A lucrativa indústria do genocídio na Palestina

O estado sonhado pelos judeus do final do século XIX e início do século XX como o único país onde estariam salvos e resguardados é, hoje, é a causa número um de ressurgente antijudaísmo, ou mais confortavelmente designado “antissemitismo”.

Por Melina Manasseh*

Que guerra é indústria já sabemos. Mas será que genocídio é lucrativo? Para quem? Essas são as perguntas que cabe nos fazermos, após 21 meses do já amplamente reconhecido genocídio em Gaza. Cabe direcionar o olhar para a indústria armamentista, mesmo porque são dados escondidos, verbas bilionárias que para o leitor comum faz-se difícil mensurar. Enquanto estudiosos se debruçam a entender a sociologia de um genocídio, dados numéricos dessa indústria apontam para uma programação pré-estabelecida, que, às vistas do fato consumado, demonstram uma intenção econômica.

Genocídio, assim como guerra, rende, e rende muito. O jornal israelense “The Times of Israel”, em 4 de junho de 2025 relatou: “Vendas de armas batem recorde pelo 4º ano consecutivo, atingindo US$ 14,8 bilhões em 2024. Exportação em massa segue apesar da pressão de governos estrangeiros relacionados à guerra de Gaza”. A matéria traz dados e agradece os esforços incontáveis de um setor que diz sustentar a sociedade.

Os resultados apresentados impressionam. Mas enquanto se comemora que as vendas se multiplicaram nos últimos anos, nada se fala das décadas de regime de apartheid (tese esta igualmente pacificada) nem dos 21 meses de genocídio, como se não representassem nenhum impedimento moral.

Ademais, nos slogans das feiras de armas ao redor do mundo, Israel se orgulha de selar sua tecnologia como “Testada!”. O selo “Testada” refere-se a seu emprego em campo, em cobaias humanas, que, bem sabemos, consiste do povo palestino, especialmente dos residentes em Gaza. Assim, se justifica em poucas linhas um genocídio ou, ao menos, se defende o modo de vida dos israelenses e suas práticas desumanas. Enquanto morrem uns, no caso os palestinos bestializados pela educação sionista, outros fazem “a roda girar”.

Contrariando toda essa situação, o Deputado Estadual Guilherme Cortez (PSOL-SP) propôs, em projeto de lei há pouco tramitando na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o veto à compra de armas de “israel” pela Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo, que tem contratos no valor de R$ 37.306.614,20 com as seguintes empresas israelenses: DIPOL, TECHBIZ, MEPROLIGHT e CELLEBRITE.

O PL afirma, em sua justificativa, que o dinheiro público paulista fomenta a morte de milhares de palestinos, nos tornando cúmplices de genocídio em tempo real. O Deputado não está certo de querer vetar os contratos firmados pelo atual governador Tarcísio de Freitas, ardorosamente defendidos por seu secretário para a área, Guilherme Derrite?

Outra questão é: o que essas empresas de fato fornecem? A DIPOL é uma empresa especializada em monitoramento, em câmeras noturnas, de reconhecimento facial, em vigilância, em cabeamento e armazenamento de dados. No contrato ela fornece investigação forense digital para o estado de São Paulo. Já a TECHBIZ e a CELLEBRITE são empresas que realizam extração e investigação, recuperação e armazenamento de dados e cibersegurança, ao passo que a MEPROLIGHT fornece metralhadoras e miras para fuzis.

Hoje, 43% do PIB israelense da indústria armamentista é advindo das empresas de segurança, vigilância e monitoramento, enquanto que os demais 57% se dividem em todo tipo de tecnologia, desde obuseiros (também comprados pelo governo Bolsonaro, porém congelados os contratos para suas aquisições pelo governo Lula) até aviões, armas de fogo, mísseis e drones. Essas empresas são de ponta, muitas nascidas nos últimos 20 anos, algumas afiliadas entre si, quando não braços de uma mesma companhia.

Todas vendem soluções milagrosas e são incentivadas pelo governo de “israel” por meio de financiamentos estatais que distribuem os incentivos dos Estados Unidos, como o firmado em 2016, um acordo de US$ 38 bilhões, que vigorará até 2028. Esse acordo não diz respeito às diversas remessas do governo Biden que, até outubro de 2024, um ano após o genocídio ter iniciado, acrescia aos contratos firmados, anualmente, outros US$ 17,9 bilhões. Esses investimentos são de distintas linhas de créditos, com alguns restituindo aos EUA peças, munições e resultados de pesquisas, em partes ou no todo. São pesquisas e desenvolvimento que contam com fundos estadunidenses que não prestam conta ao tesouro, uma vez que são advindos da diversificação de incentivos de diferentes agências estatais e militares.

