Fuga num caçuá

 

por EDILSON FREIRE MACIEL

Manhã quente em meados de 70 no Agreste pernambucano, cidade de Surubim, capital da vaquejada, imortalizada na bela canção do Quinteto Violado.

A região sofria com a seca verde ocasionada pelo fenômeno meteorológico do El Niño. Eu chegara na cidade, de mãos abanando, em casa de uma família pobre, em época de vacas magras. Trouxera apenas o essencial para uma breve e incerta temporada.
Tinha uma pequena quantia em dinheiro, em caso de eventualidade poder empreender uma fuga.
Fui bem recebido pela pequena família, um casal de idosos e um filho rapaz, que de tão ensimesmado pouco falava.
Situava-me geograficamente numa zona de transição entre a cidade e o campo, uma região ideal para a minha proteção, pois não poderia ser visto por muita gente. Havia um aspecto negativo quanto à segurança, a casa situava-se à beira de uma estrada.
A família era muito discreta, nada perguntava sobre mim. Sabia que a minha estadia era passageira, assim como chegara, deveria também a qualquer momento sair. Quanto à discrição, os perseguidos se identificam e trocam, até certo ponto, segredos entre si.
Era noite, o companheiro contara-me como tinha chegado até ali: rompera de forma ardilosa o cerco montado pelo exército em 64 à cidade de Jaboatão, reduto das Ligas Camponesas.
Na fuga percorrera pouco mais de cem quilômetros em estrada carroçável, por segurança evitando a pista, encolhido num caçuá coberto de bananas sobre o lombo de um cavalo.
Parti qual chegara.

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