Em uma Natal sem mobilidade urbana, aplicativos de mensagem são a única saída para os (as) usuários (as) do transporte público 

Estudantes e trabalhadores (as), sobretudo da zona norte, formaram uma rede de apoio virtual para se atualizar sobre seus trajetos e linhas de ônibus. 

 

por FRANCISCA PIRES/jornalista 

 

“Como está a ponte?”, “Cadê o 79?”, “Cadê o 04?” são alguns dos nomes dados a grupos de Whatsapp, criados nas últimas semanas, para auxiliar na articulação dos moradores e moradoras do município de Natal, principalmente da zona norte. A iniciativa surge graças às, já tão conhecidas, dificuldades enfrentadas diariamente, como: grandes engarrafamentos, superlotação dos ônibus, poucas viagens, veículos antigos, falta de circulação em finais de semana e feriados, retirada de linhas, alto preço da passagem e mudanças inesperadas de itinerários. 
Outra pedra no sapato do (a) natalense, sem dúvidas, tem sido a nova etapa de obras na Avenida Felizardo Moura, iniciada em março deste ano. Todos os dias, quem precisa cruzar diariamente o trecho para trabalhar ou estudar, precisa lidar com transtornos sem precedentes causados por um engarrafamento quilométrico. Nesse sentido o “Como está a ponte?” foi criado pela operadora de telemarketing, Nayane Reis de 25 anos, no último dia 3 de maio. O grupo tem como objetivo registrar, a cada momento do dia, como está o trânsito em ambas as pontes, Newton Navarro e Ponte Presidente Costa e Silva (Igapó). A adesão ao grupo de mensagens foi tanta que demandou a criação de um segundo grupo, intitulado  “Como está a ponte? 2.0”.
Nayane conta que a ideia do grupo surgiu quando ela começou a trabalhar em uma empresa de telemarketing, localizada em Parnamirim, cidade vizinha a Natal. “Eu nunca tinha precisado cruzar tanto a ponte, pois meus outros dois empregos eram na zona norte. Dei o azar de arrumar um emprego em Parnamirim logo quando o prefeito decidiu fazer essa bendita obra”, relata. Nesse sentido, diante da sua própria necessidade, Nayane pensou que seria útil existir um grupo de Whatsapp para que a população pudesse se informar quando a ponte estivesse engarrafada e assim ser possível pensar em outra alternativa de trajeto ou pelo menos já ir preparado para o transtorno. 
Mesmo com a ideia na cabeça, Nayane não levou para frente no primeiro momento, julgando que não teria muita adesão.
A jovem utiliza o transporte público desde que se mudou para a Zona Norte e, hoje, a linha que mais utiliza é a do 79. “Até alguns anos atrás era até aceitável, mas nos últimos tempos tem sido horrível. Os ônibus não cumprem os horários das tabelas, estão sempre lotados e eu preciso sair de casa muito mais cedo porque preciso contar com o engarrafamento da ponte”, explica. Dentre as situações extremas que Nayane relata ter presenciado estão: pessoas passando mal dentro do coletivo e um bebê de meses exposto ao sol porque a mãe sentou no lado do ônibus que fica mais quente, durante horas, em um engarrafamento na ponte.
Alguns dias depois, por incentivo de um amigo que fez um tweet falando sobre como seria bom ter algum veículo de comunicação que informasse como estava o fluxo das pontes, Nayane resolveu colocar a ideia em prática e criar o grupo. “Eu postei o link do grupo no twitter, mas achava que só a minha bolha ia entrar. Em menos de 24 horas o grupo tomou uma proporção muito grande e do nada vários natalenses entraram, até chegar num ponto do meu celular começar a travar. O feedback que recebo é só elogios, pelo que percebo parece que o pessoal já havia pensado que seria uma boa saber com antecedência o estado da ponte”, finaliza Nayane. 
A criação do “Como está a ponte?” motivou membros do próprio grupo a criarem subgrupos para informar em qual parte da cidade estão as linhas dos ônibus que costumam usar com frequência. “Eu criei um para saber onde está o 79 e o pessoal logo foi criando grupos de outras linhas. Meu amigo Bruno, que também é administrador do grupo principal, organizou todos os links das linhas de ônibus no fixado do grupo da ponte”, conta Nayane. 
As trocas de mensagem têm sido muito úteis para a vendedora, de 31 anos, Leyla Carla.
A jovem conta que o grupo tem ajudado bastante, principalmente quando informam em que parte da cidade estão os ônibus, porque devido ao caos nas pontes, os horários mudaram completamente. Não só a espera cansativa pelo transporte, mas também o tempo gasto nos engarrafamentos representam pontos delicados para ela que já chegou a presenciar uma adolescente desmaiada esperar atendimento por mais de 40 minutos dentro de um coletivo. Situações como essa, infelizmente, são muito comuns no dia a dia de quem sempre usou transporte público em Natal.

