Carnaval de Natal em duas guerras mundiais

 

por GUTENBERG COSTA // Escritor e folclorista
Bloco feminino Pelles Vermelhas – em frente ao Grande Hotel na Ribeira, 1940. Foto: Lenine Pinto

Quando comecei a pesquisar em velhos jornais até pensava que a tal propagada “Natal pacata e religiosa” não tivesse clima alegre e divertido para carnavais de rua durante os dois períodos momescos de guerras mundiais, entre 1915/1918, na primeira e 1939/1945, na segunda.

O que eu li, até me surpreendeu, observando a grande participação popular nas ruas entre os foliões, agremiações e os bailes nos clubes sociais fechados. Quem teria inventado esse boato de que a nossa Natal era pacata? E sem festas? Teria sido o Benedito?
Em 1915, o carnaval começou em 13 de fevereiro. Tempo de seca no RN e Nordeste. A famosa agremiação carnavalesca Divisão Branca realizou um grandioso baile nas dependências do teatro Carlos Gomes (Alberto Maranhão). O Cordão tradicional carnavalesco Remadores criou uma canção para as ruas durante seus desfiles, satirizando a guerra em questão:
…Eles em guerra e nós na brincadeira
Nossa sede é na Ribeira
Senhores queiram desculpar!
O povo festivo natalense brincou alegremente nas ruas da Cidade Alta, rua da Palha [atual Vigário Bartolomeu] e nas principais ruas da Ribeira.
Em 1916, o então governador Ferreira Chaves comparece aos festejos da Cidade Alta. Era raro as ditas autoridades políticas prestigiarem essas festas de ruas. Ainda nesse ano, tivemos um jornal impresso humorístico com o título de O Parafuso, que divulgou abertamente os festejos de momo natalense. Muitas agremiações nas ruas: Bloco Alecrinense; Zé Pereira; Fanfarra; Flor de Lyra; Maxixeira; Club do Treze e Pinga Fogo.
Em 1917, tivemos, apesar das chuvas, as participações dos Clubes e Cordões de rua: Lenhadores; Potiguares; Varredores; Fanfarra Filomeno; Coco Potiguar; Coco Marítimo; Ginásio Dramático; Clube do Zé Pereira; Bloco Alecrinense; Fanfarra; Flor de Lyra; Maxixeira; Clube dos Treze; Pinga Fogo e Pau com Formiga.
Depois do carnaval de 1917, em agosto, é fundado o Clube social fechado Terpsíchores Clube de Natal, na Cidade Alta, para animar o folião de 1918. Carnaval com muita chuva e animação. Ano do surto da famigerada gripe espanhola. Mesmo assim, o folião natalense vai às ruas com suas tradicionais agremiações e alegrias irreverentes. Os jornais não davam atenção ao grande conflito mundial da primeira guerra. A música animada, Baratinha, era cantada nas ruas em Natal.
Em 1919, ninguém lembrava de guerra nenhuma passada. As batalhas nas ruas eram entre confetes, serpentinas e lança-perfume. O maior baile fechado ocorreu no Natal Club, na Cidade Alta, com a presença de mulheres com fantasias luxuosas. O povo fantasiado de sujo ficou nas ruas aos olhos vigilantes e censuradores da Chefatura Policial…
Do início ao final do conflito mundial da segunda guerra, a nossa Natal teve carnaval, apesar da censura policial vigente e a presença de soldados americanos nas ruas. Em 1939, tivemos eleição para Rei Momo, entre dois candidatos obesos. O maestro e boêmio Alcides Cicco, representante dos intelectuais, e o folião carnavalesco Zé Alves, representante da agremiação Quebra Vidraça. Ganhou o festeiro Zé Alves. Tivemos a primeira rainha do carnaval na pessoa da jovem Jarina Feitosa.
Muitas agremiações com suas próprias canções
Destaque para os Índios Guaranis, do bairro do Alecrim, e a troça popular Cão Jaraguá, tendo à sua frente o festeiro carnavalesco Yoiô Barros. Um dos mais aguerridos foliões de rua em Natal dos anos 40/60. Circula o primeiro número do jornal O Frevo. No bairro das Rocas é fundada a primeira Escola de Samba natalense – Só Falta Você. As mulheres já tinham o seu bloco de rua, nominado de Pelles Vermelhas. A agremiação Campeã de 1939 foi a Liga das Nações.
