Somos todos viúvos vivos!

Certo dia, em um bar da minha pacata comunidade, falávamos de futebol. Lembro-me quando o Zé Fumaça rebateu o João de França que exaltava o fraco time do Santos, dizendo: “O Santos é viúva de Pelé.” E assim é!

Nós, do Rio Grande do Norte, parece que estamos em viuvez constante. Na pesquisa sobre folclore somos viúvos de Câmara Cascudo e Deífilo Gurgel. No romanceiro popular somos viúvos de D. Militana. No Coco de embolada somos viúvos de Chico Antônio. Na dança de Araruna, somos viúvos de Mestre Cornélio. No boi de reis , somos viúvos de Manoel Marinheiro. No João Redondo, somos viúvos de Chico Daniel. Na política cultural, somos viúvos de Djalma Maranhão. Na poesia rústica somos viúvos de Renato Caldas. E todos os dias renovamos o culto a nossos ícones falecidos. Textos, falas, homenagens “pós mortem”, títulos, memórias… Enfim, sem tempo para os vivos, estamos focados nos mortos.

Eu, sinceramente, acho que isso nos conduz a um certo (equivocado) comodismo quanto a necessidade de enxergarmos os vivos. O trabalho dos que passaram é algo muito importante. É base para todos os outros que podem se erguer depois, é referência. Mas, como disse o ator e teatrólogo potiguar, José Rodrigues , o folclore é dinâmico, é “camaleônico”, ele precisa de novos pesquisadores, de novas interpretações e de análises que possam o situar na nova dinâmica do mundo. Precisa de análises que o coloquem diante do multiculturalismo predominante na contemporaneidade.

Quem está escrevendo hoje?

Nilo Emerenciano? Gutemberg Costa? Marcos Teixeira? Marcos Vinicius? Severino Vicente?

Ou será Diógenes da Cunha lima? Aluísio de Azevedo Júnior? Iaperi Araújo? Tarcísio Gurgel?

Quantos anos ainda teremos que esperar os vivos morrerem para que possamos enxergá-los? Ninguém certamente será um Cascudo, um Deífilo, ou uma Militana. Eles também não seriam um de nós! Cada um é único e tem suas potencialidades, características, disposição! A imortalidade de cada um reside nas suas diferenças.

Vamos erguer sempre um culto de gratidão e reconhecimento a cada um que se encantou e deixou um legado. Mas, sem esquecer que alguns deles viveram no ostracismo e tiveram que morrer para nascer na vista do mundo civilizado.

O que fazer para não repetirmos os mesmos erros com os atuais mortos que estão vivos?

*Marcos Teixeira é professor, sociólogo, advogado e jornalista. É poeta, repentista, cordelista e escritor potiguar. Membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore.

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