Algumas de ‘minhas’ cronistas mulheres

Muito se fala e se escreve sobre os homens cronistas. De Machado de Assis a Rubem Braga, mas quase nada sobre as mulheres que trabalharam o referido gênero literário. As chamadas pioneiras, muitas publicando em jornais e revistas, com seus disfarces em pseudônimos masculinos. Parece até que os homens tinham o que contar aos leitores, as mulheres não. Pode ser que tenha saído uma boa antologia feminina de cronistas, mas, até agora, eu não conheço. Mesmo nas publicações já consagradas, diga-se, são poucos os nomes femininos. 

Eu, assim que aprendi a soletrar as letrinhas, comecei também a bisbilhotar as crônicas da velha revista ‘O Cruzeiro’, dos anos 60. Lia e relia os textos da genial cearense Rachel de Queiroz, (1910-2003), prazeroso passatempo em minhas férias escolares. Tinha muita vontade de recortá-las e trazer para a minha casa em Natal, mas as revistas eram da morada de meus avós maternos, lá de Pendências. Eram guardadas em uma mesinha de madeira com tampo de vidro para as visitas. Na minha casa do Alecrim, infelizmente, não havia revistas e jornais. Só as conversas de dona Maria Estela, seu cheiroso café e suas inesquecíveis tapiocas para os visitantes e familiares.

Ao longo do tempo, a temática foi me instigando e depois fui às livrarias e sebos, em busca de outras cronistas. Em uma antologia, comprada em um sebo carioca, observei as belas crônicas da paraense radicada no Rio de Janeiro, Eneida de Moraes (1904-1971). Eneida, pesquisadora de música e do carnaval carioca, autora da primeira história do carnaval da dita cidade maravilhosa dos anos 50. Amiga e correspondente de Câmara Cascudo. A cronista foi uma grande agitadora cultural, como se diria hoje – ainda que esquecida, como outras de seu tempo.

Vou citar aqui apenas algumas cronistas mulheres com obras que tenho na biblioteca Dona Maria Estela. Começarei tirando o chapéu para a goiana genial Cora Coralina (1889-1985). A velha doceira que veio ao mundo com o divino dom de fazer doces também fazia maravilhosas poesias, contos e crônicas de restaurar a alma de qualquer cristão. Com nome pomposo de rainha – Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, foi uma mulher pobre, mas riquíssima de histórias, sabedorias, vivências. Nome muito elogiado pelo mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Honraria para poucas de seu tempo. Quando cheguei ao seu casarão no Goiás Velho esta já havia partido, mas pude ver e tocar em seus panelões, nos quais ela fazia seus elogiados quitutes. Na casa, móveis antigos e rústicos. Parecia vê-la sentada em balanço numa de suas cadeiras. Confesso que cheguei a sentir algo sobrenatural naquele casarão da ponte do rio. De cabido, ainda trouxe, autorizados, dois cajus maduros de seu florido quintal. Voltando à minha casa os coloquei em um depósito de vidro com cachaça e os conservo até os dias atuais. Os chamo de ‘licor santo’ dos cajus de dona Coralina. Tomado aos poucos, como néctar dos Deuses. E guardo, pendurado com prego firmíssimo na parede frontal de minha memória, um trecho de dona Coralina: – O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes!.

Lembro, ainda, a escritora ucraniana Clarice Lispector (1920-1977), genial em tudo que escreveu. Romances, contos, ensaios e crônicas. Datilografava parte de seus escritos em meio aos cuidados de mãe com os filhos. Morou em vários lugares do mundo, mas fincou âncora no Rio de Janeiro. E quem não se encanta com os belos textos das crônicas da Clarice?

Comecei a ler as crônicas da gaúcha Lia Luft (1938-2021) nas páginas da revista semanal ‘Veja’ e fui gostando de suas observações e questionamentos sobre temas diversificados. De assuntos de família aos extremismos e complexidades dos nossos dias tão conturbados. Ela que foi da poesia, do romance e das belas crônicas. Quando partiu nos deixou órfãos de bons registros reflexivos, nada na linha chata de textos do tipo ‘autoajuda’. Tenho vários livros da cronista Lia Luft, todos bem guardados e bem relidos.

Já a polêmica cronista, a capixaba Danuza Leão (1933-2022), veio ao mundo para dizer na lata tudo que achava. Mulher do grande jornalista Samuel Wainer (1910-1980) e do boêmio, compositor e cronista pernambucano Antônio Maria (1921-1964), um fino e inteligentíssimo cronista de seu tempo. Danuza exagerava tanto nas vírgulas como nos palavrões em suas crônicas e que discorria sobre tudo, sempre com aquela maestria nascida de suas vivências artísticas e literárias passadas em variadas cidades, sobretudo no Rio de Janeiro. Danuza veio para incomodar e brigar pelo que acreditava como poucas de seu tempo. Inclusive, estou relendo sua última obra de crônicas – Danuza sem Juízo (2013), 377 páginas, obra repleta de suas típicas verdades polemizadas, atuais ainda. E não apareceu uma substituta para a boca de trombone Danuza…

Agora, finalmente, dou por encerrada esta conversa com a minha sétima cronista, a lírica e sentimental mineira Adélia Prado, ainda viva, aos 88 anos de idade. Cheguei às suas poesias e crônicas aconselhado por seu amigo, o grande teólogo e cronista Rubem Alves (1933-2014), que muito a elogiava em suas crônicas. Adélia, felizmente, está entre nós e ainda mistura suas boas poesias e crônicas ao seu cotidiano mineiro de vida simples de dona de casa. Digo até que ler a cronista Adélia, além de prazer literário, é um deleite espiritual.

Sempre reservo meus santos Domingos para duas mulheres: Coralina e Adélia. A primeira encantada e a segunda, vivente, mas, as duas, santas do meu oratório das crônicas brasileiras.

Bem, se alguém perguntar curiosamente se eu leio as cronistas atuais, as vivas, além da citada Adélia, respondo que sim, apenas algumas poucas, que poderei até citá-las em futuros comentários. Adiantando-os, que não sou e nunca seria critico literário. Só leio o que me desperta a atenção e o gosto. Sou, na verdade, apenas um chato leitor, mais de prosa do que de ficção, por falta de tempo e paciência.

Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.