Neuróticos Anônimos: Lições de vida, coragem, afetos

Foto: Rogério Marques/Coletivo Foque

Na manhã de segunda-feira (11/9) o Coletivo Foque atravessou a cidade com a tarefa de produzir uma reportagem sobre um grupo que se reúne toda segunda-feira para compartilhar vivências coletivamente.

Inspirado no Alcóolicos Anônimos, Vida e Esperança está entre os 390 grupos de Neuróticos Anônimos [N/A] que desde 1969 ajudam pessoas a vencerem suas neuroses no país mais ansioso do mundo [segundo a Organização Mundial da Saúde].
Logo ao entrar na sala de reunião, um banner pendurado na parede e estampado com as doze tradições dos Neuróticos Anônimos chama a atenção para o anonimato na mídia: “Nossas relações com o público baseiam-se na atração em vez da promoção, cabe-nos sempre preservar o anonimato pessoal na imprensa, no rádio e em filmes”, diz a 11ª tradição. Na frente da mesa um cartaz informa: “O que você ouve aqui, quem você vê aqui, quando você sair daqui deixe que fique aqui”. A reunião começa com a distribuição de um livreto, seguido da leitura em voz alta de um texto escolhido e que é lido por voluntários. Logo depois, algumas pessoas comentaram sobre o tema apresentado, nesse caso o egocentrismo.
Por mais de uma hora ouvimos relatos que seguem fielmente as tradições do N/A, entre as quais o anonimato. Daí, em respeito à tradição do grupo, a nossa reportagem não publica os nomes dos participantes, mas usa a voz da imprensa livre para mostrar a importância do grupo Neuróticos Anônimos ao encarar as crises existenciais que atormentam tantas vidas.
A roda de conversa aos poucos vai se transformando numa conexão entre pessoas. Um elo de relações que transmite energia coletiva, bem-estar e qualidade de vida que vão, pouco a pouco, minando os sintomas de um sistema nervoso desastrado. De repente, aquela reunião de gente trocando ideias torna-se um organismo vivo, vencendo o costumeiro mal-estar. Uma reação importante capaz de cortar o mal pela raiz. Como uma viagem fantástica que deixa a poeira da angústia para trás, mas que precisa passar sereno pelo engarrafamento da vida, como alerta Cazuza na canção Alta Ansiedade. Esse puxão de orelha é uma parada para fazer entender que [às vezes quando os tombos mexem com a nossa saúde mental] precisamos de ajuda para não renunciar à vida. E dar uma bronca em nós mesmos: Ei, estamos vivos.

E há tempos o encanto está ausente
E há ferrugem nos sorrisos

O verso da Legião Urbana lembra os picos de ansiedade e depressão presentes em milhares de neuróticos anônimos. Vidas que precisam de cuidado e apoio. Mas tem muita gente que não consegue entender o que o outro sente e acha que é drama, frescura, fingimento. O grupo Neuróticos Anônimos está aí para ajudar a superar esses momentos de crise. Um lugar que dá vontade de falar o que se sente. Como costumam dizer, através de relatos e experiências “a cura sai pela boca e entra pelos ouvidos”.
Para o grupo Neuróticos Anônimos, “neurótica é qualquer pessoa cujas emoções interferem em seu comportamento, de qualquer forma e em qualquer grau, segundo ela mesma o reconheça”. Tal objetivo de compartilhar vivências tem como foco a saúde mental. São relatos que desvelam tempos desperdiçados em caminhos sem volta, como cacos da vida jogados fora. “Se há esperança na vida, não há derrota”, afirma o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, que emenda, “o ser humano é o único animal que tropeça várias vezes na mesma pedra”.
Segundo Mugica, que também é um ex-guerrilheiro tupamaro, “todo vício é uma praga, exceto o amor”, um ensinamento carregado de afeto que alimenta o sonho e a alma. “A vida escapa e se vai minuto a minuto e não podem ir ao supermercado comprar a vida. Então lutem para vivê-la, para dar conteúdo a ela”. Para não transformar mais a vida em moeda de troca e pagar um preço alto, faz-se necessário “superar o individualismo e criar consciência coletiva”. Uma lição essencial que resgata a vida em comunidade e que se reconhece como lugar de cura e resistência.

O que “eu” tenho a ver com isso tudo?

A vivência com Neuróticos Anônimos nos levou a conhecer um lugar de fala onde a angústia que causa entorpecimento psíquico, ao ser compartilhada, potencializa a possibilidade de reagir e superá-la coletivamente. Em seu ensaio, Love and Need: Is Love a Package or a Message? [Amor e necessidade: o amor é um embrulho ou uma mensagem? ], Thomas Merton aponta que somos ensinados a ver o amor como um negócio competitivo e a vida como um mercado. Porém, desafiando essa cultura mercantilista, bell hooks quebra a regra dominante e resgata o espírito do amor comunitário. Essencial para conectar pessoas, derrubar barreiras e construir pontes. Uma pedagogia da esperança que reafirma a autoestima quebrada.
De repente, uma voz pulsa outras vozes a manifestarem esse amor comunitário, vivo, sem o sintoma depressivo da angústia. “No momento em que escolhemos amar, começamos a avançar em direção à liberdade, a agir de forma a libertar a nós mesmos e aos outros. Essa ação é o testemunho do amor como prática da liberdade”, manifesta bell hooks num dos seus ensaios reunidos em Cultura fora da lei.
O tempo da nossa matéria, sempre escravizado pela ditadura do relógio, foi seduzido pelos relatos da vida cheia de emoções calejadas, preenchendo todos os cantos da sala de energia, cicatrizes, experiências. Eita… é preciso correr para cumprir a próxima pauta. Mas é sobre isso mesmo que falamos. Estamos correndo sempre. Afinal, por que o nosso tempo não dá tempo para a vida ser vivida com qualidade? É preciso repensar a nossa existência e cuidar da vida o tempo inteiro.
Mas é claro que o Sol vai voltar amanhã
Mais uma vez, eu sei
Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã
Espera que o Sol já vem
Quem acredita sempre alcança
Quem acredita sempre alcança
Quem acredita sempre alcança
Quem acredita sempre alcança
Quem acredita sempre alcança
Quem acredita sempre alcança
[Mais uma vez, Flávio Venturini/Renato Russo]

 


» Grupo Vida e Esperança
Reuniões presenciais toda segunda-feira
Rua das Angélicas, 225 – Mirassol – Natal/RN
» Whatsapp: 84 99116-5312
» Os encontros do grupo Neuróticos Anônimos são abertos ao público e gratuitos
+ Informações: neuroticosanonimos.org.br

 

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