Pinacoteca potiguar: Restauração alerta sobre o respeito com patrimônio cultural.

Pinacoteca do Estado. Foto: Elisa Elsie

O Palácio Potengi, atualmente ocupado pela Pinacoteca do Estado do Rio Grande do Norte, foi inaugurado em 17 de março de 1873. São 150 anos de uma historia reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), através do tombamento do prédio de arquitetura neoclássica [século XIX]. O local já foi sede da Assembleia Legislativa, da Tesouraria Provincial e do Governo do Estado.

O prédio histórico localizado na Cidade Alta, capital potiguar, foi restaurado e reaberto ao público em dezembro de 2021. Atualmente, reúne a maior parte do acervo de Artes Visuais pertencentes ao Governo do Estado. São obras de artistas locais, nacionais e estrangeiros.
Em meio à missão de lançar e mostrar a diversidade cultural [através dos saberes de artistas e da arte], o famoso espaço conhecido também como “Palácio da Cultura” tem apresentado fraturas na sua arquitetura neoclássica. Uma herança imperial que teve sua magnífica calçada datada do século XIX coberta de cimento por ordem oficial. Daí, essa reportagem busca dialogar com espaços de história e memória a partir do lugar da fala.
O vídeo denúncia publicado pela artista e estudante de pedagogia cultural, Catarina Santos, que mostra a calçada da Pinacoteca coberta com cimento, chamou a atenção para o necessário respeito à preservação do patrimônio cultural. “A questão do patrimônio histórico e cultural de uma cidade é a digital de um povo, a digital da memória da construção de uma sociedade numa determinada época”, afirma o historiador e professor Luciano Capistrano. “É nesse sentido que nos preocupamos com a descaracterização de determinados monumentos. Muitas vezes o patrimônio sofre com as intervenções”. Ele explica que na falta do material original deve-se buscar o mais próximo da sua originalidade. “É isso que manda a cartilha básica de restauro, é considerar o máximo de preservação das características originais, como o piso, o azulejo, a cerâmica”.
O pesquisador e ativista da educação patrimonial chama a atenção para que o Iphan, a Fundação José Augusto, a Secretaria Municipal de Cultura, a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo, órgãos responsáveis pela preservação do Patrimônio Cultural da cidade, tenham um diálogo mais profundo com a sociedade e especialistas, como arquitetos, historiadores, geólogos, sociólogos, geógrafos.
Luciano lembra que o Palácio Potengi, hoje ocupado pela Pinacoteca, é uma das construções mais imponentes da nossa cidade que traz a marca do estilo neoclássico. “Nos causa estranheza no restauro da edificação a calçada que tinha a característica específica de uma época, ela seja substituída por um piso de cimento, cinza, sem vida. Não podemos esquecer que existe uma linha de preservação que precisa continuar, principalmente quando estamos diante de bens que são tombados como Patrimônio Histórico Nacional”.
Em sua tese “Sobre o conceito da história” (1940), Walter Benjamin declara que “o passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido”. Daí, lutar contra o apagamento da memória e sua arquitetura do passado é preservar preciosidades da história da humanidade no intuito de evitar perdas trágicas, como o Museu Nacional que foi destruído pelo fogo por falta de manutenção e preservação do Patrimônio Cultural.
Ao ocupar um prédio histórico, a Pinacoteca acolhe, além do luxuoso acervo de Artes Visuais, um monumento tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que se transformou em espaço que vai do conhecimento à pesquisa. Então, uma reforma inacabada e um restauro sem o cuidadoso olhar da preservação são sinais que desrespeitam e colocam em risco a arte, a história e a memória.
Na opinião da professora de educação física Ana Carla Trigueiro, “os órgãos responsáveis pela manutenção do Patrimônio Cultural demonstram uma falta de cuidado no que diz respeito a especialistas que vejam esses reparos com outros olhos, com sensibilidade e interesse em realmente preservar a originalidade”. Em tom de desabafo, ela afirma que é muita falta de respeito e descaso. “Estou indignada, é de cortar o coração de qualquer cidadão que defende, prestigia e divulga a cultura da sua terra. Para mim é subestimar nosso poder de percepção e relevância”.