Em 1940, tivemos o Rei Momo oficial eleito, Aureliano Medeiros Filho, e o de protesto, o irreverente e boêmio Zé Areia. Natal já tinha 55 mil habitantes. O bairro das Rocas aparece com os Índios Potiguares. Além dos dois blocos de rua mais populares, Pega no Arranco e Cão Jaraguá, mais de uma dezena de agremiações foram inscritas na Polícia para terem acesso ao corso oficial na avenida Rio Branco, Cidade Alta. Bailes elitizados no Aero Clube, no Tirol, e teatro Alberto Maranhão, na Ribeira. O jornal carnavalesco Zé Pereira anunciava os festejos com independência, apesar da censura vigente.
Em 1941, a censura getulista atinge todo o carnaval brasileiro e, consequentemente, o natalense. Mesmo assim, muitas agremiações se inscreveram na Chefatura de Polícia. Eram Charangas, Blocos, Troças e Bagunças. Toda a cidade animada, menos o cronista social do carnaval, jornalista Aderbal de França, o Danilo, que não gostava da alegria popular de rua, preferindo os bailes elitizados com suas fantasias luxuosas. As músicas carnavalescas cantadas nas ruas e clubes vinham da capital, o Rio de Janeiro. Depois do carnaval os americanos chegam em Parnamirim e Natal.
Em 1942, as proibições aumentam as agremiações. A censura maior era do então departamento de imprensa e propaganda (DIP). O Aero Clube abriu para os bailes elitizados. No Tirol, o Brasil Clube atendia os mais populares. Destaque para o primeiro bloco masculino considerado de elite, Jardim de Infância, reunindo os mais ricos de Natal.
No carnaval de 1943, nem pensar em falar na Alemanha Hitlerista nos bares, cafés e cabarés. Soldados americanos e a censura nas esquinas. Os jornais não divulgavam muito os assuntos festivos e carnavalescos. O Rei Momo Zé Areia desfilava nas ruas da Cidade Alta e Ribeira, escandalizando os americanos. Muitas agremiações se inscreveram e passaram autorizadas no corso da Rio Branco, na Cidade Alta.
Em 1943, a censura continua mais acirrada. Três clubes fechados realizam seus bailes: Teatro Carlos Gomes, Aero Clube e Brasil Clube. O Bloco de rua mais popular nesse carnaval foi o Pega no Arranco, que arrastava o povão com a participação de vários brincantes, entre eles o político festeiro Djalma Maranhão, com destaque para o funcionário dos Correios, Raimundo Amaral, fantasiado de Carmen Miranda.
As sátiras musicais atingiam em cheio o já enfraquecido Adolfo Hitler. Em 1944, o carnaval teve duas autoridades, o Rei Momo oficialesco, Aureliano Medeiros Filho, e o do povão em protesto, o barbeiro e boêmio Zé Areia. Hitler é representado satiricamente durante o carnaval, em boneco gigante feito pelo artista Manoel Andrade, do bairro do Alecrim. Um jornal americano noticia as suas festas particulares com circulação entre os mesmos.
Em 1945, o carnaval ocorreu já em tom de despedidas da então segunda guerra mundial. Muitas agremiações e alegrias nas ruas. Apesar dos protestos de Zé Areia, surgiram dois súditos e fortes concorrentes, Luizinho Doblechem e Severino Galvão. Este último, persiste até meados dos anos 80. Um grande e quixotesco folião. Tempos de cabarés famosos e raparigas disputadas a dólar. A lança-perfume Rodouro perfumava tudo, da ponte de Igapó ao Beco da Quarentena. Nem tudo era guerra, mas quase tudo virava em carnaval e festa.
E muita conversa, dizem, fechou o Café/bar Cova da Onça!
Morada São Saruê/Nísia Floresta/RN

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