Poeta ou Poetisa? Paetê!

 

 

por KALINA PAIVA // escritora, professora, pesquisadora
Ilustração: Kalina Paiva

A poeta Eveline Sin escreveu em seus versos: “Esqueça poetisa / feminino de poeta é paetê”. Os versos da potiguar foram inspirados em uma fala de Orides Fontela, biógrafa e poeta paulista, que revelou como gostaria de ser chamada a respeito do seu ofício. As duas formas deixam muita gente confusa a respeito de qual delas é a correta.

Antes de Orides Fontela e da própria discussão sobre o termo, promovida pelos estudos de gênero, Cecília Meireles já havia feito uso “unissex” da palavra no poema Motivo: “Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta.” Uma geração pós-Cecília abraçou a ideia. A título de exemplo, cito a portuguesa Sophia de Mello que reivindicou o termo abertamente.
Derivado do grego poietes, o vocábulo, poeta, existe em português – por sua vez, já decorrente do latim – desde o século XIV. Nasceu como substantivo masculino e, assim, manteve-se através dos séculos. Seguindo a norma padrão da Língua Portuguesa, a partir do acréscimo do sufixo -isa, formador de femininos, em 1653, criou-se o termo poetisa. Os lexicógrafos registram palavras que seguem essa mesma regra: profetisa, pitonisa, diaconisa, sacerdotisa.
É bom lembrar que, na Europa, o analfabetismo era enorme e as mulheres só passaram a ter acesso à escolarização formal a partir do século XIX, devido à necessidade de mão de obra fabril – ainda assim, uma educação com restrições no currículo, já que a finalidade dos patrões e da Igreja era formar operadoras de máquinas e ajudantes na liturgia, não seres pensantes. No Brasil, as mulheres só conquistaram esse direito à educação básica em 1772 – equivalente ao ensino fundamental; em 1827, conquistaram o direito de prosseguir para o nível seguinte – atualmente, ensino médio. Só a partir de 1879, tiveram acesso à faculdade as solteiras com as devidas licenças dos seus pais; as casadas, com as licenças dos maridos.
Não dá para existir poetisa ou poeta sem uma formação prévia. Como a educação de qualidade ainda era privilégio das famílias com um alto poder aquisitivo, quando permitiam a ida das moças para as escolas, a realidade nos mostra, em dados, o reduzidíssimo número de autoras. Vou nem mencionar aqui as que foram proibidas de publicar pelos maridos ou editores; as que tiveram trechos ou palavras dos seus originais alterados pelos editores.
Com os estudos de gênero e intensificação do movimento feminista, o termo poetisa passou a ser contestado. O motivo estaria no significado pejorativo atribuído a ele, semanticamente denotando diminuição, inferiorização da literatura produzida pelas mulheres que, durante muito tempo, permaneceram à margem do mercado editorial.
Embora o uso do vocábulo “poeta” seja quase um consenso entre as vozes da poesia feminina atualmente, a tradição do nome poetisa continua forte nos dicionários, ainda conseguindo escritoras adeptas a essa forma de referenciar a atividade escrita artística. Em uma breve pesquisa, somente o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), atualizado pela Academia Brasileira de Letras, registra poeta como um substantivo comum de dois gêneros. Os demais, Michaelis, Houaiss, etc., até agora mantêm a binariedade poeta (masculino) / poetisa (feminino). Em resumo, ambas as formas estão CORRETAS.
Se vocês, leitores, depararem-se com uma mulher cis ou trans que atua nesse campo artístico, por uma questão de bom senso, é melhor perguntar à escritora de poesia como ela prefere ser chamada. Quanto a mim, junto-me à Eveline Sin. Poeta ou poetisa? Paetê!
Kalina Paiva
Natal-RN, 30/04/2023
14h 51min.
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Natural de Natal-RN, Kalina Alessandra Rodrigues de Paiva é autora de Gatilhos Poéticos (2022) e Cantigas de amor e guerra (2023). Membro da União Brasileira dos Escritores (UBE), da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN (SPVA), do Mulherio das Letras Nísia Floresta, e da Associação Literária e Artística de Mulheres Potiguares (ALAMP); Coordenadora de Letras e Literatura do Movimenta Mulheres RN. É pesquisadora na área de Literatura e professora do IFRN. É autora de poesia e contos.
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