Fetiche Colonial e Crise Cultural se agravam com protesto escrito em letras gigantes no Forte dos Reis Magos

 

por PRECIAWÁ PORÃNGUETÉ // Terreiro Pindorama

A Secretaria Extraordinária de Cultura do Estado do RN retirou da minuta da lei Paulo Gustavo a participação de indígenas em contexto urbano da cidade do Natal que se autodeclaram indígenas, conforme a resolução 169 da ONU (Organização das Nações Unidas).

Para a Secretaria Extraordinária de Cultura, os dados do IBGE ou a escuta de representantes e lideranças só foram possíveis a partir de uma conversa (oitivas LPG) com indígenas do contexto aldeado. Segundo os dados do senso IBGE 2022, Natal é a segunda cidade que mais tem indígenas, cerca de 15,3%, mesmo não estando em terras demarcadas nem em contexto rural. Mas sim através do contexto urbano.
A narrativa criada pelos indígenas em contextos aldeados é que no Rio Grande do Norte não existe indígenas na cidade. Grave erro, pois foi na cidade de Natal que artistas de rua expressaram o protesto em letras gigantes de coloração vermelha na frase “NÃO AO PL 2903. AQUI É TERRA INDÍGENA”. Não se sabe ao certo quem fez tal pichação na madrugada da quinta-feira 7 de setembro.
O Forte dos Reis Magos foi construído em 6 de janeiro de 1598. Esse mesmo Forte em formato estrelar foi uma câmara de tortura que massacrou e matou centenas de nativos e presos da coroa Portuguesa na era do Brasil Colônia.
O Forte dos Reis Magos foi construído em nome de uma invasão por trabalho escravo dos próprios povos nativos, povos Potiguaras que já existiam antes dos invasores invadirem. Era uma prisão, tipo o presídio de alcaçuz. Para o senso acadêmico colonizador, todos os povos indígenas foram exterminados do Brasil e seus descendentes foram mortos ou se misturaram aos europeus em relações sexuais, gerando as misturas das raças. Mas, se verificados os dados econômicos e analisadas as desigualdades sociais em nosso país, de cabo a rabo, quem carrega a herança dos europeus são donos de maior parte das terras e quem concentra maior parte da renda não são os povos originários, nem as periferias, nem os moradores de rua, nem trabalhadores assalariados.
Se analisarmos a Constituição Federal brasileira, o seu artigo 231 se refere aos direitos dos povos indígenas, tendo a terra como um direito originário antes do atual Brasil. Portanto, antes de afirmar que os povos indígenas de Natal foram exterminados, como aponta alguns historiadores, devemos ter muito cuidado para não comparar 1500 com 2023. Muito cuidado ao argumentar contextos históricos atuais como certeza absoluta. Se antes de 1500 já existiam povos nativos em Natal, por que não existe nenhuma menção, estudo educacional, monumentos, artefatos? E por que as tradições religiosas de matriz indígena como atual Catimbó foi criminalizado em parte da história do RN, e até hoje esse nome é demonizado pelo senso comum, tendo que se adequar às tradições afro-brasileiras para sobreviver? Porque a Colonização no RN e em Natal criou uma distorção tão grave da sociedade e da história, que apagou praticamente toda a cultura indígena da cidade?
Ginga com Tapioca veio de Portugal? O nome Potiguar é de origem latim? Não. Portanto, onde está a disciplina culturas indígenas nas escolas? Onde está as políticas culturais dos descendentes autodeclarados de nações reduzidas a favelas e periferias da cidade, sem conhecimento sobre sua história, raça, cor, língua, etnia e muito mais?
A crise cultural que vivemos, as políticas de apagamento contínuas preservadas pela sociedade potiguar, apropriadas por outras versões, como a palavra potiguar que vem sendo cada vez mais usada como nome da moda. Quando grupos, organizações são excluídas e excluídos eles se posicionam de forma afirmativa, o direito à terra não pode ser definido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), porque é inconstitucional diante da natureza originária expressada na própria constituição, que antes do Brasil já existia povos, línguas, culturas que são a base da cultura brasileira.
Portanto, está tudo muito bem amarrado, culturas apagadas, terra indígena não demarcada e enfrentamento a quem se coloca como indígena na cidade de Natal. Mas porque isso? Porque ser indígena remete ao direito originário de terra, remete a direitos e políticas culturais que, para isso existir, precisa de terra, recursos, espaços, terreiros, casas, casarões e até um Forte diferente das fortalezas pelo Brasil afora, que são centros de comercialização de artesanato e pontos turísticos, onde apresentam-se artistas e grupos culturais. O nosso Forte só recebe escola e turistas.
Independente do que foi escrito, esse texto não apoia depredação do patrimônio público, mas sim a manutenção intensa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o fomento de políticas culturais para os indígenas em contexto urbano. Esse texto não acredita que o ato de pichação se trata de um crime contra o patrimônio brasileiro, mas foi uma mensagem que escancara uma crise cultural e uma crise sobre reforma agrária, a demarcação de terras e direitos políticos culturais.
Portanto, o PL 2903/2023 que transforma o Marco Temporal em Lei está aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado desde 23 de agosto de 2023. A votação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre essa pauta do Marco Temporal será retomado na próxima semana. A sua aprovação pode colocar em dúvida diversas terras que não foram homologadas nem demarcadas, inclusive no RN, que não tem nenhuma demarcação.
Dois erros graves: primeiro, o próprio Governo do Estado do RN acata os absurdos de negação do direito a auto declaração nas políticas públicas da Lei Paulo Gustavo, narrativa construída a partir de diálogos desgastantes entre os próprios indígenas em conflito. De outra forma, quanto ao direito à terra, como não existe demarcação todas as comunidades indígenas do RN podem ter suas terras contestadas, quem sabe se tornar indígenas em contexto urbano ou rural.
O fato é que as relações sobre os direitos dos povos indígenas, mesmo com os avanços do atual governo em criar um ministério inédito dos Povos Indígenas, os riscos que o desenvolvimento do capital financeiro trás com aprovação do Marco Temporal vai além dos retrocessos materiais, físicos, sobre a terra. Toda uma cadeia cultural integrada com a preservação da natureza está em risco. Com os processos de desenvolvimento fica mais fácil manipular populações através das velhas estratégias religiosas, financeiras e culturais, acarretando em um Brasil com indígenas colonizados e desmemoriados, integrados ao sistema capitalista como escravos modernos das indústrias nas capitais.
Portanto, se expressem contra o Marco Temporal! Pois é um crime inconstitucional que vai contra os acordos já sancionados das Organizações das Nações Unidas.

PRECIAWÁ PORÃNGUETÉ, Multi artista, sacerdote da Jurema Sagrada, Sángòbiilayê, Terreiro Pindorama
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