A produtora cultural Tatiane Fernandes, do Fórum Potiguar de Cultura, destaca a importância da preservação do patrimônio e aponta alguns problemas no processo de reformas dos equipamentos culturais. “A gente está com o Teatro de Cultura Popular fechado, a gente está com o Teatro Adjunto Dias também fechado, teve uma reforma do Teatro Alberto e a parte da pessoa com deficiência não ficou ainda resolvida. Então, tem uma série de questões entre o projeto das reformas, que são essenciais e importantíssimas, e espaços que surgem, mas que não se pensam na manutenção. A exemplo do Museu da Rampa, que abre outras grandes indagações, do processo de contratação de elaboração do projeto e execução, da exclusão da comunidade”. Ao se referir à reforma da Pinacoteca que cobriu de cimento o piso da calçada originalmente feita de pedras, questiona: “Qual o compromisso que as instituições assumem em relação â manutenção do patrimônio quando se trata de equipamentos culturais?”.
O fotógrafo e educador visual João Oliveira comenta que não existe de fato, nem pela perspectiva da Fundação José Augusto nem pela Funcarte, um diálogo efetivo sobre patrimônio com artistas, produtores, pesquisadores. “Não existe um espaço comum para se refletir como é que os projetos culturais atuam em equipamentos tombados, como é que artistas podem contribuir com o Iphan e com a preservação do patrimônio em projetos e coisas do tipo. Eu entendo que na Pinacoteca não pode colocar um prego na parede para pendurar um quadro, mas pode deixar a calçada daquele jeito.”
Para ele, os equipamentos culturais são formas de manter os prédios históricos em funcionamento, sem descaracterização, e ainda possibilitam o acesso da população à memória da cidade. “A gente pode usar um equipamento histórico para tratar de arte contemporânea e moderna, arte produzida em outros períodos, respeitando o patrimônio”, defende o artista, acrescentando que o forte passou por uma reforma importante, mas não houve sua ativação como equipamento cultural e sim como visitação turística. “A construção é importante, mas há espaços para exposição, tem o histórico festival do forte que poderia ser reativado por uma juventude que está produzindo arte e cultura, como era antigamente, deixar o espaço aberto para uma galera jovem que está atuando na cena contemporânea mostrar o seu trabalho”. Em seguida, critica a utilização de alguns materiais utilizados nos espaços expositivos, a exemplo do MDF, que não resiste à umidade do local.
João Oliveira lamenta que não tem arte educação para a mediação das exposições, dialogar sobre as artes junto à sociedade e fazer um trabalho integrado com as escolas, para que o equipamento cultural, como a Pinacoteca, não sirva somente ao turista, mas também à educação dos jovens. “A gente teria um outro lugar, outra concepção”.
Avalia que a nova gestão tem muitos desafios pela frente. “É necessário que o Iphan junto com a Fundação José Augusto, artistas e representações da sociedade civil repensem a estrutura dos equipamentos culturais. No caso da Rampa, houve uma reforma e a construção de um novo prédio, mas até hoje não entendemos como vai funcionar”.
A artista visual Rosane Ferreira aponta que nesse novo momento que se abre com a volta do Ministério da Cultura, é necessário um planejamento participativo com os grupos envolvidos, gestão, classe artística, instituições e setor produtivo do patrimônio e da cultura, para que se retomem os fundamentos e princípios democráticos de Gestão Cultural, fundamentais para geração de trabalho, renda e satisfação coletiva.
Ela lembra que fez parte de uma comissão eleita pelo setorial de artes visuais para acompanhar a reforma da Pinacoteca, mas nunca houve nenhuma reunião. “A gente nunca viu o projeto, a comissão não participou. O poder público precisa fazer o seu dever, e chamar para a mesa”. Em outra ocasião, tentou buscar informação junto ao Iphan, mas não conseguiu resposta. “Eu sempre estou buscando esse lugar do visível,  buscando participação”, afirma Rosane.
Lembrando que a Pinacoteca Potiguar é fruto das reivindicações de artistas por um espaço para expor seus trabalhos. Sua restauração foi iniciada em 2018 e o equipamento cultural foi reinaugurado em dezembro de 2021. Os investimentos do Governo somaram R$ 8,1 milhões em obras e equipamentos, executados pelo projeto Governo Cidadão, em parceria com a Secretaria Estadual de Turismo e recursos do Banco Mundial. 

 

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