
O folclore está posto como elemento da cultura popular, mas, a cultura popular não está necessariamente para o folclore… É através da cultura popular que se ergue o folclore e se consolida pela tradição e pela permanência.
É necessária a transferência de saberes através do tempo, de uma à outra geração, a manutenção de valores e rituais, a consolidação de uma tradição, feita por determinado povo, grupo ou família para que um auto, um costume, uma receita, uma cantiga, uma dança etc… sejam caracterizadas como folclóricas.
Esses saberes devem ser imunes à novas práticas. Havendo metamorfoses constantes ocorre descaracterização e com esta, a quebra de um elo que consome a essência do conceito.
Para Luis da Câmara Cascudo, “o folclore é uma manifestação (expressão) da cultura popular”, assim tem, dentro da cultura popular, um espaço seu. Esse espaço é o da tradição.
Para Mário de Andrade, “o folclore é o conjunto de tradições e costumes que compõem a formação do povo brasileiro”. O autor considerava o folclore como uma expressão da identidade cultural e social do país.
Dá-se a entender que identidade precisa de preservação. Se a dinâmica de sociedade, que muda em ritmo cada vez mais acelerado, for absorvida pelos costumes tradicionais, estes deixam de existir como tradição e perdem-se enquanto identidade. Afinal, identidade não se deve mudar.
O antropólogo Clifford Geertz considerava a cultura como uma “teia de significados” que orienta a existência humana. A orientação pressupõe manutenção de um padrão orientador. Dentro desse aspecto, a orientação que se transporta através do tempo, torna-se folclore.
Para Claude Levi Strauss, quando tratava dos mitos, por exemplo, “os mitos não estão ligados a uma sequência de acontecimentos, mas a um grupo de acontecimentos”.
Então observe: é um grupo de conhecimento e não uma sequência. Não há nesse contexto espaço para absorção de metamorfoses (sequência).
A cada dia, novas manifestações culturais surgem na sociedade. Algumas são passageiras, enquanto outras permanecem por um tempo no cotidiano de um povo em constante transformação que, por consequência, modifica a construção do seu próprio saber. Apesar dessa metamorfose contínua, adaptada às realidades sociais em que está inserida, a cultura popular possui uma essência que se perpetua entre as gerações. A essas manifestações mais puras dá-se o nome de folclore, caracterizado principalmente pela tradição, que garante a passagem dos costumes primeiros para a preservação da memória e identidade de um povo (José de Paiva Rebouças, Hellen Almeida e Marina Gadelha de Agecom/UFRN)…
No boi de reis de Cuité, em Pedro Velho [RN], considerado por estudiosos o mais autêntico do Brasil, não é permitida a inserção de mulheres no grupo. O número de participantes é definido conforme uma tradição. Isso não significa que ali, haja machismo, exclusão da figura feminina por maldade ou misoginia, mas, uma tradição que reflete uma situação de épocas remotas. Uma referência às origens, guardando algo que aos olhos da atualidade é inadmissível, porém, retrata uma situação de épocas passadas, guardada como referência de aprendizado. Abre uma margem considerável para reflexões.
Entende-se que o folclore não está aberto totalmente a novas tendências, influências corriqueiras, modismos frequentes…Caso se abra para tal, perde essência, originalidade e quebra o ciclo da tradição que necessariamente o caracteriza.
Não dá pra ter um saci Pererê com uma prótese de perna somente por que a prótese é algo possível hoje.
Na cultura popular sim. No folclore não. Cultura popular não é folclore. Folclore é cultura popular.
*Marcos Teixeira – Poeta repentista, escritor, cordelista, sociólogo, advogado, jornalista, professor e folclorista. Membro da Comissão Norte-Riograndense de folclore e da Academia Norte-Riograndense de Literatura de Cordel.