Carnaval há 100 anos em Natal

 

por GUTENBERG COSTA // Escritor e folclorista

Como teria sido o carnaval de rua em Natal no ano de 1922, há exatamente cem anos?

Vamos resumir e recorrer à pesquisa já publicada em nosso primeiro volume da história do carnaval natalense – Antigos Carnavais da Cidade do Natal (editora 8, 2016, págs. 159/162), que nos mostra, segundo jornais da época, que este teria ocorrido bem animado na larga rua Tavares de Lyra, Ribeira. Região boêmia de bares, restaurantes, cabarés e cafés. O carnaval de 1922 ocorreu a partir de 25 de fevereiro, o sábado de “Zé Pereira”. A terça feira “gorda” se deu no dia 28. O folião alegre dos anos 20 já nem falava mais na miserável pandemia da gripe espanhola dos anos 10 (1918).
Até 1921, os nossos festejos populares ocorriam na antiga rua “da Palha”, hoje Vigário Bartolomeu, Cidade Alta. Os tempos modernos já não comportavam as agremiações na antiga rua apertada do centro da cidade. Alguns foliões saudosistas não apoiaram a mudança da Cidade Alta para a Ribeira. O nosso governante, Antônio José de Melo e Souza (1867-1955), apesar de culto, era totalmente contrário aos festejos dos sujos brincantes nas ruas. O seu governo se deu de 1920 a 1923, apenas com festas cívicas e literárias para não destonarem com os bons modos e costumes.
Os bailes, considerados de luxo e elitizado, ocorriam no afamado “Natal Clube”, sob a presidência de Ezequiel Wanderley (1872-1933), com decoração de Mauro dos Santos. O Clube realizou seus bailes carnavalescos já tradicionais. Diversas mulheres da alta sociedade natalense estiveram fantasiadas aos festejos do referido Clube. Sabe-se que as mulheres não participavam diretamente das festas momescas nos dois locais existentes de bailes, Teatro Carlos Gomes, depois Alberto Maranhão, da velha Ribeira, e o Natal Clube, da Cidade Alta.
O jornal A República já começava a anunciar a venda de lança-perfume para os carnavalescos frequentadores de bailes fechados. As marcas mais conhecidas eram: “Vlan”, “Paris”, “Royal”, “Alice” e “New York”. Estas eram vendidas na loja sortida do comerciante Manoel Machado, no bairro da Ribeira (M. Machado e Cia). Comércio diverso famoso, que depois de 1934 foi comandado por sua viúva, dona Amélia Machado (1881-1991).
Entrevistamos a saudosa dona Maria Nazaré Gomes de Souza (1906-2001), conhecida por dona Neném, moradora do bairro das Rocas, a maior e fiel fonte oral desta pesquisa, principalmente em relação às décadas de 20/50 do século XX. Ela, lucidamente, nos informou alguns detalhes do carnaval de 1922, e até cantou um raro “hino” ou “canção” de seu Clube preferido: “Hino dos Remadores”.
Nós somos remadores
Alegres vamos seguir
Na passagem das moreninhas
Sobre as margens do Potengi…
Esses animados “Clubes de Manobras” eram os sucessores dos antigos Cordões carnavalescos, que saiam durante as manhãs de carnaval em Natal com influência direta dos carnavalescos da capital do país, Rio de Janeiro. Estes eram compostos só de homens e percorriam as ruas da Cidade Alta e Cidade Baixa (Ribeira). Nos referidos Clubes de rua, primordialmente, tinham dois personagens importantes em seus desfiles, que eram o “Puxador de Cordão” e o “Baliza”, responsáveis pelas suas manobras e coreografias durante seus alegres desfiles. Os integrantes saíam com vestimentas coloridas, adereços nas mãos, como flores ou cestas, cantando suas próprias canções ao som de batuques ou orquestras. Havia certas rivalidades entre os Clubes de rua em Natal e pelo resto do país, dando margem às autoridades ficarem sempre de olho em suas passagens pelas ruas. As brigas eram inevitáveis, acaso se encontrassem. Cada Clube com sua cor, estandarte e canções.
Na opinião da nossa informante (fev, 2003), entre as marcas mais populares de “lança-perfume” desta época a Flan é que era a melhor de todas. “A Rigoletto que fedia a alho e a Rodo era muito forte, ardia como diabo nos olhos!” Estas teriam sido retiradas oficialmente das nossas festas carnavalescas nos anos sessenta por ordem do então presidente Jânio Quadros (1917-1992). As músicas, tocadas e cantadas, vinham dos sucessos cariocas. A de 1922 era uma crítica ao então candidato a presidente Arthur Bernardes (1875-1955): “Aí seu Mé”, apelido do Bernardes, que viria a ser eleito em novembro de 1922. A dita sátira carnavalesca de Freire Júnior (1881-1956), em parceria com Careca (1886-1953), foi censurada e Freire Júnior até preso.
Os jornais A República, órgão governista, e A Imprensa, mais aberto, de propriedade do Coronel Francisco Cascudo (1863-1935), pai do nosso historiador e folclorista Câmara Cascudo (1898-1986), lembravam aos seus leitores que o ano seria de comemorações cívicas alusivas ao centenário de nossa independência (1822/1922). O policial de rua conhecido como Capitão Joca do Pará (1870-1930), que até apreciava festejos folclóricos, em contrapartida não tolerava as agremiações carnavalescas e as irreverências populares dos brincantes de rua. Joca era o terror dos foliões em Natal, com seu cavalo bom de corrida e seu chicote torturador. O chefe geral de polícia era Sebastião Fernandes (1880-1941). Mesmo com as ameaças policiais, o povo, sempre teimosamente, saiu às ruas da Cidade Alta e Ribeira, há cem anos atrás.
As agremiações de 1922 tinham que ser previamente inscritas e autorizadas pela oficialidade policial. As que alegraram o nosso carnaval natalense foram, entre outras: Coco Potiguar, Vassourinhas, Divisão Frontin, Canequeiros, Urubu Malandro, Camponesas, Remadores, Lenhadores, Roçadores, Ciganas e Pierrôs Brancos. Além dos incontáveis sujos fantasiados com seus antiguíssimos “mela-mela” nas principais artérias públicas. Os cronistas de momo só elogiavam os bailes de fantasias da nossa elite e reclamavam das alegrias populares de rua e seus “excessos”. É por demais sabido, historicamente, que o povo pobre sempre foi criticado em todos os tempos em suas alegrias de rua. Proibições aos mascarados pobres, desde a escravidão. Infelizmente!
Morada São Saruê – Nísia Floresta/RN
» Vamos brincar em casa com alegria e ouvindo os sucessos carnavalescos do nosso saudoso compositor e cantor macaibense Dosinho:

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