Grito ecoa há 59 anos clamando por justiça, repostas e políticas de reparação: “Familiares de mortos e desaparecidos políticos, presentes!” (Foto: Clarice Castro – Ascom/MDHC)
Decreto presidencial restituindo a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos será assinado nos próximos dias
Na Semana do Nunca Mais, que promove agendas pela memória, verdade e justiça, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) realizou nesta terça-feira (28/3) uma audiência com mais de 150 familiares de mortos e desaparecidos políticos. Vítimas da ditadura militar (1964-1985) que assombrou o Brasil por mais de duas décadas, marcando a história do país com cicatrizes profundas”. Na ocasião, o ministro Silvio Almeida destacou a importância das políticas de reparação a vítimas e familiares. “É dever do Estado continuar procurando pelos desaparecidos. Não estamos lidando com o passado, não queremos prestar contas ao passado: estamos prestando contas ao futuro do país. Estamos estabelecendo uma forma de garantir a justiça e a memória”, afirmou Almeida.
O ministro Silvio Almeida repudiou o ato do ex-presidente Jair Bolsonaro, que extinguiu a CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos) no penúltimo dia de seu mandato, em 30 de dezembro. “A Comissão de mortos e desaparecidos não é resultado apenas da vontade de um governante, mas sim de uma política de Estado do Brasil amparada pela lei e tratados internacionais”, declarou.
Segundo o ministro, o MDHC já encaminhou a solicitação de reinstalação da Comissão, que deverá ser reativada por decreto presidencial. “Estamos aguardando a decisão do presidente da República para retomar o funcionamento”, disse.
A CCV (Comissão Camponesa da Verdade), criada em 2012 por organizações não governamentais, como a Contag, a CPT, o MBA e o MST, também solicitou uma audiência com o MDHC para tratar sobre “o reconhecimento dos direitos à Justiça de Transição das comunidades camponesas”. A exemplo da revisão da lei que criou a CEMDP (nº 9.140/95) a fim de “reabrir o prazo para requerimentos dos familiares de mortos e desaparecidos, inclusive camponeses e indígenas”.
Segundo Gilney Viana, ex-preso político na ditadura, ex-deputado federal pelo PT de Mato Grosso e membro da CCV, um especialista no tema da violência da ditadura contra os camponeses, disse à Pública que “o diagnóstico hoje é que houve quase que uma exclusão dos camponeses e indígenas” na Justiça de Transição até aqui. De acordo com a reportagem, ele menciona que, desde 1995, a CEMDP não recepcionou nenhum caso de indígena e dos 50 casos de camponeses, 27 foram deferidos e 23, indeferidos. Na Comissão de Anistia, apenas 15 casos de indígenas foram deferidos, em um total geral de 78.887 protocolos até outubro de 2020. A CCV aponta que esse “é o retrato da exclusão total dos indígenas e quase total dos camponeses da Justiça de Transição nos processos administrativos”.
Em artigo publicado na revista “Xapuri Socioambiental”, Viana escreveu que, por um lado, a Comissão Nacional da Verdade teve “o mérito de provar que as prisões ilegais, torturas, estupros, assassinatos de opositores políticos e ativistas sociais, e ainda ocultação de cadáveres, foram responsabilidade do Estado e não de agentes isolados do sistema repressivo”. Por outro, “ao não reconhecer nenhum, literalmente nenhum indígena, como morto e ou desaparecido forçado, quando tinha conhecimento de que pelo menos 8.350 casos de assassinatos de indígenas com participação e responsabilidade do Estado, no período estudado, reproduziu a lógica da exclusão da exclusão: exclusão histórica dos direitos da cidadania e exclusão dos direitos à memória, verdade, justiça e não repetição”.