Jandesson Samuel, um estudante de apenas 19 anos, é morador do bairro de Igapó, na zona norte de Natal. Diariamente, ele precisa se locomover utilizando as linhas 77,72,50 ou 04 e seu trajeto cruzando a cidade chega a durar 1h30. Apesar de tantas opções de ônibus, Samuel conta que, por causa dos engarrafamentos gigantes, as frotas ficam presas no tráfego e por isso ele precisou entrar nos grupos de Whatsapp para se manter informado.  “Já cheguei a passar duas horas no engarrafamento, em um ônibus lotado, em pé e com dor de cabeça. E ainda querem aumentar o valor da passagem mesmo com os ônibus entupidos de gente, falta de frota e o ambiente sujo”, desabafa o estudante. 
Mas, não precisa ser morador de Natal para sentir na pele o abandono. Aos 26 anos, a estudante de jornalismo, Gabriela Lima, padece dos problemas de mobilidade urbana toda vez que precisa estar na capital. A comunicadora, que é membro do grupo que informa o fluxo das pontes, conta que, até para ela, é desgastante se locomover em Natal. “Já precisei esperar ônibus por mais de uma hora e, certa vez, quase perdi minha volta para casa”, desabafa Gabriela que reside atualmente na cidade de Mossoró, 245.54 KM de Natal. 
Mobilidade urbana: um problema crônico 
Em junho de 2022, foi instituído o chamado Plano Municipal de Mobilidade Urbana de Natal (PlanMob), responsável, em tese, pela implementação de projetos que melhoram e facilitam a acessibilidade ao transporte público e o escoamento do tráfego para evitar congestionamentos. Quase um ano depois da implementação, as melhorias prometidas ainda não são sentidas pelos (as) usuários (as) que, desde a pandemia de Covid-19, tem sofrido ainda mais com a retirada de várias linhas de ônibus. Inclusive, segundo uma matéria do jornal Saiba Mais, de março deste ano, estima-se que na capital potiguar, das 82 linhas de transporte que já estiveram em circulação, restam apenas 64.  
É importante destacar também que, ainda hoje, a STTU não divulgou o levantamento completo sobre as linhas em circulação ou a quantidade de veículos, e no seu site – os dados mais recentes são de março de 2021.
Em entrevista à Inter TV Cabugi, o prefeito Álvaro Dias (Republicanos) declarou, na última terça-feira (9), que a tarifa do transporte público cobrada em Natal está defasada e deverá passar por um “reajuste importante”, estudado pela Secretaria de Mobilidade Urbana (STTU) com base em um estudo contratado à Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP). O prefeito não deu prazo para o aumento, nem disse de quanto seria o reajuste.
Uma cidade feita para quem é de fora  
Foto: Francisca Pires
Diariamente, Nayanes, Leylas, Gabrielas e Samueis, cruzam a cidade do sol sem sentir que ela os pertence. Por trás do turismo que oferece tudo que é necessário para apaixonar e fidelizar quem é de fora, existe uma população abandonada. Pessoas que são essenciais para construção e manutenção da riqueza do município, mas que precisam acordar duas mais cedo e com disposição para mais uma tentativa de não perder o único ônibus, não se atrasar pelo engarrafamento ou, pelo menos, (se tiver sorte) não desmaiar durante o trajeto.
Leyla Carla, que passa em média 3h do seu dia dentro de um 73 ou de um 60, afirma que falta transparência e qualificação da estrutura dos transportes públicos em Natal. Já Jandesson Samuel, acredita que as melhorias viriam com o aumento das frotas de ônibus em horários de pico, como pela manhã e pela noite. O estudante defende ainda a volta dos cobradores para gerar emprego e diminuir o estresse dos motoristas de ônibus com a dupla função de dirigir e passar o troco da passagem.
Apesar de ter um objetivo muito pontual, os grupos já sofreram algumas invasões de pessoas que entram para divulgar pornografias ou conteúdos aleatórios.
Infelizmente, mesmo quando a população se organiza, por conta própria, visto que a Prefeitura não o faz, ainda precisam lidar com esse tipo de ataques. Mas, os (as) natalenses, membros dos grupos do transporte, não parecem desanimar e todos os dias essa rede de apoio se fortalece através das informações, dos desabafos e da troca de experiência, numa tentativa nem que seja de deixar esses trajetos tortuosos mais leves. Afinal, se não for a própria zona norte para se acolher, quem vai? 
[adrotate group="3"]

[adrotate group=”1″]

[adrotate group=”2″]

Mais acessadas