
O sábado ‘gordo’ de carnaval, como popularmente era chamado entre os foliões, foi comemorado no dia 21 de fevereiro, com os carnavalescos já preparados para o domingo, dia maior do nosso folião natalense.
Festas nas ruas
Os três dias de carnaval de rua natalense ocorreram na Avenida Tavares de Lyra, no bairro da Ribeira, sendo os festejos animados por duas boas orquestras.
Bailes
Os principais bailes de clubes sociais divulgados pelo jornal ‘A República’ de sexta-feira (20 de fevereiro) e sábado (21) se deram no famoso ‘Natal-Club’ da Cidade Alta, que teve uma comissão de recepção composta pelos ilustres senhores: “Adauto da Câmara, Melchiades Barros, Epaminondas de Aquino Torres, José Mesquita, Kerginaldo Cavalcanti, Ezequiel Wanderley e José Carlos Leite”. Além do tradicional ‘Natal-Club’, houve bailes nos clubes elitizados: ‘Náutico Potengy’, da Ribeira, e ‘Terpsychore Club’, da Cidade Alta, que até decorou os seus salões num trabalho elogiável do senhor artista Nestorino Câmara, com o tema “Gruta Infernal”.
No domingo, dia 22 de fevereiro, o citado jornal anuncia aos seus leitores foliões daquele ano o seguinte comunicado das autorizações dos blocos e troças de ruas. Agremiações chamadas de Clubes de ruas: “Requereram e obtiveram licença do Dr. Chefe de Polícia para se exibirem no carnaval, os seguintes Clubes de ruas – ‘Club Noturno’, com sede na Cidade Alta – ‘Beija Flor’, com sede no Alecrim, ‘Dois – de – Ouro’, com sede na Ribeira – Areal, ‘Jandaias’ – com sede na Cidade Alta, ‘Maxixeira Alecrinense’ – com sede no Alecrim e ‘Coco Palmeyra’ – também com sede no Alecrim”. Como se vê, o populoso bairro do Alecrim era bastante animado, pois concentrava um grande número de foliões.
E por citarmos o famoso Clube de rua denominado ‘Dois de Ouro’, vamos nos lembrar de seu ‘hino’, ou ‘grito de guerra’, fruto da memória privilegiada de Dona Neném, saudosa moradora do Bairro das Rocas, nascida em 1906. A saudosa dona Neném, grande fonte de consulta desta pesquisa, foi cantando de sua rede e eu anotando em um velho caderno esta relíquia musical: “Sempre na ponta / Sempre correto nessa decência / Mas nós agora não leva em conta / As amarguras da inocência / Marchem e marcharemos / Hó que Clube ideal / Alegre cantamos o bom carnaval (Bis) / E esse povo que me dizia / Que o Dois de Ouro, não saía (Refrão)…”.
Balanço dos dias de carnaval de 1925
Na quinta-feira, pós-carnaval, dia 26, o mencionado jornal afirma com letras garrafais que foi um sucesso os bailes no ‘Natal Club’ com a orquestra sob a direção do professor ‘Calazans Carneiro’ e uma ‘soirèe’, ocorrida nos salões do Palacete da então Intendência Municipal, somente reservado para os chamados “elementos do nosso escol social”. E quanto a ‘batalhas’ e apresentações das agremiações carnavalescas durante os três dias de momo, a imprensa não poupou elogios às famosas e tradicionais agremiações: ‘Club Noturno’ e ‘Os Jandaias’. Segundo o policiamento local, o carnaval de 1925 foi um dos mais tranquilos, apesar de tanta gente nas ruas e nos velhos bondes. Muitos fantasiados, alegres e agarrados com lança-perfumes: “Foi elevado o número de bondes que trafegavam sempre cheios, transportando milhares de pessoas que desciam dos bairros servidos pelos ‘transvias’… O serviço de iluminação esteve irrepreensível e abundante…”.
1925, há cem anos passados em nossa Natal
Tempo de lança-perfume e fantasiados com luxo nos Clubes sociais, as noites e os sujos e papangus nos quatros dias de folias nas ruas. Cada agremiação carnavalesca com seus apaixonados foliões e torcedores. A maioria composta de homens e as mulheres os seguindo ao lado nos desfiles pelas ruas. Cada um com suas músicas compostas pelos integrantes e pomposos e coloridos estandartes. Segundo a minha depoente já citada ‘Dona Neném’, o carnaval de 1925 deixou marcas em sua memória: “Foi um grande carnaval de rua em Natal”. Como se dizia na época – Pra ninguém botar defeito! Das Rocas às Quintas!
