronológica Sarah, muito curiosa, quando criança, lia as minhas histórias por trás do meu velho computador e, também ao lê-las, sempre duvidava que o viajado pai tivesse realmente vivido a tal situação contada, na ocasião, em velhos jornais impressos. Coisas engraçadas, ou mesmo inusitadas: Painho, o senhor só pode ter inventado essa história, viu.” É muito difícil acreditar em caçador, pescador, viajante ou em pobres contadores de histórias.
Já disse em várias conversas que tenho boa memória. Ouvindo ou presenciando boas histórias nas ruas, volto com elas na cabeça. Martelam tanto na cachola, que eu sou obrigado a passa-las a limpo para o notebook e repassar aos leitores. Alguns até me agradecem, o que me deixa com coragem para continuar as aventuras literárias: “Gostei da crônica!” Ou “Adorei seu conto!”. Digo sempre às amizades, mais chegadas: – Não dê corda a doido e folclorista.
Os especialistas dizem que a crônica é curta e o conto mais esticado do que tosse em peito de pobre. Dizem que se alongar mais vira uma novela. Daí, até um romance. Hoje, observo os novos contistas dizerem que estão publicando seus “mini-contos”. Eu não gosto de apelidar nada de “mini” ou livrinho. O jornalista, escritor, contista e romancista Carlos Heitor Cony, que eu tive o privilégio de conversar pessoalmente, várias vezes, tanto na antiga Cidade Maravilhosa, como também na antiga Cidade do Sol, me dizia que as histórias de seus contos fluíam inesperadas: – Chegam pra perto, feito as boas amizades.
Aproveito essa complicada prosa de miolo de pote, dando rodas, mais do que os perus de minha avó materna, dona Francisquinha Medeiros, de Pendências, só para dizer que sempre estou agarrado aos quatro cantos com os contos e as crônicas. Para os volumosos romances, com todo o meu respeito, eu disponho de pouquíssimo tempo. Já os li e os guardei, faz tempo.
Minha agenda é muito cheia. Cotidianamente acordo com os galos, abro a biblioteca dona Maria Estela e as janelas, para o “seu” sol entrar sem cerimônias. Tomo café com leite trazido à minha porta. Escuto notícias e músicas para espantar as tristezas globais. Não posso esquecer de separar os livros para o espiar do dia. Olho o chato do zap e me sento à mesa abençoada, em frente ao notebook. Haja histórias para contar, como essa.
Por hoje é só. Prometo, senhoras e senhores, deixar a saideira para outro dia.
Morada São Saruê, Nísia Floresta (RN)
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