Crônica domingueira

A cruviana já foi embora e o sol tomou conta do terreiro aqui de Nísia Floresta.

Raquel de Queiroz e Gutenberg Costa, anos 90. Acervo do autor

Vamos esperar as crônicas domingueiras que virão por aí. As mulheres ligadas ao folclore potiguar até parecem que não gostam de escrever crônicas. Preferem a poesia.  A primeira crônica feminina que eu li assoletrando ainda na casa de meu avô materno, em Pendências, era de autoria de Rachel de Queiróz. Eu tinha 6 anos de idade. Minha mãe me observando e muito orgulhosa do seu caçula.

Os meninos da região pendenciense só começavam a desarnar nas leituras aos 8 ou 9 anos. A revista da citada crônica era grande e de capa colorida. Era a famosa O Cruzeiro dos anos 60. Sempre chegava uma nova numa mesinha redonda da sala de meus avós maternos, compradas em Natal.

Muita gente olhava as figuras e fotografias, poucos as liam. A cronista principal das últimas páginas era a genial cearense Rachel de Queiróz, como já disse. Dizem que o mundo é muito pequeno e que dá muitas voltas. Tempos passaram e nos anos 90, ela já idosa de óculos de grau, me deu atenção e conversas. Primeiramente no Rio de Janeiro, onde morava, depois em Natal.

Rejane Cardoso, minha amiga, a tinha convidado para um evento na Funcarte e eu de cabido levei alguns de seus livros para a risonha Rachel de Queiróz autografá-los. Na ocasião foi feita uma fotografia desse nosso último encontro.  Privilégio em está com a primeira mulher que chegou à Academia Brasileira de Letras. Conversamos sobre seus dois famosos romances, O Quinze e Memorial de Maria Moura. Este último, ela me disse que recebera muitas informações durante a sua escrita do seu velho amigo Oswaldinho, o Oswaldo Lamartine. Me disse que ia morar definitivamente em seu Ceará. Deixar o apartamento por casa de fazenda e rede em alpendres. Retornar ao seu chão em Quixadá. Sonho de todo aposentado, dizem, é procurar paz, natureza, rede na sombra e ouvir o cantar de pássaros livres. A mulher cumpriu a promessa e partiu tempos depois para o seu Ceará.

Ontem fui a um sebo e comprei um dos seus livros de crônicas, de título Um Alpendre, uma rede, um açude. 100 crônicas escolhidas, editora Siciliano, 1994. Textos líricos e cheios de saudosismos do nosso sertão nordestino. Seu Ceará, nosso Brasil das antigas.

O gênero “crônica”, devido a fama de Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade, parece ter ofuscado as mulheres, como Eneida, Clarice e outras cronistas de minhas leituras. No livrão das 100 crônicas brasileiras, que tenho em minha biblioteca, estão pouquíssimas mulheres. Parece uma antologia do Clube do Bolinha. Cadê as Luluzinhas?

Conversa comprida, fechou até a Cova da Onça. Hoje é dia de pouca prosa. Hoje é domingo, só nos pede cachimbo, rapé e boas leituras. Vou baixar agora em outro terreiro, como dizia o mestre Câmara Cascudo. Vou no quintal espiá as bananeiras, contentes e bem carregadas. Amém e saravá!

Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN

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