por GUTENBERG COSTA // Escritor e folclorista

 

Carlinhos, a esquerda, Castilho ao centro e Gutenberg à direita – 2006. Fotografia: França.

Em vida, aqui e acolá, eu já havia me referido ao amigo Castilho em variados textos sobre carnaval natalense. Sempre contando um pouco de suas histórias e causos presenciados por mim ao longo de uma velha e boa amizade. Ou, como dizem, irmandade mesmo.

Agora, seu filho e amigo Carlinhos me pede um novo texto. Confesso que comecei e parei várias vezes, devido a emoção. Ora eu ria muito, outras vezes o choro era inevitável em meio à digitação. Foi difícil e o tal do notebook não entendia minha emoção momentânea. Lembrar o aguerrido Castilho tem que rir muito e chorar de saudades. Já o conhecia das boemias nos bares e dos agitos culturais e carnavalescos, mas quem estreitou a nossa amizade foi o amigo comum, François Silvestre, testemunho vivo de muitas das histórias alegres, ditas “castilhianas”.
Durante muitos anos formamos um quinteto amigável que frequentava bares, restaurantes e cafés: François Silvestre, Décio Holanda, Maurício Baíto, Castilho e eu. Lá se iam conversas sobre futebol, música e até política. Castilho ria e fincava o pé fugindo das polêmicas, se dizendo ser amigo de todos os lados e credos: “Sou a Diana do Pastoril!”. Nosso anjo não brigava, muito menos falava mal de ninguém. Detestava caloteiros e fofoqueiros. Conhecia todo mundo e dizia-nos conhecer todos os caboclos da aldeia, da Redinha a Praia de Ponta Negra. Memorialista excepcional, com nomes e datas na ponta da língua em suas lembranças do passado. Dominava a roda de intelectuais, boêmios e carnavalescos. Lia muito e tinha conhecimento enciclopédico de fazer inveja a qualquer um desses que se dizem PhD com os pés nos pós doutorados. Quando eu conversava com ele, até esquecia as melhores aulas que já tinha recebido em três faculdades estudadas.

Nasceu um mestre para discorrer sobre tudo com simplicidade.

Muitas vezes lhe consultava sobre minhas pesquisas e, mais recentemente, quando eu estava na feitura do meu trabalho de 2019 – Breviário Etílico, Gastronômico e Sentimental da Cidade do Natal. Na ocasião, ele me disse que havia ido quase cem por cento aos bares citados no referido livro. Depois do lançamento do tal, me intimou a acompanhá-lo em alguns bares citados no meu trabalho para divulgação. Só ele fez isso comigo. Coisas de raros amigos. Lembro-me do “664” da Deodoro, aonde vendi os quatros livros que levava na ocasião a um de seus donos. Castilho era uma espécie de “tapia” de feira. Divulgava o citado livro muito mais do que o autor. Elogiava e vendia, rapidamente. Encarregou-se de espalhar exemplares por quase todos os amigos e as amigas da Redinha Velha de Guerra: “Pode autografar para fulano e beltrana, que eu pago adiantado o dinheiro!”.
E por falar na Redinha, quando o saudoso amigo João Alfredo partiu, Castilho foi logo me dando a seguinte intimação: “Enquanto vida eu tiver você vai passar seus carnavais na minha casa!”. Dito e feito com rede armada no primeiro andar, água gelada e rapadura por perto, para restabelecimento dos carnavais já passados. O mesmo sempre tinha três destacadas fantasias plantonistas para dar conta do sábado a quarta-feira de cinzas. Uma era a de motoqueiro que assombrava Deus e o mundo, diante de sua idade. Ele chegava tranquilamente no bar “Pé do Gavião” com capacete e chave. Tudo munganga momesca. Outra era a de “Mórmon”, fielmente a caráter e impressionando quem por acaso conhecia aqueles jovens religiosos. A mais famosa era a de “anjo azul”, que marcou suas efusivas alegrias carnavalescas aonde o mesmo chegasse. Quem sabe, o azul não seria de seu azul dos pastoris do passado folclórico.
Nos domingos carnavalescos, eu, ele e Baíto, fazendo o trio Irakitan, chegávamos logo cedo na casa do casal comum de amigos – Serejo e Rejane. Era o primeiro “assalto” evocando os antigos e divertidos carnavais. O roteiro era preestabelecido e planejado pelo próprio. Anotado e levado no bolso: “Gutenberg e Baíto, calma com o andor, que o santo é de barro. Ainda temos que ir às casas de Vera Bessa, Hélio Rocha e… ainda ao mercado saudar as donas gingas e tapiocas!”.

Sem nenhuma bajulação póstuma foi uma grandíssima figura humana de minhas amizades.

Era da linha de frente dos blocos e bandas, tais como: “Siri”, “Redinha dos meus amores” e a nossa saudosa “Antigos Carnavais”. Disposição incomum, de causar inveja aos mais jovens ao seu redor. Andava preparado com seu kit emergencial de carnaval, como dizia, para não faltar e nem dar muito trabalho a amigos e amigas das casas visitadas. Parava solenemente e alegre onde ouvisse um toque de clarim ou bombo. O carnaval e a boemia estavam em seu sangue antes mesmo da descoberta do tal DNA. Não perdia o lançamento de um livro meu e de quase todo mundo do rol de suas amizades antigas. Era o primeiro das filas.
Lia os jornais diários e recortava as crônicas e textos dos amigos. Exímio arquivista daquilo que o seu imenso coração pedia. Tantas vezes o vi recortando e colando em álbuns especializados para uma futura memória natalense. Tinha guardados textos meus que eu não tinha em casa. As fotografias eram arquivadas à parte. Além da sua biblioteca de autores potiguares, seus amigos. Hoje, quem se preocupará com os amigos e seus escritos?
Viveu num tempo da maldade, inveja e das futricas, mas, fez opção pelo bem e chamando os amigos de irmãos. Se vestiu de anjo azul e só deixou muita saudade em nossos corações. Tratava minhas filhas como se fossem suas netas. Todos que lerem esse texto vão entender, diante do emotivo, porque fui curto com aquele que merece livros volumosos de histórias.
E para encerrar essas memórias afetivas, vou lembrar aqui uma viagem marcada para passarmos uma semana santa na residência do amigo François Silvestre, eu, ele e Baíto. Como eu morava na época em Nova Parnamirim, seria o último do comboio a subir no alternativo que fazia a linha para Martins. Carro cheio de gente, menino chorando e cachorro latindo no colo de uma jovem. Imaginei o velho filósofo aperreado com aquele tumulto. Ao subir no dito transporte, observei o saudoso Baíto caindo em gargalhadas e logo me explicando a ausência de Castilho. O trio estava desfalcado: “Amigo Gutenberg, Castilho, não aguentou o tranco do rebuliço do bonde. Deixou as desculpas, mas pediu para descer na velha corrente da Avenida Quinze”. Aos mais jovens, que não sabem, ali na Salgado Filho com a Antônio Basílio ficava uma corrente do governo Aluízio Alves. Coisas que ainda alcançamos.
E agora? Leitores e leitoras, me digam pelo amor de Deus, como eu vou chegar contente, naquela mesa da Redinha e sentir, saudosamente, que está faltando ele… como driblar uma ausência dessa, meus senhores e minhas senhoras?
24 de março de 2022, o ano de encantamento do amigo-irmão Castilho.
Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.

 

 

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