
Foi notícia essa semana. Um homem comprou em um sebo em Le Man, na França, um Modigliani autêntico por um preço irrisório. Isso aconteceu há quinze anos e só recentemente a obra foi autenticada. Essas coisas ainda serão possíveis nos dias de hoje, em que os sebistas passaram a ser entendidos no seu ofício?
Cazuza foi, ao menos que eu saiba, o primeiro sebista da cidade. Funcionava ali por trás do antigo mercado público da cidade alta, sim, aquele que foi destruído pelas chamas de um incêndio. Hoje em seu lugar está uma instituição bancária.
O sebo de Cazuza constava de uma banca dessas de feira, longe da estrutura dos sebos atuais. Ele não tinha noção do valor real dos livros que vendia ou comprava. Assim, era necessário um trabalho de garimpar, em meio àquilo tudo, coisas boas. Dessa forma tenho até hoje uma edição de A Velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueira, capa dura com relevo, e ilustrado pelo próprio poeta. Minha edição de Os Sertões também é algo rara, também em capa dura revestida de tecido.
Depois de Cazuza apenas fui descobrir um bom sebista quando conheci Jácio Torres meio que por acaso. Seu sebo era em uma banca de revistas ali em frente ao hoje Banco do Brasil do Alecrim. Bom papo, paciência, simpatia e herdeiro de Cazuza na “organização” dos livros. Virei amigo e freguês. E passei a segui-lo, não nas redes sociais que ainda não havia esse moído, mas nas suas sucessivas mudanças de endereço. Jácio e o seu Cata Livros esteve ali ao lado do Instituto Histórico, na rua da Conceição, depois na praça Padre João Maria e, finalmente, na avenida Prudente de Morais.
Verinha Sorriso, sua companheira, também estabeleceu seu próprio sebo, primeiro em Morro Branco e, hoje, no mercado de Petrópolis. Nesse trajeto enfrentaram um incêndio que destruiu parte do seu acervo. O filho de ambos, Ramón, seguiu o caminho aberto pelos pais e montou seu sebo no Alecrim, ali na Avenida 6.
O casal criou sua rede de amigos. Os sebos eram parada obrigatória nas nossas andanças pelo centro da cidade, o local onde encontrávamos a turma, conversávamos sobre novidades, livros, autores locais, lançamentos, e sabíamos também por onde andavam os colegas sumidos.
Nesta quarta-feira (04/2) fico sabendo, logo cedo, através de Gutenberg Costa, da desencarnação de Jácio. Uma baita paulada emocional. Jácio era uma dessas figuras que se tornam parte da paisagem da cidade. Querido por todos, agitando a nossa vida cultural, sempre discreto e trabalhando em silêncio como fogo de monturo. Uma referência, com certeza. Projetei sua casa ali em Morro Branco anos atrás. Uma amizade que me fez melhor, sem dúvida. Sempre vou associar sebos, seja onde eu estiver, ao amigo – seria possível não fazer essa ligação?
Um abraço, companheiro. Leve nosso carinho e saudade. Onde quer que você esteja vai estar cercado de livros, certamente. E de amigos. Separe alguma coisa para mim. E nos aguarde.