por GUTENBERG COSTA // Escritor e folclorista

 

Dizem que quem escreve é como aquele cachaceiro inveterado, é difícil de parar. Às vezes, durmo e já acordo com os assuntos. É só me sentar com meu notebook e mãos à obra. A ideia já está desenhada e quase pronta. Brinco sempre com o amigo Nilo Emerenciano – o qual, além de excelente escritor, é espiritualista – digo ao mesmo que os meus textos escritos são pedidos noturnos do além.

Todo mundo que escreve tem seus critérios e eu tenho os meus. Não sou religioso, mas desconfio de certas sugestões repentinas nos meus ouvidos. Recebo, às vezes, alguns pedidos de amizades, mas só escrevo sobre quem conheci ou sobre coisas que vivi, com exceções aos causos que me contam em minhas viagens e pesquisas.
É muito bom escrever com o coração e a liberdade do assunto. Pressionado, eu não faço nada. Nada com prazos ou gritos. Os de casa já sabem e me conhecem muito bem. Alguns amigos, não, e pensam que eu fico acordado depois das 20 horas. Há cinco anos que eu acordo pela madrugada e só trabalho escrevendo ou lendo pela manhã e tarde. Por falta de tempo e paciência, seleciono tudo…
Meus antigos editores em jornais impressos já sabiam que eu tinha a total liberdade de pensamento e opinião ou não escreveria em seus veículos. Os eletrônicos de hoje, também sabem. Estes, nunca me dão dicas de assuntos para não causarem constrangimento. Não nasci para ser colunista social e nem tentar agradar aos gregos e troianos. Quando o coração pede, eu escrevo e nunca é para bajular as torcidas fanáticas, que estão sempre de plantão!
Principalmente agora, depois aposentado, só faço o que me dá prazer e qualidade de vida. Agradar nem ao papa. Sempre tive pena de quem escreve por pressão ou dinheiro. Confesso que já recebi bons pagamentos, mas os assuntos eram de minha paixão e gosto: “Casou Tomé com Bebé!”. Acho até que o leitor percebe logo quando o texto é frio e sem vivência pelo autor. Algumas coisas que leio até parecem psicografados, com todo o respeito. A mim não enganam, já sou um velho gato escaldado.
Cada macaco no seu galho, e cada escritor e escritora com suas artimanhas para realizarem os seus atos de escrever. Ando sempre com agenda e caneta, até em praias. Escrevo algumas ideias em viagens. Anoto tudo e transcrevo avisos de bodegas e para-choque de caminhões. Muita coisa, eu trago na cabeça e com minha excelente memória me recordo de fatos vividos ainda criança. Eu mesmo digito as minhas besteiras durante o dia. Às vezes com o rádio, ouvindo notícias ou o som de músicas boas das antigas (MPB). Muito barulho atrapalha e música, inspira assuntos do tempo do ronca.
Já não leio e escrevo nada à noite. Digo que durmo com as galinhas e acordo com os galos. Olho pouquíssimo as ditas mídias durante o dia e não suporto as fofocas das vidas íntimas dos artistas dos dias atuais: “Você está sabendo que o tal cantor está se separando da mulher?”. Aí respondo na cara: Como vou saber, se a minha televisão é restrita aos noticiários ou entrevistas com pessoas que acho interessante ouvir? O único programa televisivo que paro tudo para assistir é o de Rolando Boldrin, aos domingos pela manhã. O resto, não tenho tempo.
Um amigo escritor e pesquisador, recentemente, perguntou-me: Como eu tinha tempo para ler e pesquisar temas históricos? E eu lhes disse que fugia de supermercado e muito celular por perto. Só paro um pouco a digitação e escritas para um café ou suco. Posso rir sozinho e até emocionar-me. O ‘santo’ pode baixar quando o assunto é engraçado ou triste. Escrevo em uma mesa, com a claridade natural vindo de uma janela, da qual posso ouvir o canto dos pássaros vindo das árvores do meu quintal e becos laterais. Dificilmente, alguém balança o sino do portão da entrada com visitas inesperadas. Aqui nem pedintes aparecem nas portas. É um paraíso!
Viver bem, depois de aposentado, foi a minha melhor vingança contra tudo de ruim que vivi em uma cidade agitada, na qual eu era obrigado a marcar ponto, andar bem vestido socialmente e me alimentar fora de casa todos os dias. Muitas vezes, aborrecido com o que fazia no trabalho ou com o que comia nos restaurantes. Sem falar nos inevitáveis ônibus cheios, já que nunca dirigi um automóvel. E nem quero. Digo que pobre dirige e rico é quem tem motorista particular. Sem ver estacionamentos lotados e grosserias no trânsito louco das cidades grandes. Pelo menos, duas vezes por semana eu vou às feiras conversar com o povo e volto felicíssimo para casa, ainda carregando mil histórias para as transcrever no futuro.
Escrever é bom, mas se não tivermos empolgação tudo fica muito complexo. Situação muito complexa, como me disse certa vez o mestre de um grupo folclórico de Laranjeiras, em Sergipe, ‘seu’ Zé Rolinha: “Professor, é o que eu mais escuto hoje da boca desses doutores das universidades é que tudo é muito complexo”. Tem razão o sábio e feliz mestre ‘Zé Rolinha’. Uns nasceram para complicar mesmo as suas vidas. Não adianta banho de sal grosso e lexotan. Tudo é complexo nesse tempo, com quase todo mundo sem tempo de ler e escrever no velho e bom papel. Tempo digital dos infernos! Das falsas notícias nas mídias. Tempo desgraçado de muitos influenciadores e influenciadoras, sem nada no cérebro, mas ganhando rios de dinheiro. Tempo dos templos religiosos em cada esquina. Confesso aos meus leitores e minhas leitoras que estou muito velho e ainda escrevendo sob as influências do alemão Hermann Hesse (1877-1962) e do brasileiro Rubem Alves (1933-2014).
Um dia desses, indagaram-me em um mercado se eu não havia lido o filósofo fulano de tal tão famoso? Não! E com todo o respeito, filósofos eu os encontro nas feiras aonde vou. Tomamos café juntos e ainda me enchem de belas histórias de suas vidas simples e descomplicadas!
E ainda tem gente que deixa de ler, ouvir boas músicas ou mesmo escrever para irem em busca de falsos profetas. Povo complexo, que prefere viver enganando as amizades com suas fotos sorridentes na tal das mídias eletrônicas globalizantes. Agora chega, morreu a dona Maria Preá!
Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.

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