Três mulheres pretas no pódio

Rebeca Andrade conquista a medalha de ouro na final do solo. Foto: Alexandre Loureiro/COB.

É ouro para o Brasil no solo da ginástica artística das Olimpíadas de Paris, mas, infelizmente, não recebemos medalhas no respeito às mulheres negras. Este ouro que tanto nos emocionou nesta manhã de cinco de agosto só nos leva a refletirmos sobre o papel da mulher preta na nossa sociedade.

Por que a mulher preta precisa todos os dias mostrar a sua coragem e enfrentar batalhas as mais diversas para alcançar os seus sonhos e objetivos? O que a faz diferente das outras mulheres?

O que vimos no pódio das Olimpíadas 2024 foi uma cena de causar choro e fortes emoções, pois não foi apenas Rebeca Andrade, brasileira, a se destacar, mas as outras atletas que subiram o mesmo pódio com ela, também, são negras e vem de um país que por muitos anos escravizou seus negros.

Tivemos no pódio olímpico a força da mulher negra que se veste todos os dias de coragem para enfrentar a opressão de alguns brancos que não têm empatia ou não sabem amar o próximo, como podemos ver nos ensinamentos daquele que foi o maior homem a passar pela Terra, Jesus Cristo, que nos dizia “amai ao próximo como a ti mesmo”. Não! As mulheres pretas não são amadas pelo próximo. Isto é uma verdade!

Meninas negras de até 13 anos são estupradas a cada 8 minutos no Brasil e 62% das mulheres negras adultas são vítimas de feminicídio num país que usa máscaras, que se veste com a camisa verde e amarela para festejar o ouro olímpico de uma mulher negra, maior atleta do país, melhor atleta da história olímpica brasileira. Somos um povo que sabemos fingir, não como diria o poeta português Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.”

Falar desse fingimento de que o povo brasileiro está engolindo o ouro olímpico de Rebeca Andrade com amor e emoção parece até utópico, pois como amar uma mulher negra, ter orgulho dela se matamos as nossas mulheres pretas nas favelas e periferias dos grandes centros urbanos, acusando-as de traficantes e esposas de bandidos?

Maltratamos as nossas mulheres pretas todos os dias nas lojas dos shopping centers, nos supermercados, nas escolas e nas diversas instituições públicas onde a maioria das concursadas é formada de mulheres brancas.

O pódio olímpico na ginástica artística, formado pelas grandes atletas Rebeca Andrade, Simone Biles e Jordan Chiles, foi de um orgulho imenso para um povo que todos os dias sofre racismo das mais diversas áreas da sociedade.  Três mulheres pretas que driblaram a branquitude e quebraram estereótipos.

Como dizia o nosso querido técnico de futebol Zagallo: “vocês vão ter que me engolir”, Rebeca Andrade e as outras duas atletas americanas que formaram o pódio olímpico nesta manhã disseram ao mundo. Vão ter que engolir que três mulheres pretas são as melhores do mundo num esporte feito para mulheres brancas.

O feito é de Rebeca Andrade, nossa mulher preta brasileira que traz pra casa, pra um país racista, um ouro que representa a luta da mulher preta pelo seu lugar de vencedora numa sociedade racista e preconceituosa, que a vê como uma lavadora de roupas, empregada doméstica ou outra profissão simples qualquer. Não que estas profissões sejam de menor valor, mas que a mulher preta nunca foi vista como uma rainha ou miss universo. Estamos chegando longe, mulheres pretas!

Tenho certeza de que a nossa querida Carolina de Jesus estaria com lágrimas nos olhos até agora com este grande feito de Rebeca Andrade. Assim como a nossa amada antropóloga americana Zora Neale Hurston, que sempre lutou para acabar com a segregação do seu povo na Flórida, contando em livro a sua experiência de ser uma mulher negra escritora, roteirista e folclorista.

O mais importante é que a maior medalhista olímpica brasileira é uma mulher preta e que ninguém pode tirar isso dela, representando a mulher negra que foi escravizada, durante anos, tendo que ficar na cozinha ou sendo ama de leite de crianças filhas de mulheres brancas.

A nossa querida Rebeca Andrade é ouro, e este ouro é só o começo do grito da mulher preta contemporânea, que nunca mais vai abaixar a sua cabeça para a branquitude nojenta e horrível que se impregna dentro de uma sociedade mesquinha e opressora. O ouro está no peito de uma mulher preta.

Para finalizar, deixo vocês com os versos do poema “Humanidade” da poeta Carolina Maria de Jesus, que nos diz:

“Depois de conhecer a humanidade / suas perversidades / suas ambições / Eu fui envelhecendo / E perdendo as ilusões / o que predomina é a maldade…”

É triste saber do sofrimento e opressão pelo qual passou a nossa poeta, mas a história se reescreve, amada Carolina, e em pleno século XXI nasce uma menina preta, paulistana de 25 anos, que só envelhece a branquitude. Pois, o seu sorriso no lugar mais alto do pódio foi o de uma criança que vê o mundo pelos olhos de quem sabe enfrentar à dureza da cor da pele, estampada nos pratos de ouro dos senhorios da sociedade brasileira.

Rebeca Andrade, obrigada por você ser tão grande! Espero que a partir de hoje a mulher negra seja vista com outros olhares, pois, tudo podemos, até mesmo ganharmos ouro olímpico num país onde desfilam as mulheres brancas da alta sociedade brasileira. Por que, uma pobre preta de periferia não tem o direito sequer de viajar para ver os seus parentes que moram distante, não temos dinheiro o suficiente para luxos e lazer. Trabalhamos todos os dias para sobrevivermos. E você, treina todos os dias para nos colocar no lugar mais alto.

O Brasil, até agora, ganhou duas medalhas de ouro que vieram da luta e da coragem de duas mulheres pretas. Valeu, REBECA e BIA! Vocês são as pretas mais lindas do Brasil, até que outra história seja escrita.

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