
Se aproxima mais um final de ano e, mais uma vez, na ceia dos artistas, o prato continua vazio. Enquanto as luzes do palco se acendem para poucos, a imensa maioria dos trabalhadores da cultura assiste, em silêncio forçado, ao espetáculo cruel do abandono. A cultura, que deveria ser alimento para a alma e dignidade para quem a produz, virou reflexo nítido das desigualdades sociais que atravessam o país.
Vivemos em uma nação onde bilhões são destinados ao pagamento da dívida pública, enquanto a cultura recebe migalhas, um percentual quase invisível no orçamento. Essa escolha não é acaso, é projeto: prioriza-se o lucro, negligencia-se o espírito. No Rio Grande do Norte no Governo de Fátima Bezerra, criou-se uma Secretaria de Cultura que, na prática, padece da ausência de recursos próprios. A Fundação José Augusto vive numa corda bamba, sustentada por verbas emergenciais herdadas da pandemia, como as Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, agora englobadas pela Política Nacional Aldir Blanc, sem garantia de continuidade real.
Na prática, a realidade é brutal: cachês atrasados há mais de um ano, pagamentos do Registro do Patrimônio Vivo interrompidos por meses, mestres e grupos tradicionais deixados à própria sorte. Em Natal com o Prefeito Paulinho Freire, a FUNCARTE repete o mesmo roteiro: promessas, reuniões, discursos — e bolsos vazios. O artista trabalha, apresenta, encanta, educa, transforma, mas não recebe. E quando recebe, muitas vezes é tarde demais.
As políticas públicas de fomento transformaram-se numa espécie de loteria cultural. Poucos são contemplados, os critérios são nebulosos e a continuidade é uma miragem. Emendas parlamentares, quando aparecem, tornam-se moeda de troca, tentativa de silenciar vozes críticas e domesticar a arte livre.
O que vemos não é apenas desorganização administrativa: é um desmonte silencioso. É a tentativa de apagar, pelo cansaço, aquilo que resiste há séculos: a cultura e a arte, a memória viva, a identidade de um povo. Sem renda, sem direitos, sem segurança, muitos artistas abandonam sua arte para sobreviver, e cada abandono é uma biblioteca que se queima em silêncio.
Mas é chegada a hora de romper esse silêncio. A cultura não pode continuar refém da negligência e dos interesses políticos. Cultura é trabalho, é direito, é patrimônio coletivo. E quem a faz merece respeito, dignidade e reconhecimento.
É hora
de soltar
a voz






