Vidas Secas, um clássico do cinema novo.

por ROSÁLIA FIGUEIRÊDO // jornalista, roteirista, escritora

 

Cena do filme “Vidas Secas” (1963) – Reprodução

“Mãe , o que é inferno?”

QUESTIONAMENTO do menino mais velho da família de retirantes nordestinos que povoa e enche de “Vida Severina”  a tela do cinema que surge novo em 1963, e ainda tão atual, há mais de 50 anos de seu lançamento.
O filme Vidas Secas é considerado um dos maiores trabalhos do cineasta Nelson Pereira dos Santos, que assina a direção e o roteiro, e que deu vida em movimento a também clássica obra do escritor alagoano Graciliano Ramos.
A dureza do sertão castigado pela seca traduzido em palavras pelo escritor é fielmente transposta em imagens pelo cineasta. De planos longos e pouco diálogo, a narrativa vai sendo construída sem presa, dando ao espectador a possibilidade de viajar na paisagem, sofrida mas bela, a contradição da arte. As personagens emblemáticas que parecem sair de um quadro, e por que não de Cândido Portinari, composta pela mãe, a Sinhá Vitória, o pai Fabiano, o filho mais novo, o filho mais velho e a inesquecível cachorra Baleia, que ganha a cena e é,  sem deixar dúvida, a melhor atriz da trama.
De uma interpretação impecável, Baleia, uma vira lata carismática, ganha de cara a simpatia de todos na alegria e na tristeza, Pois é, a morte de Baleia, sacrificada pelo dono, é uma das cenas mais tristes do cinema envolvendo animal. Eu não diria que Baleia é quase gente, afirmaria que ela é gente, inclusive esteve presente no Festival de Cannes, por ocasião da indicação à Palma de Ouro.
O ator Átila Iório vive Fabiano, a atriz Maria Ribeiro a Sinhá Vitória, e o fazendeiro pelo até então desconhecido é vivido por Jofre Soares. A realidade que os atores emprestam às personagens é tão marcante, aliada à simplicidade, porém, sensível da direção, que poderíamos estar diante de um documentário.
O filme foi lançado em 1963 no Rio de Janeiro. Em 1964, houve o golpe que instala o início da ditadura  no Brasil. Neste período, o filme estava sendo exibido no Nordeste e o governo manda confiscar as cópias. No entanto, para o azar deles e sorte nossa, as cópias já haviam sido enviadas ao Festival de Cannes e foram exibidas no mês de maio daquele ano. O filme venceu o Prix Cinémas d’Art et d’Essai, do júri da associação francesa de cinemas de arte, além de outros prêmios, e se tornou respeitado internacionalmente. Também é citado como um dos melhores expoentes do Neo-realismo italiano, sendo mencionado publicamente por outros mestres como Glauber Rocha e Jean-Luc Godard.
Há uma integração perfeita entre direção e direção de fotografia, assinada por Luiz Carlos Barreto e José Rosa, que nos arrebata pelo seu realismo, contraste, planos, que nos remete além da tela, nos remete ao real. A química é perfeita. E para corroborar essa perfeição, trazemos palavras do próprio diretor, contidas no livro Nelson Pereira dos Santos, uma cinebiografia do Brasil – Rio , 40 graus, 50 anos:  “Foi um momento muito importante para o reconhecimento internacional do cinema novo. Os filmes eram reconhecidos como vigorosos, muito críticos e muito novos. Isso se dava por duas razões: primeiro porque os filmes eram bons, desculpe-me a modéstia. E, em segundo lugar, porque inspiravam uma solidariedade natural e espontânea que apoiava uma volta à democracia no Brasil. O cinema novo, portanto, ajudou a expressar essa solidariedade.”
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