Centenário de Hianto de Almeida

O produtor cultural e ex-secretário de cultura do município de Macau/RN, João Eudes Gomes, estará comemorando em 14 de março, Dia Nacional da Poesia, das 15h às 19h, no bairro de Santos Reis, o centenário de seu ilustre conterrâneo, cantor, músico e compositor, Hianto de Almeida, na rua em homenagem ao seu nome.

 

por EDILSON FREIRE MACIEL
 
Hianto de Almeida foi considerado um dos precursores da Bossa Nova, aportando na meca musical do país, o Rio de Janeiro, no início da década de 50 do século passado. Nesse período histórico, o Brasil consolidava sua industrialização iniciada nos anos 20 e concomitantemente, expandiam-se os núcleos urbanos impulsionados pela política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, centrada na indústria automobilística.
O Brasil vivia um clima de euforia. O lema do governo era antecipar o crescimento de 50 anos em 5, no propalado slogan: “50 em 5”. A política governamental procurava investimentos externos, mostrando ao mundo nosso modernismo cultural através da arquitetura, com a construção de Brasília e da música, a Bossa Nova.
Esse modernismo musical que floresceu romanticamente na vida urbana da classe média alta e branca do Rio de Janeiro, serviu de propaganda para o departamento de relações exteriores apresentar o país com uma nova roupagem de nação em desenvolvimento, diferentemente da imagem retratada por Walt Disney, através do seu malandro personagem, o papagaio Zé Carioca.
Em 1962, dois grandes músicos de Jazz norte-americanos, o saxofonista Stan Getz em parceria com o guitarrista Charlie Byrd lançaram o LP Jazz Samba, sucesso que chamou a atenção do meio musical nos Estados Unidos para a Bossa Nova, culminando com a apresentação apoteótica dos bossanovistas brasileiros num concerto no Carnegie Hall em Nova York, com os músicos João Gilberto, Tom Jobim e outros.
O país logrou êxito na sua proposta de vender seu modernismo musical para os Estados Unidos. Isso aconteceu um ano após Juscelino terminar seu governo. O Tio Sam, embasbacado, reconhecera que não éramos só pandeiros, requebros de belas mulheres negras, futebol e malandragem.
Essa apresentação da música brasileira no exterior ocorreu num primeiro momento histórico (1922), em Paris, com o grupo organizado por Pixinguinha, “Os 8 Batutas”, que viajou à capital francesa pela iniciativa do dançarino baiano Antônio Lopes de Amorim Diniz, conhecido como Duque.
A viagem não teve cunho oficial, quem financiou “Os 8 Batutas” foi o empresário brasileiro Alberto Guinle, que atendeu à solicitação do amigo, permanecendo o grupo por seis meses em apresentações no dancing “Sherazade”, na cidade luz, com extraordinário sucesso, muito elogiado pelo público e por conhecedores da música.
Tal reconhecimento o fez receber uma flauta de prata, presente do Instituto Francês de Música. Aberto à novas influências, Pixinguinha entra em sinergia com os músicos de Jazz norte-americanos em temporada na capital francesa, anexando o sax ao chorinho “O Carinhoso”, o que motivou muitas críticas no Brasil, dos defensores da música nacional.
Como se não bastasse a humilhação, o desprezo oficial e as críticas racistas e de classe da imprensa contra “Os 8 Batutas”, considerando-os indignos de representarem o Brasil e que a polícia deveria içá-los do navio pelo cós das calças e devolver-lhes ao cais. Raríssimas exceções, os defensores do grupo, na imprensa.
Essa pequena burguesia racista, em crise existencial elitista e pretensamente intelectual, envida esforços infrutíferos no sentido de apagar a imagem “Negróide”, “Pardovasco”, do Brasil na França deixada pelos “Os Oito Batutas”, intencionando levar à Paris, o músico Villa-Lobos, para mostrar a imagem de um Brasil culto, representado por uma elite branca e refinada, que possa atrair a atenção do Francês “Blasé”, avesso a exotismos.
Tal pensamento predominante no ano da Semana de Arte Moderna, na imprensa brasileira, num país de transição rural para a consolidação de sua fase econômica-industrial, ainda mantinha fortemente um ranço ideológico de origem escravista que fez padecer de sofrimento d´alma o nosso gênio musical no nosso país, tanto é que o fez declarar quando de sua temporada de seis meses em Paris: “Que não havia animosidade contra os homens de cor na França.”
Pixinguinha marca sua geração, contemporânea da Semana de Arte Moderna, quando o choro se firmava como gênero musical, ele inova com o choro orquestrado ao usar o saxofone como instrumento de solo por ser um músico experimental, bossa nova, eclético, aberto à várias vertentes musicais estrangeiras.
Surge uma nova geração de intelectuais e músicos que receberam influências do modernismo ocorrido nos anos 20, e pesquisadores da estética e da sociologia da música em busca de uma identidade cultural brasileira, dentre eles, Mário de Andrade, Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, esse deu embasamento histórico-sociológico para inspirações dos músicos, Chico Buarque de Holanda e Francis Hime.
O projeto melódico nacionalista da música brasileira, que Mário de Andrade buscava por uma estética “artística” em nossa música, tornou-se um projeto inacabado devido ao surgimento da indústria fonográfica que trouxe uma nova estética musical, o “dodecafonismo”, sistema de organização de alturas musicais criada na década de 20 pelo compositor Arnold Schoenberg.
Esse compositor austríaco tinha no Brasil um discípulo, Hans Joachin Kollreutter, que foi professor de Tom Jobim, K-Ximbinho e professor de composição de Cláudio Santoro, músico que criou o primeiro trio rigorosamente dodecafônico, isto é, que toca em escala cromática de doze notas e um semitom, tocadas de quatro maneiras diferentes.
Quem fez uma alusão superficial ao dodecafonismo foi Chico Anysio. Numa entrevista à revista Playboy, no ano de 1987, afirmou que Hianto de Almeida ensinou a Tom Jobim a Bossa Nova por meio do método de escala, dando uma nova batida ao samba, mais lento, mais baixo e harmônico, originando o gênero musical conhecido por Bossa Nova.
Segundo o pesquisador e crítico musical, Tárik de Souza, Chico Anysio e Hianto de Almeida compuseram uma música de nome Cinema Bossa Nova, que na realidade era um fox, sem perceberem que com esse título de música estavam antecipando o que seria muito em breve um gênero musical, a Bossa Nova. Diz o pesquisador que essa expressão já existia para designar uma coisa diferente, moderna: “As pessoas pensam que Bossa Nova é a música e não é, é uma gíria da época.”
Hianto de Almeida, pianista, cantor, compositor, oriundo de uma família de linhagem musical, qual um homem preparado para a urgência do seu tempo, deu uma rica contribuição intelectual e estética a esse subgênero do samba mundialmente conhecido por Bossa Nova.
João Eudes Gomes resgata do limbo do rio Letes (esquecimento) esse grande artista, rebatizando-o nas águas do Mnemósis, isto é; no rio da memória.
Resta o Réquiem em Ré Menor de Mozart a quem tem por ofício e dever de preservar o que há de mais rico na alma de um povo, a sua memória cultural.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais acessadas