A chegada do Cacique Brasil ao céu

 

por GUTENBERG COSTA // Contador e ouvidor de histórias do povo

 

Foto: Alex Régis
Logo cedo neste domingo, 24 de Setembro, recebo uma triste notícia do carnavalesco e amigo das Rocas, Marcelo Duarte. Era o seu aviso choroso da partida desta terra de poucas e boas amizades do velho guerreiro Brasil de tantos carnavais nas Rocas. E, consequentemente, de toda a nossa Natal carnavalesca. Partiu nesta madrugada domingueira fora do combinado, como costumava repetir o saudoso músico mineiro Rolando Boldrin.
O velho e querido amigo Cacique da Tribo Carnavalesca “Potiguares”, Raimundo Brasil. A tribo carnavalesca em atividade mais antiga de Natal. Potiguares, rival da Tribo Guaranis do meu Alecrim, do saudoso José Silva, o lendário Bum-Bum, dos tempos bons do prefeito Djalma Maranhão, que com a partida do Bum-Bum, nos anos 80, não deixou novos seguidores. É difícil seguir com as tradições, o que é lamentável para a nossa história momesca. Restam as fotografias em meu acervo à espera do meu segundo volume dos carnavais de Natal, quase sem memória. Quase tudo nas gavetas e nas lembranças memorialísticas de poucos.
Em minhas pesquisas, descobri que as Tribos Indígenas Carnavalescas começaram em João Pessoa/PB, em 1918. E as duas mais famosas de Natal, já citadas, surgiram nos anos 30. Seguindo os moldes, rituais e dramas, culminando com a morte do terrível caçador e matador cruel dos índios. Estão às datas e nomes no meu livro Antigos Carnavais da Cidade do Natal, (1875/1945), primeiro volume.
Conheci o mestre Raimundo Brasil nos anos 70, levando sempre com ardor e vibração a sua Tribo Potiguares do bairro das Rocas, deixada por seu pai, o fundador Augusto Brasil. Tribo Potiguares, campeã em inúmeros carnavais. Patrimônio do nosso carnaval.
Quando estive em visita à casa do mestre Raimundo Brasil, este me cedeu uma rara fotografia de seu pai, fundador da tradicional Tribo Potiguares. Durante seu depoimento, emocionou-se, chegando às lágrimas, nas recordações e lutas do seu genitor o Cacique Augusto Brasil. Raimundo Brasil foi homenageado em vida pela Funcarte. Uma justa e merecida homenagem, contrariando as sempre póstumas. O vi contente e felicíssimo, em sua casa. Também foi capa da revista Brouhaha, da mesma Funcarte, em fevereiro de 2007. Viveu sua vida pobre e em função do carnaval e sua Tribo. Um nome de honra o bairro das Rocas. Foi merecidamente lembrado na obra do amigo jornalista e escritor Ciro Pedroza, autor da histórica obra sobre o bairro carnavalesco das Rocas (2022).
O referido pesquisador Ciro, ao ser por mim avisado do encantamento de seu Cacique, agradeceu-me, dizendo que Brasil ia se encontrar com o meu Cacique José Ferreira da Silva, o Bum-Bum, do meu Alecrim, em festa no céu. Tivesse eu o divino dom de ser um poeta cordelista, ia escrever o emotivo folheto – O Encontro no Céu dos Caciques Bum-Bum e Raimundo Brasil. Recentemente, uma das minhas idas ao bairro do samba e carnaval, as Rocas, acompanhado do amigo Marcelo Duarte fui visitar o velho Brasil. O encontrei já cansado de lutas antigas e esquecido do seu sofrido passado. Sofrido e glorioso. Ao falar sobre os antigos carnavais, seus olhos escuros brilharam em festa. Falar do que ele gostava e viveu intensamente.
Era das Rocas dos grandes e inesquecíveis mestres Chico de Carlos, Melé e Lucarino, entre outros e outras. O sábio Câmara Cascudo, em suas memórias, chegou a afirmar que o seu passado era “Só Cruzes”. isto é, de quem vive muito, tem lembranças e fraternas amizades conquistadas ao longo de jornadas vividas!
Que outras Tribos resistam e persistam nos exemplos e nas lutas do nosso eterno Cacique das Rocas, Raimundo Brasil, que carregava o nosso país sem apego às tradições no sobrenome.
Vá em paz, nosso grandioso Cacique Raimundo Brasil!
Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN

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