Confuso? Sim. É para ser mesmo. Um estadunidense comum não conseguiria seguir o caminho do dinheiro para “israel” mesmo que quisesse porque é burocrático e nada transparente por uma simples razão: não é para ser. As empresas armamentistas de “israel” estão tão ligadas ao governo israelense, e o governo de “israel” ao dos EUA que pouco se distingue das transações. Não tem uma única empresa de segurança ou de armamento que não seja encabeçada por um ex-agente das forças armadas (e de ocupação da Palestina) israelenses, seja um antigo combatente de solo ou um militar de inteligência aposentado, todos parte de um microcosmos interligado.

Na prática, de “israel” ao Brasil, as câmeras que vigiam a Cisjordânia, vigiam Gaza, vigiam também o complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro. Foram produzidas pela mesma empresa. Em “israel”, são essas empresas que fornecerão os dados de cada indivíduo palestino, que, por seu turno, serão repassados para empresas como a ELBIT, fabricante de drones assassinos. Assim, vigiam, monitoram e matam aqueles cujos dados foram fornecidos pelas empresas de monitoramento, exatamente as que monitoram no Brasil as áreas de maior matança de civis por violência policial indevida e desnecessária.

Em 2008/9, no round genocidário contra Gaza batizado Chumbo Fundido, a indústria armamentista de “israel” valia em torno de US$ 4 bilhões. Em 2024, o valor estimado pelo “The Times” é de US$ 14,8 bilhões. Em 2013, o documentário “The Lab – Israel’s testing, human laboratory”, de Yotam Feldman, trouxe o seguinte testemunho de um ex-general israelense:

Sobre Gaza, sobre o Líbano, sobre os outros territórios que iremos ocupar no futuro, como não queremos passar a impressão de que somos um país pouco desenvolvido, sendo assim precisamos punir os responsáveis (palestinos). É na punição que temos massa de manobra. Nós que decidimos quando bater neles uma ou mais vezes. Na frente ou atrás, em civis ou nos líderes. Mas o principal é matar o inimigo… até quando eles se retiram, de costas, isso é importante (matar). O mais importante é a quantidade, um erro comum é considerar cada caso individualmente; quem merece ou não morrer. A maioria dessas pessoas nasceu para morrer, nós só precisamos ajudá-las.

O último testemunho do documentário “The Lab” é de Yoav Gallant, ministro da defesa (sic) que atuou tanto na Chumbo Fundido quanto no começo da atual fase genocidária e ainda em curso, no qual faz uma afirmação tão perturbadora quanto o genocídio em si: “…eles [as instituições humanitárias, os países estrangeiros] nos condenam por matar civis, mas seguem enviando seus generais aqui para treinamento”.

Atualmente, o maior problema enfrentado por “israel” no mercado mundial de armas é manter-se relevante, com seus 2% de representatividade do total, que justificam os bilhões de dólares enviados pelo governo estadunidense, enquanto que a China, o Japão e a Coréia do Sul, assim como outros países asiáticos, abocanham parcelas grandiosas do mercado de segurança, vigilância e prevenção. Vale lembrar que a China é alinhada ao Brasil no BRICS e poderia facilmente responder a demanda da segurança do Estado de São Paulo, com valores menores e mais competitivos. Caso a segurança pública de fato interessasse ao governo Tarcísio de Freitas, ir atrás de soluções junto destes países daria ao contribuinte menor custo, maior benefício e distanciamento do genocídio palestino.

Entretanto, como vemos, as alternativas acima assinaladas não são convidativas como a israelense, que garante apoio ideológico de uma massa sequestrada e manipulada, que marcha enrolada em sua bandeira, além do pagamento de viagens para grandes comitivas de políticos brasileiros em farsesco turismo “tecnológico” e comilança de homus palestino falsamente dito israelense, regado a daiquiris às margens do Mediterrâneo, roubado dos palestinos e a eles feito um mar de sangue. O patético foi vermos estes turistas do genocídio presos em um bunker devido ao ataque de retaliação do Irã e implorando às autoridades brasileiras seus resgates.

