Xô bicho papão: PEC 18/2011 é um crime contra a infância

Lápis, caderno, chiclete, pião
Sol, bicicleta, skate, calção
Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão

A composição de Arnaldo Antunes e Paulo Tatit na voz da Palavra Cantada, e que tanto encanta a criançada, parece até um protesto contra a pauta que está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados. Trata-se de uma tal de PEC 18/2011, do deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), que visa alterar o Artigo 7º da Constituição Federal, permitindo o trabalho infantil a partir dos 14 anos de idade.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) publicou Nota Técnica pedindo a rejeição do Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº 18/2011, que estava engavetada há 13 anos, e foi ressuscitada pelo deputado Gilson Marques Sperafico (Novo-SC) para assombrar as brincadeiras infantis recheadas de banho de rio, banho de mar, pula cela, tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão, gritaria, confusão

De acordo com a Nota do Ministério Público do Trabalho, Tal Projeto de Emenda à Constituição, permitindo que crianças de 14 anos possam firmar contratos de trabalho em regime de tempo parcial tal proposta, é inconstitucional e incompatível com a proteção integral e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, entre eles a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), além de ferir o direito ao não trabalho de crianças e adolescentes, previsto na Constituição Federal.

Para o MPT, os impactos negativos do trabalho precoce são comprovados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que registrou, entre 2007 e 2022, 60.095 ocorrências de acidentes do trabalho de crianças e adolescentes, sendo que 34.805 relativas a acidentes de trabalho graves. Motivo pelo qual o trabalho infantil é considerado um problema de saúde pública para o Ministério da Saúde (MS), provocando consequências negativas à saúde e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.

No Caderno de Atenção Integral à Saúde de Crianças e Adolescentes em Situação de Trabalho (2024), o Ministério Saúde expõe as consequências imediatas do trabalho precoce, que vão desde problemas sociais, como evasão escolar, a problemas físicos e psicológicos, como fadiga excessiva, distúrbios do sono, irritabilidade, alergias e problemas respiratórios, fraturas, lesões, baixo peso, imagem negativa de si, baixa autoestima, adultização precoce, prejuízos na socialização e comprometimento do tempo do lazer.

“O trabalho infantil priva crianças e adolescentes de infâncias e adolescências plenas, retirando-as da escola, afetando seu aproveitamento escolar e violando direitos fundamentais, em especial daquelas em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica e risco social, que são induzidas ao trabalho”, destaca Nota do MPT.

Dados do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC) divulgou, em 2022, que um total de 2 milhões de meninos e meninas não finalizaram a educação básica e saíram da escola. De acordo com a pesquisa, 48% dos entrevistados deixaram de estudar “porque tinham que trabalhar fora”.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad) apontam que 97% das crianças e adolescentes que não trabalham estavam na escola, contra 88% daquelas vítimas de trabalho infantil.

O MPT destaca, também, que “a única exceção constitucionalmente admitida para o trabalho antes dos 16 anos de idade é por meio da aprendizagem profissional, a partir dos 14 anos, por tratar-se de medida de concretização do direito fundamental à profissionalização e apresentar o necessário caráter educacional e formativo”.

Trata-se de contrato de trabalho especial, que deve ser firmado nos termos do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a garantir qualificação profissional, formação prática em ambiente protegido, direitos trabalhistas e previdenciários, e permanência na educação regular, destaca o documento do Ministério Público do Trabalho.

“Por tais razões, conclui-se que a PEC Nº 18/2011 padece de inconvencionalidades e inconstitucionalidades, não podendo ser admitida, de modo a resguardar direitos humanos e fundamentais de crianças e adolescentes”, conclui A nota pela inadmissibilidade e integral rejeição do texto.