Adendos históricos sobre Natal
Os antigos carnavais natalenses seguiam a moda das fantasias do carnaval carioca que aqui chegavam da então Capital Federal, o Rio de Janeiro, para os de maior poder aquisitivo, em suas participações nos bailes elitizados e luxuosos do Natal Clube, da Cidade Alta e Teatro Carlos Gomes (Alberto Maranhão), entre outros. As lojas ‘Paris’ e a da viúva Machado disputavam as concorrências comercias da época. Os ‘Clubes de Ruas’ tinham suas próprias fantasias e músicas, chamadas ‘hinos de guerra’. Havia grande rivalidade entre os brincantes das agremiações. Os mais pobres, chamados de ‘povinho’, saíam às ruas do Alecrim, Cidade Alta, Ribeira e Rocas, fantasiados de ‘sujos’, sozinhos ou turmas (Troças) aos seus modos, melados de cinzas e cal. Homens vestidos de velhos e mulheres. Mulheres vestidas de homens e velhas. Usavam o antigo costume do joga água suja uns nos outros.
Os moradores natalenses de maiores posses financeiras saíam para o então ‘Corso’ da Tavares de Lyra na Ribeira, ostentando lanças perfumes e fantasias luxuosas, como também davam festas aos brincantes foliões das agremiações em suas casas. Povo pobre nas ruas e povo rico nos bailes de salões elitizados nas noites. A Policia, como vinha realizando há décadas, ‘reprimia’, principalmente os que ridicularizavam os juízes, militares, padres e freiras com suas réplicas de fantasias. Rico geralmente bebia cervejas e vinhos e os foliões pobres a danada da cachaça, que era mais barata nas bodegas.
O memorialista e pesquisador Edgar de Alencar (1908-1993), escritor cearense e maior pesquisador musical dos antigos carnavais cariocas, em seu livro ‘O Carnaval Carioca através da Música’ – Vol 1, 1965, afirma o seguinte sobre as músicas que eram tocadas e dançadas nos carnavais dos anos 20: “Por muito tempo foram cantadas no carnaval carioca coisas sem qualquer sentido carnavalescos. Cantigas de roda, hinos de guerra, canções folclóricas, trechos de óperas… fados.. (p. 18/19, 1965). Além das antigas ‘Chulas’ de palhaços e ‘Maxixes’”.
No carnaval carioca, segundo o autor citado, as músicas mais famosas e populares dos carnavais cariocas de 1924/1925 foram: “Não Sei Dizer e Pai Adão, dos compositores Eduardo Souto e Sinhô”. Entre outras antigas canções carnavalescas que aqui em Natal logo chegavam, sejam através de visitantes ou de recém-moradores. A predominância do ritmo musical da época dos anos 20 era a do ‘Samba’ e do ‘Maxixe’. Nos anos 20/30 em Natal, durante seus carnavais de rua, existiam as tradicionais e famosas agremiações ‘Maxixeiras’ e ‘Zé Pereiras’.
Zé Pereira abrindo o carnaval no sábado e Maxixeiras nos domingos, segunda e terça de carnaval. E a dona Neném, Nazaré Gomes de Souza (1906-2011), a saudosa informante foliã, moradora do bairro das Rocas, Rua do Areal, 424, me contou Tim tim por tim tim das fantasias das nossas antigas ‘Maxixeiras’: “Eram homens de posses, que se vestiam elegantemente de mulheres, com adereços nos pescoços e braços. Lenços nas cabeças e cestas, com flores e frutas, carregadas nas mãos”.
O saudoso amigo escritor Enélio Lima Petrovich (1934-2012), então presidente do Instituto Histórico e Geográfico, sabendo de minhas pesquisas sobre as Maxixeiras, contou-me em depoimento que o maior folião desta agremiação tinha sido o seu parente Deolindo Lima (1885-1944), jornalista, compositor, teatrólogo e boêmio. As fantasias (vestidos femininos), parte das fantasias da ‘Maxixeira’, eram cuidadosamente costuradas por sua esposa, todos os anos.
Nos anos 20, não tínhamos a presença oficial e disputada do Rei Momo nas ruas natalenses, mas por conta própria saía às ruas um dos maiores foliões do bairro do Alecrim, o ‘grandalhão e obeso’ Cavalcanti Grande, Antônio Cavalcanti de Albuquerque Maranhão (1864-1931). Vestido em traje elegante de Rei, em uma majestosa e enfeitada carroça puxada por cavalos, percorria as antigas ruas da nossa Natal, causando aplausos e admiração dos súditos foliões de seu tempo. Eu, historicamente, o considero o nosso primeiro Rei Momo nas ruas carnavalescas da nossa Natal.
Não poderia deixar de destacar que o maior jornal impresso que vinha dando as noticias principais sobre nosso carnaval era ‘A República’, onde me serviu de apuradas e cansativas consultas em seus arquivos. Dois dos nossos maiores cronistas carnavalescos dos anos 20/30 foram os jornalistas Ezequiel Wanderley (1872-1933) e Aderbal de França (1895-1974). Memorialistas e testemunhos das nossas antigas alegrias carnavalescas da nossa Natal, que infelizmente pouco dá atenção às nossas pesquisas históricas. Nosso segundo volume da história do carnaval natalense, de 1946 a 2006, ainda se encontra no meu computador sem patrocínios para sua publicação… Cala-te boca!
Texto revisado e ampliado do livro – Antigos Carnavais da Cidade do Natal – 1875/1945, Editora 8/PMN, 1. Volume, 2016.
Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.