E Natal perdeu a sua bossa

Bossa Do Pandeiro: Acervo pessoal/Facebook

Neste ano de 2021 nem dá para contar os mais chegados que se foram. Não sou supersticioso, mas por precaução bato três vezes aqui na mesa de trabalho. Se balançar o dito ano, chora todo mundo. Escapamos fedendo, como se dizem nas feiras. Feliz daquele que emplacar um 2022 com saúde e paz.

A grande e vivíssima Cora Coralina me acalenta, lá de seu casarão, em que estive algumas vezes: Na vida tudo passa, mas nem tudo a gente esquece!”.
Pegando essa deixa da saudosa poetisa, eu digo agora que Natal não será a mesma sem o alegre instrumentista. Perdemos a nossa Bossa. Nosso charme no traquejo do pandeiro, que ia ao alto e caía na volta magistralmente nas mãos do seu domador. O velho Bossa dava um show pouco visto nos outros pandeiristas. Coisas dos antigos artistas circenses. Vestia-se elegantemente, geralmente de branco, contrastando com vermelho. Sapatos impecáveis, só comparados aos que vi nos sambistas cariocas. Era a Bossa em carne e osso. Espirito alegre, sempre risonho em nossas conversas. Nada de queixas dessa vida tão complicada.  Muito menos incomodado com vidas alheias…
O conheci no finado e famoso bar Café Nice, do meu bairro Alecrim. Ali pertinho da praça Gentil Ferreira, há décadas atrás. Ele era, indiscutivelmente pelos boêmios frequentadores, um espetáculo à parte com seu inseparável pandeiro. O restante do grupo musical era ofuscado pelo seu brilho pessoal devido seus trejeitos malabarísticos com seu pandeiro. O mesmo fazia verdadeiros milagres com o seu companheiro instrumental.
Existem certas figuras humanas que representam verdadeiramente as cidades. São autênticos patrimônios humanos. Pode-se dizer que são as caras das cidades. São tipos populares conhecidíssimos que fazem parte da história da geografia humana. Riquezas aos olhos dos turistas culturais mais atentos. Pouco vistos pelo poder público. E muitos destes, ao chegarem à velhice, ficam necessitando das ditas pensões vitalícias para suas sobrevivências. São destaques famosos, que geralmente o colunismo social restritivo aos endinheirados e poderosos nunca mostram. Eles e elas, sempre digo, precisam ser bem preservados, homenageados pelas Câmaras, Assembleias e órgãos culturais públicos, em vida, e nunca esquecidos. Considero uma covardia os familiares receberem diplomas e honrarias póstumas.
O nosso Bossa é verbete no Dicionário da Música do RN (2001, pág. 74) da amiga escritora e pesquisadora musical Leide Câmara, que inclusive esteve em minha casa semana passada. Vou resumir o que a referida estudiosa deixa como referência do nosso querido e agora saudoso Bossa: Nasceu em Uruaçu, município de Macaíba (RN), em 18 de janeiro de 1938. É considerado um dos maiores pandeiristas do Rio Grande do Norte… Participou de alguns discos, CDs e integrou vários grupos musicais. Foi nome também lembrado com justiça e em vida no meu trabalho, Breviário Etílico, Gastronômico e Sentimental da Cidade do Natal, de 2019. Durante a feitura do citado livro, que trata mais de memórias do que pesquisas, eu lhe consultei para algumas informações sobre o famoso bar ‘Café Nice’, (págs., 26/27). Segundo dona Maria Estela me dizia – a memória pode falhar, a gratidão nunca!
Não faz ainda um mês o encontrei andando na Avenida Rio Branco, na Cidade Alta. Parou ao me reconhecer e conversamos alguns minutos. Na ocasião, o achei um pouco magro e abatido pela idade. Mas, sempre alegre e vestido como nos velhos tempos de suas concorridas apresentações artísticas. Hoje, pelo zap, um amigo me envia o recado de seu filho, Fabiano Pereira do Nascimento, nos dando a informação do encantamento de seu famoso pai, Nazareno Pereira do Nascimento, no dia 19 de dezembro de 2021.
Meus caros leitores e caras leitoras, não sei se o nosso artista do pandeiro era natalense, reconhecido pela nossa bem lembrada Câmara Municipal de Natal, só sei que o amigo Bossa era indiscutivelmente a nossa cara musical. Todo mundo que respeita os nossos músicos, em luto! E como dizem nas feiras – Que o Bossa descanse em paz!
Nísia Floresta/RN, 20 de dezembro do ano pandêmico de 2021.

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