Hipocrisia social impede discussão direta e verdadeira com os adolescentes
LUCIANA TEMER
Advogada, professora da Faculdade de Direito da PUC-SP e presidente do Instituto Liberta
Quero abrir este artigo com dados muito importantes obtidos a partir de duas pesquisas.
A primeira, um estudo da organização norte-americana Common Sense Media, lançado em 2023, que mostra que 73% dos jovens entre 13 e 17 anos já acessaram sites pornográficos, sendo que a maioria começou a consumir pornografia aos 12 anos.
A segunda, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense-2019), realizada pelo IBGE com o apoio do Ministério da Educação, que envolveu 125.123 alunos de 13 a 17 anos, de escolas públicas e privadas, e que nos revelou que 35,4% deles já tiveram relação sexual, sendo que a média da primeira relação é 13,4 anos entre meninos e 14,4 anos entre meninas. Também soubemos que 14,6% já foram tocados, manipulados, beijados ou tiveram o corpo exposto contra sua vontade, 6,3% das meninas já foram obrigadas a manter relação sexual e 7,9% engravidaram.
Dito isso, partimos para a análise da polêmica em torno do recolhimento pelos estados do Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul do livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, que foi distribuído pelo Ministério da Educação para as escolas da rede pública. O livro foi o vencedor do Prêmio Jabuti em 2021 na categoria romance literário —sendo, portanto, uma obra relevante da literatura nacional.
A questão é que isso não tem sido feito como deveria e, quando há uma possibilidade de fazê-lo, há uma hipocrisia social que impede a discussão direta e verdadeira com os adolescentes. O argumento que foi utilizado para barrar a leitura da obra, de que há cenas de sexo “muito fortes” para adolescentes de 15 anos (que é a idade de ingresso no ensino médio), está totalmente desconectado da realidade como demonstram os dados citados no início.
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- Nós, do
- que trabalhamos com o enfrentamento das violências sexuais contra crianças e adolescentes, defendemos insistentemente o papel da escola como espaço de proteção e de prevenção contra violências de todas as ordens. Mas, para isso acontecer de verdade, é preciso que não haja “assuntos tabu” e que os educadores consigam conversar com qualidade e competência sobre esses temas. Portanto, acho que a grande questão sobre a qual devemos refletir aqui é se temos, nas escolas, profissionais capacitados para fazerem essas discussões.
Voltando agora ao livro, as tais “cenas de sexo” que seriam inapropriadas para leitura por essa faixa etária são, na verdade, o pano de fundo para discutir o racismo. Quem não sabe disso não leu o livro todo; ou, pior ainda, leu e não entendeu.