Ana Floriano – a líder da rebelião mossoroense

por ANA AMÉLIA FERNANDES DE LUCENA*
Motim das Mulheres, 1991. Pintura óleo sobre tela. Ana Amélia

Em uma época onde a tolerância da população em relação às determinações do Governo Central faziam surgir movimentos nordestinos de rebeldia, entre os quais as manifestações conhecidas como de Quebra-quilos, também emergiram com as mesmas características, outras revoltas, sendo que dirigidas contra o Decreto que regulamentava o alistamento para o Exército e a Armada.

Anna Rodrigues Braga, conhecida como Anna Floriano em razão do seu casamento com Floriano da Rocha Nogueira, liderou, no ano de 1875, em Mossoró, segunda maior cidade do Estado do Rio Grande do Norte, uma rebelião com cerca de 300 mulheres, a qual ficou nos anais como O Motim das mulheres mossoroenses.
Na época do Império, o mais longo Gabinete, o que foi presidido pelo representante do partido dos conservadores, Visconde do Rio Branco, caiu em março e, para desengano dos liberais, o Imperador convida um herói da Guerra do Paraguai, o Duque de Caxias, para reorganizá-lo, em 25 de junho.
Ainda ecoavam os sofrimentos dos brasileiros que tinham participado voluntariamente da Guerra, quando o novo Gabinete resgata o Decreto deixado por Rio Branco, de número 5.881 de 27 de fevereiro de 1875, que regulamentava recrutamento e sorteio para o serviço nas forças armadas. A ordem do Governo para executar de imediato este Decreto gerou vários motins.
Na Província do Rio Grande do Norte sabe-se de explosão de movimentos em Goianinha, Canguaretama, Arês e Mossoró. Segundo Câmara Cascudo em Notas e Documentos para a História de Mossoró,  os motins se deram  em diversas localidades:
Em Arêz, a 1º. de agosto, homens e mulheres seguidos por um grupo de indígenas armados de faca e cacête, invadiram a Igreja Matriz e dilaceraram livros, papéis, editais referentes ao recrutamento. Em Canguaretama, no mesmo dia, uma malta exaltada de mulheres e homens assalta a Igreja, onde se procedia o processo do alistamento para o recrutamento local. O capitão João Paulo Martins Nanninger  mandou dispersar à baioneta e  ficaram feridas dezesseis pessoas(…) Em Goianinha, os homens e mulheres, guiados por Antônio Hilarino Pereira, fizeram o mesmo…   (CASCUDO In  Notas e Documentos para a História de Mossoró p. 163)
Em Mossoró o Motim teve a especificidade de ter sido composto de mulheres tidas como as 300 subversivas e lideradas também por uma mulher. A data em que se deu o episódio foi a 30 de agosto de 1875.  Nessa cidade, a Junta se instalou na Igreja, sede da Paróquia local.
O historiador Vingt-Un Rosado registrou o famoso depoimento de um cidadão da época, Romão Filgueira, no qual se detecta a força das mulheres em oposição à ordem expedida e na defesa dos seus homens  – esposos, irmãos e filhos –  contra  o sorteio de seus nomes e de uma possível  morte   em   guerra sangrenta:

“Ana Floriano, tipo de mulher forte, olhos azuis, cabelos louros, estatura além do comum para o seu sexo, encabeçava o movimento.

No dia marcado, estavam umas trezentas mulheres reunidas em Mossoró, porque as próprias Evas dos arrabaldes haviam aderido ao motim. O cortejo rebelde partiu da atual rua João Urbano indo até à hoje Praça Vigário Antônio Joaquim. Aí foram rasgados os editais pregados nas portas da Igreja e despedaçados vários livros. Da praça Antônio Joaquim, dirigiram-se as amotinadas à Praça da Liberdade, passando pela rua 30 de setembro. Naquele logradouro público, achava-se disposto um corpo de polícia, ali posto com o fim de dominar a sedição. Aos gritos de “Avança, logo”, ficaram confundidos, no tumulto da luta, soldados e mulheres. Como era natural, foram várias as feridas, tendo a interferência de pessoas da localidade evitado mais funestas consequências”. (Ver a respeito In NONATO, Raimundo   História social  da Abolição em Mossoró   (Mossoró: Fundação Vingt – Un Rosado, 1983 p. 53-54)
 O jornal O Mossoroense publica, no dia seguinte ao motim, um longo texto de Jeremias Nogueira, apoiando a revolta contra a lei:
“Não carecemos de conscrição. Nas condições de atraso em que nos encontramos é essa lei uma verdadeira calamidade. Crie-se um exército e uma armada, mas não por efeito dessa lei bárbara e cruel. Ainda há poucos anos vimos os campos do Paraguai assombrados com um numeroso e temível exército brasileiro que combatia denodado em desagravo da dignidade de sua pátria, e não tínhamos lei de conscrição, não tínhamos sorteio”…  ( CID AUGUSTO    Escóssia   Mossoró: / Fundação Vingt-Un Rosado, 2000, p. 134 -Coleção Mossoroense  série C. v. 989).
Em anotações do pesquisador e jornalista Lauro da Escóssia, Cid Augusto encontrou algumas referências a Anna Floriano que foram por ele registradas em seu livro Escóssia. Nelas, além da alusão ao Motim, Lauro da Escóssia   descreve o perfil da líder da rebelião – “austera dama de nome e atuação ligada a história de Mossoró   – e faz o registro da dificuldade de acesso aos documentos da sua naturalidade, talvez lusa, como também da data de nascimento e morte. Sabe-se que foi sepultada no jazigo da família, em Mossoró entre 1876 a 1881. A sua valentia ficou registrada em outros fatos como no caso em que nas perseguições sofridas na sede do Jornal O Mossoroense, ligado à causa abolicionista e à Maçonaria, Anna Floriano armou-se com espeto de ferro para enfrentar adversários e proteger os redatores, entre eles o seu filho Jeremias Nogueira, fundador da imprensa mossoroense.

(*) Ana Amélia é socióloga , pesquisadora e a artista plástica que ilustra com quadros que expôs no Museu de Mossoró em 1991
FONTES DE PESQUISA
CASCUDO, Câmara em Notas e Documentos para a História de Mossoró; NONATO, Raimundo  História social  da Abolição em Mossoró   Mossoró: Fundação Vingt – Un Rosado, 1983 p. 53-54);  CID AUGUSTO    Escóssia   Mossoró: / Fundação Vingt-Un Rosado, 2000, p. 134 (Coleção Mossoroense  série C. v. 989); VINGT-UN ROSADO   O motim das mulheres, um episódio do Quebra-Quilos   Mossoró, Coleção Mossoroense, Volume CLVII, 1981.

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