
Mirabô Dantas fez a vez no Quarta Autoral, ontem, na Estação do Cordel.
Sua apresentação foi a essência da sua prole abençoada, desde Tonheca e seus predecessores, na resenha que fez sobre como seus antepassados aprenderam a escrever música nas areias do roçado, após a lida, com a partitura riscada no chão, … até os causos com outras almas musicais com quem já cruzou no caminho.
Meu intuito com esse texto não é tecer qualquer comentário crítico acerca desse momento muito singular para a nossa cultura, especialmente a musical, pois disso se tratou a apresentação de ontem, singela apresentação no cativante palquinho Chico Traíra. As portas da Estação estão em frente à Praça Padre João Maria, às voltas com uma quebradeira interminável dessas reformas públicas sem fim. Mas o local se firmou como um ponto de resistência e encampou o Quarta Autoral, que é hoje uma rara alternativa ao que podemos acessar para ouvir o que a gente mesmo faz. Apenas para registrar.
Ciceroneado por Edinho Oliveira, ao lado de Cida Lobo, Mirabô elevou a hora que tocou a uma prenda linda para os presentes, com seu repertório sensacional, interpretações emocionantes e histórias vividas ao longo tempo de sua carreira, que ele sempre enfatiza modesta. Mas a produção de um artista com essa natureza, de trabalho tão particular, nos faz olhar ainda com mais carinho para a sua trajetória, e por extensão, à da música potiguar.
Mirando bem, é fácil enxergar uma preciosidade, mesmo em meio aos escombros. Mirabô é um patrimônio musical vivo, e francamente eu me ressinto que nós não tenhamos um programa municipal que encha de oportunidades a cidade, para que pudesse vê-lo com mais frequência no palco de um teatro tradicional, com toda a solenidade e magia que se dá a esse ambiente tão indispensável. Não só a ele. Imagina o que seria termos visto o Igapó de Almas num concerto assim, no aconchego de uma sala acústica.
Mas Mirabô é um mestre. Mostrou sua versatilidade como compositor, interpretando algumas de suas canções com o belo timbre que o traduz, voz marcante, límpida e suave, singrando tranquila em todos os cantos que entoou, entremeando relatos e peripécias, citando parcerias, descrevendo seus rolês nesses seus muitos anos de estrada. E até driblou os arroubos dos bêbados que estrepitavam suas maluquices nos bancos da praça, para onde a casa dá, aberta.
Enfim, foi uma ocasião ímpar e, aliás, recheada de bons reencontros entre apreciadores da música viva de Natal, gente que há muito nem se via, desde a pandemia. Era nítida a alegria e a satisfação dos que estiveram por lá se saudando, movidos pela música e dispostos a um breve momento de deleite, que só a arte é capaz de gerar.
Babal será o próximo, no dia 22 de outubro.
O programa é gratuito e aberto a todas as idades.
Esso Alencar
cantautor
ativista cultural