Para o ex-preso político e membro da CCV Gilney Viana (à dir), o Estado falha em reconhecer o direito à Justiça de Transição de camponeses e indígenas mortos e desaparecidos na ditadura. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Para o ex-preso político e membro da CCV Gilney Viana (à dir), o Estado falha em reconhecer o direito à Justiça de Transição de camponeses e indígenas mortos e desaparecidos na ditadura
“Ao reconhecer apenas 41 camponeses mortos e desaparecidos”, continuou Viana, “quando tinha em mãos uma relação de 1.196 camponeses mortos e desaparecidos (incluindo 14 advogados e 7 religiosos apoiadores das causas camponesa e indígena) reproduziu o preconceito de classe, rendeu-se à cultura colonial da casa grande e do latifúndio que não reconhece a resistência camponesa como luta política, como exercício de direito formalmente estabelecido e politicamente conquistado”.
A CEMDP foi Criada em 1995 sob pressão dos familiares e ex-presos políticos no primeiro ano do governo FHC (1995-2002) com o objetivo de “proceder ao reconhecimento das pessoas” mortas e desaparecidas “em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas” de 1961 a 1979. Em 2002, a data final foi estendida para 1988). Entre outras tarefas da comissão estavam “envidar esforços para a localização dos corpos de pessoas desaparecidas” e “emitir parecer sobre os requerimentos relativos a indenização que venham a ser formulados” pelas famílias abarcadas pela lei.
Ainda de acordo com a agência de jornalismo Pública, a comissão ficou, ao longo do governo Bolsonaro, vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob comando da pastora evangélica, bolsonarista e hoje senadora Damares Alves. Na maior parte do tempo foi presidida por um assessor de Damares, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, até então um completo desconhecido no tema da ditadura militar e que já disse que o golpe militar de 1964 evitou “uma ditadura comunista” no Brasil. O governo Bolsonaro trocou quatro, dos sete membros, e assim garantiu a maioria no colegiado.
Agora, no governo Lula, a comissão deverá ficar no MDHC junto com a Comissão de Anistia. “Mas a demora para o preenchimento dos cargos e para o retorno das atividades da Comissão tem gerado dúvidas entre os familiares”, afirma a Pública. Acrescentando que Na página oficial do “quem é quem” do ministério, atualizada no último dia 22 de março, a única referência à CEMDP é um cargo, vago, de coordenação-geral de Memória e Verdade e de apoio à CEMDP. Essa indefinição contrasta com a situação da Comissão de Anistia, cujos novos membros foram anunciados ainda no dia 17 de janeiro.
O Selo “Nunca Mais”, lançado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, anunciou uma série de ações, entre os dias 24 de março e 2 de abril, pela recuperação da memória, verdade e justiça contra períodos ditatoriais do Brasil. A programação envolve o lançamento do selo em alusão à Semana do Nunca Mais.
Nesta quarta-feira dia 29, anistiados políticos participam de uma segunda audiência e na quinta dia 30 a Comissão de Anistia realizará a primeira sessão do colegiado após anos de descaracterização do uso da Comissão de Estado que luta pela reparação histórica de perseguidos pela Ditadura Militar. “Quem foi vítima de perseguição por meio do Estado, sobretudo, anseia por ouvir de quem o violou em seus direitos humanos uma declaração de reconhecimento do erro. Acima de tudo, a reparação simbólica pela reparação do Estado brasileiro diante dos abusos autoritaristas é insubstituível”, declara a professora e presidenta da Comissão, Eneá de Stutz e Almeida,
Confira toda agenda da Semana do Nunca Mais
Ato na ponte Honestino Guimarães
Data: 27/03, segunda-feira
Horário: 11h30
Local: Setor de Clubes Sul, em Brasília (DF)
Audiência com familiares de pessoas mortas e desaparecidas
Data: 28/03, terça-feira
Horário: das 10h às 12h
Local: Auditório do Bloco A da Esplanada dos Ministérios
Audiência com Anistiados Políticos
Data: 29/03, quarta-feira
Horário: das 10h às 12h
Local: Auditório do Bloco A da Esplanada dos Ministérios
1ª Sessão da Comissão de Anistia em 2023
Data: 30/03, quinta-feira
Horário: das 9h às 13h
Local: Auditório do Bloco A da Esplanada dos Ministérios
Nós utilizamos cookies para garantir que você tenha a melhor experiência em nosso site. Se você continua a usar este site, assumimos que você está satisfeito.Ok