Diante de tudo que foi exposto, cabe questionarmos: por que ainda compramos de “israel”, por mais que comprar de suas empresas deflagre inúmeros questionamentos necessários? Queremos nos afiliar a um regime de apartheid que promove um genocídio, transferindo dinheiro em troca de armamentos e, assim, fomentando sua indústria? Não suficiente, queremos mesmo financiar empresas de um país que, desde sua fundação (ilegal por autoproclamação, fora das regras esculpidas na Resolução 181, da ONU, de 29 de novembro de 1947), vive em desacordo com o Direito Internacional, as resoluções da ONU, os tratados e as convenções, dentre elas as que que tornaram crimes de lesa-humanidade o colonialismo, o apartheid e o genocídio, bem como as regras e ordens do Tribunal Penal Internacional e da Corte Internacional de Justiça?

Neste relacionamento pleno com “israel”, notadamente nos campos bélico, de segurança e tecnológico, estamos dando carta branca para que prossiga com os testes de suas tecnologias de guerra em civis, um aval, mesmo que apenas tácito, para a desumanização do povo palestino. Estamos nos juntando às narrativas que propositalmente invisibilizam e descartam os palestinos, colocando Brasil e “israel” em estado de camaradagem.

Francesca Albanese, relatora da ONU para a Palestina, quando perguntada se “israel” deveria existir, responde categoricamente: “Israel existe, é um estado reconhecido pela ONU, assim como a Itália e a França, e caso as duas últimas quisessem se juntar, seriam reconhecidas a partir da nova nomenclatura, Itafrança”. O que resta saber é: “israel”, nos atuais moldes, deveria existir? Qual país no mundo custa ao outro nada menos que US$ 3,8 bilhões ao ano, aos quais são somados US$ 18 bilhões, como em 2024, quando promove o genocídio televisionado do povo palestino em Gaza?

O estado sonhado pelos judeus do final do século XIX e início do século XX como o único país onde estariam salvos e resguardados é, hoje, é a causa número um de ressurgente antijudaísmo, ou mais confortavelmente designado “antissemitismo”.

Empresas israelenses deveriam estar mais severamente submetidas a transparência porque há 77 anos são instrumentos estratégicos na prática do apartheid e da limpeza étnica que fundamental o projeto colonial sionista na Palestina. Se 25% da sociedade civil israelense é diretamente empregada nas empresas de armamentos, ligadas ao estado e subsidiadas pelos EUA, e, pasmem, 43% da sociedade trabalha no setor de tecnologia, é inescapável afirmar que esta é a primeira e única sociedade que integralmente depende do extermínio de outro povo, para ter função econômica e cidadania em um estado-nação. Uma sociedade beligerante que só faz uma coisa ao ser sustentada pela indústria bélica: criar empregos criando armas, testando-as em palestinos enquanto inventa uma narrativa mentirosa de um ficcional perigo existencial para justificar sua existência tal qual ela é, isto é, um experimento social genocidário. Mas será que a mentira seguirá colando num mundo que assiste, em tempo real, nas telas dos seus celulares, sem filtros, ao primeiro genocídio televisionado da história?

Tão importante quanto os questionamentos anteriores é nos perguntarmos a quem interessa essa varredura tecnológica, senão a projetos autoritários, ou mesmo totalitários. Por que interessa tanto instalar inúmeras câmeras, varrer celulares, desvestir os indivíduos de privacidade? Qualquer governo democrático baseia-se no direito individual, no direito comum e em estabelecer igualdade.

Devemos nos opor veementemente a tais contratos, inclusive para além das justificativas aqui postas, uma vez que essa tecnologia só é necessária em regimes de apartheid, genocidas por natureza. Logo, cabe apoiar o veto certeiro proposto pelo deputado Guilherme Cortez para barrar as compras dessas tecnologias pelo Estado de São Paulo, por outros estados e, claro, pelo Brasil, tanto pelas Forçar Armadas quanto por suas forças de segurança e aparelhos de inteligência.

Supremacia, racismo, xenofobia, apartheid são o oposto daquilo em que acreditamos. Por isso devemos lutar contra o nosso fomento à indústria bélica israelense.

…………………………………

*Melina Manasseh é formada em arquitetura e urbanismo pela Belas Artes de São Paulo, com master em estratégias para as artes na UPenn – University of Pennsylvania e atualmente cursa Mestrado de Linguística no Lael da PUC, além de cantora lírica com especialização em música de câmera. Também integra o Coletivo de Direitos Humanos e Solidariedade da FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil.

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