Faz algum tempo, na realidade anos, venho manifestando minha preocupação com os rumos que tomou o Cordel, desde a edição da Lei Federal 12.198/210 que, equiparando os cordelistas à categoria dos repentistas, reconheceu a profissão para fins trabalhistas, até o seu reconhecimento pelo IPHAN, em 2018, como Bem Cultural. Na esteira dos acontecimentos, foram promulgadas leis estaduais e municipais, ora reconhecendo o cordel como Patrimônio Cultural local, ora como matéria a ser ministrada nas diversas escolas país em fora, sem falar na multiplicação das Academias de Cordel que foram criadas e nem sempre postas em funcionamento, servindo apenas de vitrine para seus imortais de ocasião.
Essa minha inquietação encontrou e encontra eco junto a um pequeno mas atento número de cordelistas, pesquisadores, interessados em geral, que enxergam as duas medidas como uma espécie de Vitória de Pirro. Os concursos também se espalharam, nem sempre premiando os melhores trabalhos, e com isso afastando razoável número de concorrentes. A falta de controle e respectivos registros nos órgãos competentes, inclusive no que se refere ao ISBN dos livros e folhetos e geral, é outro problema que contribui para a desvalorização das inúmeras obras em circulação.
E foi assim que desde o já longínquo ano 2019 venho publicando artigos em jornais, livros e revistas, alertando para a necessidade de as Academias, em especial a Academia Brasileira de Literatura de Cordel – ABLC, atentarem para a necessidade urgente de criar regras, ou melhor, oficializar porque regras existem, primando pela sistematização. Não é admissível, assim pensamos, aceitar que um gênero literário com regras fixas, seja tomado de assalto por criações excêntricas como as que encontramos por aí no mundo sem dono das plataformas digitais. Não é preciso que se diga os derivativos que criaram: cordel isso, cordel aquilo, deixando de lado o obrigatório tripé rima, métrica e oração, sem o qual fica a Literatura de Cordel corrompida, para dizer o mínimo.
Minha compreensão, e daqueles que seguem no mesmo toar, de que cabe à ABLC a iniciativa pela Sistematização do cordel, tem por base o que e como ocorre na Academia Brasileira de Letras. As reformas ortográficas da Língua Portuguesa, antes de entrarem em vigor com a edição dos decretos governamentais de cada país lusófono, são elaboradas pela ABL ou em conjunto com os órgãos congêneres que zelam pelo idioma em suas respectivas nações. Não ´posso afirmar que o silêncio da ABLC seja intencional, para não entrar em conflito com parte de seus representados, podendo ser também fruto de alguma dificuldade em promover alterações estatutárias para regulamentar a matéria.
Aprende-se na escola que poemas com regras fixas como trova, soneto e outros, são imutáveis em sua forma, alterando-se como por óbvio apenas o conteúdo. Em direito constitucional essa imutabilidade da regra recebe o nome de cláusula pétrea. O problema é que o cordel ensinado nas escolas ou nas famosas oficinas, tem como “professores” e oficineiros em sua parte mais expressiva em termos quantitativos quem pouco ou nada entende do assunto, ou mesmo aqueles que se dizem modernizantes. O problema é facilmente identificável, pelo fato de não haver um meio, a palavra de uma Academia, por exemplo, que ateste a qualidade de quem pode ensinar o que é cordel, que tenha o conhecimento necessário e, no meu modo de vista, indispensável para exercer o múnus que lhe foi confiado.
Eis que, sem mais nem menos, avisto uma luz no fim do túnel que vem ao encontro do que sempre pensei ser a solução para o problema ou parte dela, traduzida na criação e início de atividade em 20 de outubro último, do Curso de Extensão LITERATURA DE CORDEL: PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL BRASILEIRO, uma iniciativa da Fundação Demócrito Rocha, com apoio da Aestrofe, Academia Cearense de Literatura de Cordel e Universidade Estadual do Ceará (Uece), sendo esta última a quem caberá emitir os Certificados de conclusão de curso.
Considero ser uma vitória para o mundo do cordel representado por cordelistas, ministradores de palestras, oficineiros e interessados em geral que, pelo menos em tese e oficialmente, tornar-se-ão aptos para exercer suas atividades com mais liberdade, além de representar uma reserva de mercado para os que se tornarem professores da matéria nas escolas onde ela for incluída em grade curricular. Acredito também que de agora em diante serão convidados a participar na qualidade de avaliadores, de concursos de cordel promovidos pelas inúmeras instituições que já adotam esse tipo de certame, em especial as Academias de Cordel, mediante justa remuneração. Os vencedores ou não desses concursos terão a certeza ao final de que foram avaliados por pessoas com conhecimento suficiente para fazê-lo, e não por avaliadores escolhidos aleatoriamente, às vezes sem a capacitação suficiente para tal finalidade.
Outras iniciativas seguirão o mesmo curso da história que agora se inicia, promovendo a especialização de pessoas que, munidas dos conhecimentos necessários, contribuirão para um maior nível de profissionalismo nessa arte que considero ser a poesia de bancada por excelência.
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Massilon Silva é escritor e poeta, membro pesquisador da Academia Brasileira de Literatura de Cordel
REFERÊNCIAS:
FUXICO, 42ª edição, jornal da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
SILVA, Massilon, História Recente do Cordel (crônicas), no prelo.
LITERARTE-SP, jornal literário mensal, novembro/2023, impressão Sindicato dos Gráficos de São Paulo.
PORTAL CONEXÃO ITÁLIA BRASIL (2019/2020), artigos semanais. https://portalconexao.alboompro.com






