
O que temos de boas novas — e necessárias — é a emocionante “Lady Tempestade”. A peça revive a história da advogada Mércia Albuquerque (1934-2003), advogada pernambucana que defendeu mais de 500 presos políticos durante a ditadura militar.
Personagem real do período mais sombrio da história recente do Brasil, Mércia era movida por sua coragem e senso de justiça. Colocou sua carreira e integridade em risco ao defender presos políticos sem condições financeiras, pessoas perseguidas por lutarem por democracia, igualdade e direitos básicos. Seu trabalho era, ao mesmo tempo, abrigo e resistência. Em tempos de censura, tortura e desaparecimentos, advogar pela liberdade de outrem era um ato de transgressão.
Inspirada no diário da própria Mércia, a montagem ganha vida pela interpretação intensa da atriz Andrea Beltrão, que percorre todas as capitais do país com a obra. Cada apresentação é um convite — talvez uma convocação — para o público se reconectar com a memória histórica, frequentemente distorcida.
Esse movimento artístico chega em momento oportuno. Afinal, ainda hoje convivemos com discursos que defendem ou minimizam a ditadura militar. Há quem trate aquele período ignorando — ou negando — os abusos documentados por comissões da verdade, historiadores, vítimas e testemunhas.
Como explicar que existam pessoas dispostas a aplaudir um regime autoritário?
Seria falta de conhecimento histórico? Desinformação? Ou seria adesão consciente a valores antidemocráticos? Essas perguntas ecoam no presente, especialmente quando figuras públicas elogiam torturadores ou afirmam que o país “não teve ditadura”.
O impacto dessas obras — seja a peça, seja o cinema — ganha reforço com o filme “O Agente Secreto”, também em cartaz, que retrata a perseguição e o assassinato de um professor universitário no Recife. Histórias diferentes que convergem na mesma ferida: a repressão violenta contra qualquer pessoa considerada “inimiga” pelo regime militar.
Produções como essas fazem mais do que recontar fatos. Elas iluminam zonas de esquecimento, reabrem debates e exigem posicionamento. Ao confrontar o passado, expõem contradições do presente.
O Brasil ainda luta com suas memórias e, muitas vezes, com seus silêncios. “Lady Tempestade” e “O Agente Secreto” rompem esse silêncio. E convidam o país a se olhar no espelho — um espelho que talvez alguns preferissem quebrar.
Porque, antes de tudo, lembrar é um ato político. E esquecer, também





