Jaider Esbell: “A arte é uma extensão da nossa política para este mundo”

Fotografia: Alberto César Araújo/Amazônia Real

O povo Macuxi, situado na região circum-Roraima, perdeu o seu artista ativista, educador e produtor cultural Jaider Esbell.

Esse importante pensador da causa indígena se encantou nesta terça-feira (02/11), aos 42 anos. Sua arte militante está exposta para visitação até 5 de dezembro na 34ª Bienal de São Paulo com a mostra coletiva Moquém Surarî: arte indígena contemporânea, que tem curadoria do próprio Jaider Esbell.
Nascido na região hoje demarcada como a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Jaider Esbell tinha uma atuação múltipla combinando toda a sua trajetória artística com o movimento em defesa dos povos indígenas. “Em sua primeira obra literária, Terreiro de Makunaima – mitos, lendas e estórias em vivências (2010), Esbell se identifica como neto de Macunaíma e defende a reapropriação da figura pelos indígenas, considerando que, na cultura macuxi, Makunaima é um dos “filhos do Sol”, responsável pela criação mítica de todas as plantas comestíveis existentes na mata, portanto muito diferente do herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade”, diz a nota da Fundação Bienal de São Paulo sobre o artista.
Na performance Carta dos Povos Indígenas ao Capitalismo (Genebra, 2019), Jaider entregou a representantes do banco UBS uma carta em defesa do direito a uma vida digna para todos os seres que habitam o planeta. “O tom profético da carta retoma a pensamento do xamã Davi Kopenawa, que profetiza que o céu vai desabar sobre nossas cabeças. Para Esbell, a natureza está nos avisando da catástrofe, e deveríamos ouvi-la mais atentamente. A performance é um gesto por justiça social e pela visibilidade dos povos da floresta”, relata a nota da Bienal.
Série Kanaimé, de Jaider Esbelll (Foto: Marcelo Camacho) A série A Guerra dos Kanaimés, produzida entre 2019 e 2020, é composta de 11 telas de 145 x 110 cm – o que provoca no espectador um embate corporal com a imagem – e foi apresentada na exposição Vento, prim
A série A guerra dos Kanaimés, produzida entre 2019 e 2020 para a 34ª Bienal, é composta por 11 telas de 145x110cm e projeta os conflitos contemporâneos vividos pelo povo Macuxi e seus parentes, constantemente atacados pelas políticas oficiais e o lucrativo negócio baseado na exploração de terras ancestrais.
“A ARTE É UMA EXTENSÃO DA NOSSA POLÍTICA PARA ESTE MUNDO”
Para Jaider Esbell, considerado um dos principais porta-vozes dos artistas de povos originários, a manifestação artística é uma forma de compartilhar os saberes e a luta dos povos indígenas.
“Jaider Esbell foi, acima de tudo, um articulador, uma pessoa de grande generosidade e dedicação, que agregava sujeitos, afetos e saberes. Sua falta será profundamente sentida, não apenas por aqueles que eram próximos a ele, mas também por todos que acreditam na luta, que ele liderava, pelo reconhecimento da importância das culturas, da produção artística e da própria vida dos povos originários. Faz escuro, ainda mais escuro hoje…”, finaliza a nota assinada por José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo.
“Mais do que um teórico, acho que a questão da arte do Jaider é espiritual e ancestral”, afirma o curador e artista visual Turenko Beça. Para ele, o artista era um contador de histórias que foi buscar na ancestralidade a força da sua atuação artística, do seu discurso e do posicionamento decolonial. “o pensamento decolonial tem sido uma estratégia para dar voz e visibilidade aos povos historicamente subalternizados e oprimidos”.
Em conversa com a reportagem da Amazônia Real, Jaider disse que o colonizador se apropriou de quase tudo que o indígena tinha, condicionando as culturas originárias a repetir padrões da religião, da moral e da arte europeias. “Agora, querem se apropriar também do que não entendem: o mistério, a magia”, reflete ao assumir a postura de combate.
“Querido, o dia está pesado demais, estamos muito arrasados. Eu estou sem condições de falar alguma coisa, espero que compreenda”, disse Denilson Baniwa, artista brasileiro, curador, designer, ilustrador, comunicador e ativista.
“Fica a memória de um artista dedicado à arte, defesa dos direitos indígenas, valorização da cultura e dos saberes ancestrais”, escreveu a deputada federal Joênia Wapichana no Instagram.
Obra de Jaider no lago do Ibirapuera (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Sonia Guajajara citou as cobras do Lago do Ibirapuera: “Chamada ‘Entidades’, a obra representa o ser fantástico îkiimi, que atravessa vários mundos e não tem começo e nem fim”.
Sobre a morte desse grande símbolo de resistência, disse o xamã Bu’ú Kennedy, do povo Tukano: “As sementes que ele ajudou semear, dando oportunidade para parentes, eles e elas vão continuar. A arte, acredito, ele foi grande espelho, exemplo que arte é caminho para levar ao conhecimento da sociedade a nossa voz, nossa cultura, através da arte.”
Ao comentar a perda irreparável do artista, a Galeria Jaider Esbell, de Boa Vista (RR), solicitou que “nossa dor e recolhimento sejam respeitados”.
Em nota, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) lamentou a perda de Jaider Esbell e lembrou que ele deixa “um legado de resistência, luta e firme posicionamento. Suas pinturas envolventes, plasticidade e sua escrita manifestavam o que o povo indígena tem de melhor, cultura”.
A morte do artista foi confirmada por seu curador, André Millan, que preferiu não dar mais detalhes sobre o assunto. A causa da morte ainda não foi oficialmente divulgada, mas segundo o site Folha de São Paulo, amigos apontam ter sido suicídio.

 

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