Conversa de Feira: E quem inventou a roda?

Gutenberg Costa – Xilogravura de Jefferson Campos

Se achar pioneiro em alguma coisa hoje é do tempo de Adão, para trás.

Por maior criatividade que se tenha em inventar algo é bom antes ver se já existe algo semelhante já feito. Se for fazer algo parecido, já não é pioneirismo. Cite as fontes e referências estudadas. O mundo é de ilhas culturais. Principalmente na área das pesquisas literárias.
O saudoso mestre e amigo folclorista Veríssimo de Melo me aconselhava que ao ter uma ideia, publicasse logo, mesmo que fosse uma espécie de resumo. Dizia-me, rindo, mas com muita seriedade em seu conselho: “Amigo, faça antes que um espertalhão com dinheiro publique antes de você. Vai ser o tal que terá que citá-lo na bibliografia do trabalho dele!”.
Outro conselho do sábio Vivi: “Só divulgue seu projeto literário quando o mesmo já estiver na gráfica. Essa terra é perigosa!”
Bem antes, o genial Guimarães Rosa em seu romance famoso “Grande Sertão Veredas”, já dizia que viver é perigoso. Soube de um amigo natalense que o mesmo teve de lançar às pressas o seu livro, porque outro já estava com o mesmo assunto em andamento.
Outro, me confidenciou que passou informações de suas pesquisas a um amigo e este visitante publicou pouco tempo depois a sua ideia.
La Fontaine já advertira aos humanos de seu tempo, que – “a onça se diz muito amigo do bode”.
Tenho em minha biblioteca dois livros com os mesmos títulos de autores diferentes. Mesma temática e mesma região geográfica. Aconselho aos mais jovens que façam uma longa e paciente pesquisa bibliográfica sobre seu assunto pesquisado, incluindo os títulos.
Mais um mestre e amigo que tive foi o saudoso Mário Souto Maior, de Olinda/PE. Esse, quando soube que eu havia publicado um livro sobre “Frei Damião na Literatura de Cordel”, por uma editora de Brasília/DF, me chamou para organizar junto com ele uma bibliografia sobre o referido missionário católico Capuchinho. Era no tempo do disquete e fui algumas vezes à sua casa, até a obra ser editada por uma editora de Recife/PE.
O velho irrequieto Mário dizia-me que para os pesquisadores ditos sérios, três obras eram de suma importância: “As enciclopédias, os dicionários e as bibliografias”. Hoje, até tiveram o disparate de me aconselhar o pai dos burros atuais, o tal do Google. Esse mesmo tal sabido, mas não inteligente, eu já o peguei informando datas erradas… “cala-te boca!”
Dizem nas feiras, que menino e o diabo, são desconfiados de tudo. O diabo é desconfiado com o menino que reparou logo os seus pés de pato. Macaco esperto e desconfiado, não põe a sua mão em cumbuca. Pesquisador que não seja desconfiado com informações fáceis é muito melhor procurar outra coisa para se ocupar. O rato quando é esperto não passa perto de ratoeira quando o queijo cheira muito. E preá legítimo não cai em quixó!
Eu mesmo desconfiei de uma pesquisadora que me visitava muito em Natal para buscar subsídios para suas pesquisas e fui um dia de surpresa à sua casa e não encontrei dez livros em toda a sua morada. Sou do tempo do papel, das anotações em cadernos, agendas. Dos livros, recortes de jornais e revistas.
Sou da escola de muitos mestres, entre eles, o grande Raimundo Soares de Brito, que duas casas não cabiam suas anotações, em Mossoró. Por falar em Raibrito, esse, antes de partir me fez doações de vários arquivos sobre Natal. Assuntos, como os nossos tipos populares, carnaval, apelidos e folclore: “Sobre sua terra, você leva, agora da região Oeste, nenhuma uma folha!”
Foi o mestre Raibrito que inclusive me hospedava, quem me apresentou a meio mundo na terra de Santa Luzia, Padre Mota e Vingt Un Rosado. Esse gigante da cultura, quando me via sem apoio cultural por estas bandas, publicava tudo de minha autoria que estava na gaveta. Fosse folclore, humor ou Santa Luzia. Raimundo era calmo e seu amigo irmão Vingt Un apressado que só cobra em areia quente: “Mande-me o seu trabalho em disquete, mas pra ontem viu!”
E ordem de amigos, segundo Câmara Cascudo, é ordem sagrada.
Falou do mal, prepare o pau. Em Mossoró, terra querida, existem vários pesquisadores com seriedade, entre eles, Kydelmir Dantas e Geraldo Maia Nascimento. Por sinal, o primeiro, paraibano de Nova Floresta, e o segundo, natalense do meu bairro do Alecrim. Reconheço em cartório e digo com fé, que os dois tem uma imensa biblioteca e arquivos. São chatos nas pesquisas em busca de informações. Citam suas fontes e são da séria escola dos saudosos Raimundo Soares de Brito e Vingt Un Rosado. Pesquisadores com “P” maiúsculo.
Já os “pioneiros” existem aos montes nas esquinas. Recentemente, o referido amigo Kydelmir me contou a história de um desses, que anda propagando ser o primeiro pesquisador a se referir às mulheres que adentraram no cordel nordestino. As nossas bravas e quixotescas cordelistas. Aí o Kydelmir o chamou para uma ferrenha briga, muito maior do que a da cobra com o tijuaçu. E informou ao dito “pioneiro” que no estudo das mulheres no cordel, já havia vários antes dele, como a dupla José Alves Sobrinho e Átila Almeida (1978) e Gutenberg Costa com “A Presença Feminina na Literatura de Cordel do RN” (2015). Entre outros estudos posteriores, como a obra da séria pesquisadora e amiga cearense, Francisca Pereira dos Santos [Fanka], com o título “O Livro Delas” (2020).
Kydelmir, de sua Nova Floresta viaja meio mundo comprando livros, visitando sebos, arquivos públicos e privados. Já veio recentemente aqui na minha morada e botou o olho em todos os meus folhetos. Passou dois dias enchendo seus cadernos de anotações. O que o mesmo me informa, eu murcho as orelhas e pronto, seja no forró, no cangaço, entre outras áreas de suas pesquisas. É um folclorista irrequieto, que, quando entra numa briga literária com certos pioneiros apelidados de pesquisadores, vira Lampião ou Ariano Suassuna. Escreve até para a editora corrigindo erros, como a de que em Mossoró, no ataque de Lampião em 1927, morrera dezenas de cangaceiros.
Confesso que já estou um pouco velho para brigas, principalmente depois que elegi a paz como minha prioridade de vida. Mas eu quero ainda saber desses pioneiros, quem diabo inventou a roda? E, se a torta de maçã foi mesmo inventada por dona Eva?
Por hoje é só. Até a próxima Conversa de Feira.
// Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN

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