Olimpíadas 2024: E o primeiro ouro brasileiro é de uma mulher preta

No judô a melhor
Lutou com coragem
Aplicou golpes belos
Bia trouxe o ouro
Fez o Brasil esquecer
A fome e a pobreza
Por alguns minutos
Nas Olimpíadas de Paris
Nosso judô bem se quis

As olimpíadas são sempre as oportunidades que os atletas têm para demonstrarem seus talentos e se declararem deuses de uma categoria esportiva, ultrapassando seus próprios limites e vencendo barreiras as mais diversas.

Não é à toa que o nosso esporte brasileiro tão desvalorizado e com tão poucos recursos quase não traz para casa medalhas de ouro das olimpíadas. Somos um país da corrupção, da fome e das desigualdades sociais, mas também somos um povo cheio de esperança e amor nos corações. Somos uma gente que acolhe e respeita quem aqui chega, apesar de não respeitarmos os nossos povos tradicionais.

Ademais, fiquei feliz ontem com o ouro olímpico que veio dos tatames parisienses com um dos golpes mais bonitos do judô, o waza-ari, conquistado pela judoca Beatriz Souza. Como sou judoca e amo este esporte, para mim foi uma felicidade maior ainda poder ver o Hino Nacional brasileiro ser tocado pela primeira vez para uma atleta que quebra todas as regras e protocolos de estereótipos mundiais, e ouvir o hino do seu país ser cantado em homenagem ao seu feito histórico.

A atleta Beatriz Souza seria uma grande campeã apenas por trazer uma medalha de ouro para o Brasil nas Olimpíadas de Paris 2024, mas ela tem um detalhe que talvez os desavisados, e que oprimem todos os dias as pessoas menos favorecidas, não tenham percebido ou não tenham mesmo gostado: Beatriz é uma mulher preta!

E o povo preto no Brasil ainda sofre racismo, ainda é morto todos os dias pelos nossos policiais militares nas favelas do Rio de Janeiro e em outros grandes centros urbanos, sempre confundidos com bandidos e traficantes. Este é um povo que luta todos os dias pela sua dignidade, pelo seu lugar no mundo, pelo reconhecimento de sua cor e de seus direitos.

A atleta Beatriz Souza não ganhou apenas um ouro olímpico, mas mostrou ao mundo que uma mulher preta e obesa, pode sim, ser o que ela quiser se lhe derem a oportunidade de estar onde ela merece. Faltam políticas públicas para meninas pretas de periferias e pobres desenvolverem os seus talentos esportivos.

Fomos um dos últimos países das Américas a libertar os nossos escravos. E mesmo assim, depois de os libertarmos não lhes demos as condições necessárias para que pudessem trabalhar e serem livres de verdade, e há mais de um século continuamos fazendo isso. O povo preto não tem lugar na sociedade elitista e branca do Brasil.

Aonde chega um negro, simplesmente, é logo visto com um olhar de desconfiança. A branquitude ainda é grande na sociedade brasileira, mas quer queiram quer não, muitas dessas pessoas que ontem não comemoraram o nosso ouro olímpico por ter vindo de uma mulher preta vão ter que engolir que elas estão chegando para mostrarem quem são e o que podem fazer dentro e fora do esporte.

Primeiro vieram as cotas sociais nas universidades públicas que deram o direito de muitos pretos chegarem ao ensino universitário e, agora, apesar de pouco investimento e iniciativas públicas, temos visto um pequeno movimento nas periferias de organizações sem fins lucrativos que vão atrás dessas mesmas meninas pretas para lhes darem uma oportunidade.

Alguém lá fora já percebeu que as mulheres pretas brasileiras não sabem apenas sambar, mas são médicas, juízas, professoras, advogadas e, agora, atletas medalhistas olímpicas. Estamos mostrando a força da mulher preta brasileira de pouquinho em pouquinho, mas um dia chegaremos lá com ajuda nacional ou internacional. As modelos brasileiras pretas já começam a se destacarem nas passarelas de Paris. E foi em Paris onde o nosso sonho olímpico do lugar mais alto no pódio foi escrito por uma mulher negra!

Viver num país como o Brasil, onde o racismo ainda é grande, é um desafio. É todos os dias ter que fazer a travessia de uma ponte sem saber o que nos espera lá na frente. Contudo, a mulher preta não é mais vista como a Tia Anastácia criada pelo escritor racista Monteiro Lobato, mas agora ela chega e cumpre o seu papel nas instâncias mais altas da sociedade, apesar de ainda sofrerem todas as opressões agressivas e inimagináveis. Não vão nos parar mais, quebramos as correntes! Agora, sabemos que podemos chegar ao mais alto lugar do pódio: o ouro é de uma mulher preta e chorem os brancos indignados.

E para nos emocionar mais ainda, Beatriz dedicou a sua medalha de ouro para a sua avozinha que morreu recentemente. Uma avozinha que talvez tenha sentido na pele a opressão e o ódio de um povo que se acha no direito de somente eleger os melhores resultados e cargos públicos para eles. Beatriz só fez o que muitos de nós não tivemos coragem de fazer: foi lá e trouxe de volta para o Brasil o ouro que os nossos colonizadores levaram embora nos tempos em que o povo preto vinha em navios negreiros serem escravizados aqui, como podemos ver tão tristemente no poema de Castro Alves, “O navio negreiro”.

Precisamos destruir a branquitude, o ódio e a violência com os nossos povos pretos, principalmente a mulher preta. Que a história seja reescrita a partir da conquista do ouro olímpico de Beatriz Souza e que ela seja mais uma mulher preta a não abaixar a cabeça para a opressão e o ódio.

Pode doer em você, racista, mas o primeiro ouro brasileiro nas Olimpíadas 2024 brilha no peito de uma mulher negra. É isso, é o Brasil mostrando que apesar das desigualdades sociais, e de um preto ser morto a cada 12 minutos, este ódio foi reescrito no pódio olímpico de uma sexta-feira que inicia um mês tradicionalmente famoso por ser de desgostos, mas que só trouxe o gostinho do povo preto mostrar que tudo pode, inclusive, subir mais alto no pódio olímpico e ver o Hino Nacional ser cantado para o mundo inteiro aplaudir de pé. E viva a mulher negra brasileira!

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