O título dessa matéria reafirma um dos desafios fundamentais dos povos tradicionais apontados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
“Para que nossas Terras e Vidas sejam protegidas ainda é preciso demarcar as mentes da humanidade”, diz a Nota da Apib. Essa “missão ancestral” foi levada em conta pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) através do tema da redação deste ano: “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”. Uma questão necessária e oportuna, considerando o contexto de violências que essas populações sofrem ao longo da história.
“É tempo de olhar para a nossa ancestralidade, para a nossa cultura e para nossos povos originários. Que isso entre nas escolas e no imaginário de todos os brasileiros e brasileiras.” (Célia Xakriabá)
Lembrando que além de indígenas, o citado tema da redação do Enem diz respeito a ciganos, pescadores, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, quebradeiras de coco, entre tantas gerações que compõem as comunidades tradicionais. Povos que vivem em seus territórios ancestrais e protegem a mãe natureza, apesar das constantes ameaças ao meio ambiente e às suas culturas.
“Sem nossos territórios, os índices de emissão de gases de efeito estufa seriam ainda mais drásticos. Apenas em 2021, o Brasil registrou a maior alta no despejo de CO2 na atmosfera dos últimos 19 anos. Foram despejados 2,42 bilhões de toneladas desses poluentes”, alerta a organização que fala em nome dos povos originários no Brasil. Diante desse cenário, é fundamental que se respeitem a preservação da nossa biodiversidade e os direitos das comunidades tradicionais.
Desenhar o presente e o futuro desses povos requer respeitar a ancestralidade encharcada de saberes em meio a tantas narrativas de apagamento. Para o indígena em contexto urbano e parente do povo Tapuia, Fábio de Oliveira, as questões ambientais e culturais são importantes temáticas que precisam de respeito.

Coordenador de comunicação do sítio histórico e ecológico Gamboa do Jaguaribe, Fábio aponta a necessidade de quebrar estereótipos que são fomentados pelo senso comum e a indústria cultural. “Pensar nos povos indígnas é também pensar no cuidado que há com a natureza. Somos muito mais que esse protótipo fabricado, imaginado, dos nossos povos. Somos capazes de ter produção intelectual, ocupar espaços. Que continuemos as nossas lutas pelo nosso direito de viver e resistir, se conectar com nossos espaços naturais como a nossa mata, nossos encantados”.
Resistência ancestral
São muitos os desafios para a valorização de comunidades tradicionais como a centenária colônia de pescadores batizada de Enxu Queimado, que fica no município de Pedra Grande, distante 145 km da capital do Rio Grande do Norte. “Sou nascida em Parazinho, mas faz 40 anos que eu moro aqui, não pretendo deixar esse lugar. Se a gente sair daqui vai viver como? A gente não pode deixar isso aqui por nada”, declara Francisca Célia.
Ela explica que vive da agricultura e da pescaria. “Quando falta pra gente se alimentar, a gente corre ali pra vargem e aqui mesmo na praia coloca uma rede e pega peixe. Ontem mesmo faltou a nossa mistura, tinha feijão, arroz, e a gente foi e pegamos a tainha, aí almoçamos, jantamos e tomamos café. É daqui que a gente tira o nosso sustento. Se faltar a farinha, a gente pesca, pega o peixe e troca pela farinha”, desabafa.

São 554 famílias vivendo na comunidade tradicionalmente pesqueira, que começou a ser ocupada quando pescadores que usavam o caminho para ir pescar começaram a trazer suas famílias para morar nesse lugar ainda inabitável no início do século XX. “Para isso, foi necessário exterminar os enxames de abelhas queimando-os, e a partir de então o lugarejo passou a se chamar Enxu Queimado”, essa é a história contada pelos moradores mais antigos e descrita por Fiama Oliveira de Araújo em seu Trabalho de Conclusão de Curso: Um estudo de caso no distrito de Enxu Queimado, Pedra Grande/RN.
