
por NILO EMERENCIANO // arquiteto e escritor
Andei lendo, com um atraso enorme, o livro Jangada, Uma Pesquisa Etnográfica, de Luís da Câmara Cascudo. Sempre me maravilho em contato com a prosa do mestre. Fui a princípio influenciado por um grupo de pessoas que tentavam, roídos de inveja, naturalmente, denegrir a imagem do nosso folclorista. Eu, garoto, não tinha discernimento nem o conhecimento para exercer meu próprio julgamento.
Minha primeira leitura, de moto próprio, foi a História da Cidade do Natal. Foi um deslumbramento. O texto da introdução, em que Cascudo se compara com o alvissareiro da torre da Igreja Matriz, é belíssimo. A nossa imaginação voa para uma cidade bela e provinciana do começo do século, Natal dos poetas e jornais, do padre João Maria, Auta de Souza, Jorge Fernandes, Othoniel Menezes. E como no filme de Woody Allen a gente tem vontade de se transportar ao passado para percorrer a Rua Chile, a Dr. Barata, a Tavares de Lyra, tomar café no Cova da Onça ou discutir política no Bar Majestic.
Depois, encorajado, percorri as páginas de Meleagro onde Cascudo registra as práticas do Catimbó em Natal do começo do século, seus mestres, crenças, instrumentos de culto e a repressão que sofriam por parte da polícia até desaparecerem ou buscarem caminhos alternativos.
Aí a gente já tomou gosto e parte em procura das outras obras, com vontade de ler tudo, desde as Actas Diurnas ou O Livro das Velhas Figuras, traços da cidade nos seus fatos, tipos e figuras marcantes, até Flor de Romances Trágicos, sobre os valentões e bandoleiros do sertão. No caminho a gente se depara com Viajando o Sertão, oportunidade de acompanhar o autor em uma viagem em que descreve os costumes e as transformações que atingiam já então o interior do estado. O viajante fala da culinária, cantorias e crenças religiosas do povo nordestino. Depois, meu gosto pela literatura de cordel e cantigas de viola me atraiu para a leitura de Vaqueiros e Cantadores, relato vivo de quem conheceu de perto tais manifestações de nossa gente. E segue por aí. Não li tudo. Compro, sempre que encontro em sebos, os livros do mestre. E continuo tendo o mesmo fascínio pelos seus escritos.
E as lendas? E o relato do carroceiro do sino de Extremoz? Do corcunda que encontra uma fantástica reunião de duendes e se livra da bossa humilhante? E nossos mitos? E a sua maior obra, Dicionário do Folclore Brasileiro?