No último 2 de outubro o país escolheu um representante de cada um dos 26 estados e do Distrito Federal para o Senado. Apenas 4 mulheres foram eleitas. Segue o percentual de 14,8% da bancada feminina. “Houve avanço… Ainda assim, a representação de gênero e raça segue bem abaixo da proporção real de nossa população”, afirma o Instituto Vamos Juntas. “Mulheres são 18% da Câmara, mas 53% da população. Negras e negros são 26% da Câmara, mas 56% da população”.
ROLEZINHO HISTÓRICO
Em 3 de maio de 1933, na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, a mulher brasileira votou e foi votada pela primeira vez em âmbito nacional. Uma conquista da luta iniciada em meados do Século XIX e que durou mais de 100 anos. “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código”, diz o artigo 2º do Código Eleitoral de 1932 assinado pelo presidente Getúlio Vargas. Antes, a Lei Eleitoral do Estado de 1927 já determinava em seu artigo 17: “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”. Assim, mulheres das cidades de Natal, Mossoró, Acari e Apodi alistaram-se como eleitoras em 1928, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além das primeiras eleitoras, o Rio Grande do Norte também elegeu a primeira prefeita do Brasil, Alzira Soriano (1929) na cidade de Lages.
Documento com mais de 2 mil assinaturas enviado ao Senado em 1927 pela feminista Bertha Lutz cita o pioneirismo do Rio Grande do Norte e pede a liberação do voto feminino em todo o Brasil (imagem: Arquivo do Senado)
De acordo com Ane Cajado, historiadora do TSE, a Constituição Republicana de 1891 não proibia o voto feminino, pois considerava como eleitores os cidadãos brasileiros maiores de 21 anos. “A interpretação que se fazia era de considerar cidadão brasileiro apenas o homem”, explica. Ela aponta que a eleição da primeira deputada no Brasil, Carlota Pereira, “sem dúvida foi um marco da história da emancipação da mulher”.
Segundo o jornalista Ricado Westin, o Arquivo do Senado revela que os homens retardaram ao máximo a inclusão das mulheres na vida política. “Para conservar as mulheres afastadas das urnas e do poder, os senadores e deputados adversários do voto feminino recorreram a argumentos preconceituosos e depreciativos. Segundo esse grupo da Constituinte, elas precisavam continuar restritas às quatro paredes do lar porque, caso os homens perdessem o domínio sobre elas, o país sofreria uma convulsão social.”
Mulher vota nas eleições presidenciais de 1955 no Rio de Janeiro (Foto: Arquivo Nacional)
A PARTIR DA CONQUISTA DO VOTO, a participação feminina nas eleições só fez crescer. Hoje, as mulheres ocupam todos os cargos eletivos, incluindo presidente da República. Nas últimas eleições, o Brasil elegeu número recorde de mulheres, negras e negros para a Câmara dos Deputados. Serão 91 deputadas federais e 135 parlamentares de ambos os sexos que se autodeclaram pretos e pardos, segundo a denominação do IBGE. Além de cinco indígenas, três amarelos (termo do IBGE para quem tem ascendência asiática) e duas deputadas trans.
O ano de 2022 representa um crescimento de 18% em relação às 77 deputadas federais eleitas em 2018, e de 9% referente a bancada de 124 deputados e deputadas de cor preta e parda da eleição passada. São 29 eleitas em 2022, contra 13 em 2018. Em relação ao número de homens negros houve um recuo de 111 para 106 deputados federais.
A Câmara também registrou aumento na quantidade de deputados eleitos que se declaram “amarelos”– e indígenas. Em 2018, apenas a indígena Joênia Wapichana (Rede-RR) tinha sido eleita. Ela não conseguiu a reeleição, mas a Câmara terá cinco outros indígenas com mandato: Célia Xakriabá (PSOL-MG), Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-MG), Silvia Waiãpi (PL-AP), Sônia Guajajara (PSOL-SP).
Os três eleitos amarelos são homens: Kim Kataguiri (União-SP), Luiz Nishimori (PSD-PR) e Pedro Aihara (Patriota-MG). Os dois primeiros da lista foram reeleitos – e, em 2018, eram os únicos autodeclarados amarelos.
Pela primeira vez, a Câmara dos Deputados contará com duas mulheres trans entre os 513 deputados federais: Erika Hilton (PSOL-SP), eleita com 256.903 votos; e Duda Salabert (PDT-MG), eleita com 208.332 votos.
É bom lembrar que entre pretas, trans e indígenas, a lista de eleitas nas últimas eleições inclui, também, Chris Tonietto (PL/RJ), que propôs uma homenagem para a juíza que tentou impedir uma menina de 11 anos de fazer um aborto.
Os resultados das últimas eleições estão longe do ideal. Daí, a luta pela igualdade de gênero e raça precisa avançar cada vez mais em meio ao cenário político ainda muito masculino e branco.
Apesar da forte presença de candidatas, o primeiro turno das eleições de 2022 foi dominado pelos discursos masculinos em meio a 82 milhões de eleitoras. A história se repete nesse segundo turno durante a corrida presidencial entre dois homens: O candidato do PT, Luis Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que nas pesquisas de intenção de voto amarga uma acentuada rejeição feminina, inclusive entre evangélicas.
Pesquisa Datafolha no primeiro turno apresentou Lula com 49% dos votos femininos e Bolsonaro com 29%. Vale lembrar que as mulheres são mais afetadas pela crise econômica, o desemprego, a desigualdade. Sem contar as tantas violências verbais, tipo o grito de “Imbrochável” do presidente Bolsonaro.
DIANTE DE TAMANHA IMPORTÂNCIA das políticas públicas voltadas para as mulheres, na hora H os candidatos se embananam com a pauta feminina. Nesse quesito, o governo Bolsonaro é uma vergonha. Basta lembrar o veto do presidente à distribuição de absorventes para as mulheres pobres. Ele também cortou 99% da verba para ações voltadas para as mulheres no Orçamento de 2023.
Pois é, “a igualdade de gênero não cai do céu”, como bem disse a jornalista Angela Boldrini. Ela completa: “No dia primeiro de fevereiro de 2023, 91 mulheres vão tomar posse como deputadas no Congresso Nacional. Esse é o maior número de deputadas federais da história do Brasil.” Mas acrescenta que é… “decepcionante”. Uma avaliação que ouviu das mulheres que lutam pela igualdade de gênero na política.
“É que se a gente for olhar para o todo da Câmara, as mulheres passaram de 15% para 18% dos deputados. As eleitas não chegam a ser nem um quinto do novo Parlamento. O crescimento da bancada também desacelerou em relação a 2018 — quando as mulheres foram de 51 cadeiras para 77”, aponta a jornalista.
“Representatividade importa, e muito!”
No Rio Grande do Norte a luta pela igualdade de gênero e raça ganha reforço com a deputada estadual eleita, Divaneide Basilio, mulher negra e de periferia. “Lugar de mulher preta é onde ela quiser, inclusive no parlamento e nos espaços de decisão. Vamos ocupar a Assembleia Legislativa com força, coragem e representatividade. Honrar todas as que vieram antes e abrir os caminhos para cada uma que vai chegar. Nossas vozes juntas vão ecoar pelo RN”, afirma Divaneide ao agradecer pela vitória nas urnas.
ESSA REPORTAGEM começou mostrando que a luta para a mulher brasileira conquistar o direito de votar e ser votada durou mais de um século. Até hoje continua a batalha para ocupar espaços na política e no poder.
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