Um pouco de minhas ‘feiraterapias’ abençoadas

Foto: Rogério Marques / Coletivo Foque

QUEM ME CONHECE sabe que cresci na rua da feira do Alecrim, bairro em que nasci. Avenida 1. A dita feira começa na 9 e vai até a 6. Alcancei gloriosos e inesquecíveis tempos dessa feira. Coisas só contadas pelos memorialistas vivos, que há conheceram nos anos 50 e 70. Tempo dos balaeiros, homens fortes que carregavam as feiras em grandes balaios.

Na esquina da Avenida 7, embaixo do frondoso pé de Figo, saudoso ponto de encontro da cultura popular. Dos cantadores violeiros e vendedores de romances, os folheteiros, que cantavam com seus vozeirões as histórias fantásticas aventurescas de milagres religiosos, amores impossíveis e as valentias cangaceirescas. O mais famoso deles foi o saudoso ‘galego’, ‘seu Francisquinho, que conheci e o entrevistei ainda atuante nos anos 80/90, com rara ‘chapa’ batida pelo amigo fotógrafo Canindé Soares, que inclusive me acompanhou em algumas feiras de nossa Natal.

Sempre fui visitando as feiras e fazendo amizades com os seus feirantes. Na segunda feira, a das Rocas. Na quarta feira, a do Carrasco. No Sábado, a do meu Alecrim e nos domingos eu ainda retorno às feiras das Quintas e Cidade da Esperança. Sempre me alimentando e às vezes até almoçando. Nunca vi tanta limpeza e boa gastronomia. Os pratos e canecos, tão ‘ariados’ como os da minha mãe, dona Estela. Comida estragada, eu só encontrei em alguns restaurantes luxuosos e nos shoppings, em que teimei visita-los.

Já visitei quase todas as feiras da chamada Zona Norte de Natal. Da feira do Conjunto Santa Catarina a maior delas, a do Nova Natal. Não vou esconder que comi muito bem e comprei diversas bugigangas baratinhas de causarem inveja aos antiquários e brechós nestas feiras do outro lado do Rio Potengi. E destas, sempre recebo belas fotos e comentários do amigo jornalista e ativista cultural Rogério Marques, conhecido praticante das santas feiraterapias e contumaz comprador da curativa medicina popular nordestina, como eu. E quem vai a uma feira, não volta, nunca, o mesmo!

Nunca vi tanta alegria e honestidade no comercializar desse povo de feira. Quando observei uma feirante com lágrimas nos olhos enrugados, foi porque, esta estava chorando o luto de seu filho caçula assassinato pela violência juvenil dos tempos agitados atuais. A desolada mãe, um dia depois da tragédia de seu rebento, não pode ficar em casa. A necessidade econômica falou mais alto naquela hora de dor. Contou-me o ocorrido e vendeu-me seus abacates. É a vida, tão cruel e esquecida pelo poder vigente, como diria o grande Nelson Rodrigues.

Vejo mais solidariedade nas feiras que eu vou do que em certas igrejas religiosas televisivas. Solicitantes de pix e divulgadores de certos ‘milagres’ aos nossos olhos, já tão escaldados. Vou contar-lhes só uma: eu estava um sábado na feira do Alecrim, esquina com a Avenida 9, aonde sempre tomo saborosos sucos de mangaba ou tamarindo e uma velhinha pedinte ao meu lado tomando o seu café. Eu estava em dieta e só havia pedido um cafezinho com leite, sem açúcar. Nada para a mistura, como diz o povo. E a dita velhinha me observou atentamente e me ofereceu pagar uma tapioca ou um bolo, achando que meu problema era a falta de dinheiro. Quase choro com este bendito oferecimento. Recordei-me das histórias abençoadas lido num livro de Mia Couto. Da vida de São Francisco de Assis e outras. Minha mãe dizia que era mais fácil uma pobre dar de esmola um único ovo de sua galinha, do que um rico dono de granjas. Nunca vi um gesto desses nos diversos shoppings em que entrei. Até confesso, que nestes, só vi luxo, frieza e indiferença humana. Diferentemente das dezenas de abraços e ‘bons dias’ que recebo quando estou nas feiras de minha Nísia Floresta (nas sextas feiras) ou aos sábados, na feira de São José de Mipibu.

Comecei chamar essas minhas andanças de ‘feiraterapias’, o que talvez não tenha agradado aos psicólogos de plantão da província. Tudo começou quando um amigo meu, muito rico, vivia agarrado com a tal dona ‘depressão’, em seu apartamento. Sabendo de sua triste situação, o aconselhei a frequentar as feiras. Com roupas simples, longe de seus seguranças. Comprar coisas antigas interioranas. Provar com calma do seu gosto palativo de infância, aquele que nos deixa com água na boca. Sentar em tamboretes, conversar com as barraqueiras alegres e cheias de histórias boas de vida. Rir com o povo e ser solidário com este são uma arte para poucos. O mundo está muito artificial e luxuoso. Poucas conversas e quase nenhuma amizade das antigas. Ninguém marca mais almoços e cafés para encontros e risadas. Cafés para ouvir histórias. Preferem gastar com terapias caras e consultas da velha linha do doutor Freud. E alguns amigos meus, ainda me convidam para hospitais e velórios: – E você não foi ao velório de fulano? E ouvem imediatamente minha resposta na bucha, embora envergonhados e sem argumentos filosóficos: – Não fui amigo, mas fique sabendo que eu sempre comparecia às suas festas, seus momentos alegres, seus almoços e seus cafés nos mercados e feiras.

E para encerrar o ‘cerca Lourenço’ de hoje aqui, eu digo, como me costuma dizer o raizeiro do mercado São José de Mipibu: – Doutor, se não lhe curar, tenha certeza que lhe engorda viu! Ou como me repetia o já referido folheteiro da feira do Alecrim: – Se este não lhe servir, passe para outro que não conhece essa história!

Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.

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