Bordéis, beréus, puteiros e lupanares

 

por NILO EMERENCIANO // arquiteto e escritor

 

Foto: Canindé Soares

Gutenberg Costa, definitivamente, está recuperando aqueles aspectos da história e cultura de uma cidade, a nossa, que normalmente são deixados de lado, quando não negados, pelos historiadores e sociólogos de plantão.

Já se debruçou sobre os bares e boêmia (Breviário Etílico, Gastronômico e Sentimental da Cidade do Natal-2019), passeou entre os tipos populares que são a alma das ruas (Natal Personagens e Populares) e agora, adivinhem, caiu em campo e reconstruiu a crônica dos cabarés que fizeram a vida paralela de boêmios, políticos e intelectuais da província, desde a primeira metade do século XX. O resultado é Cabarés na Cidade de Natal – Quase História e Quase Memória, prestes a ser lançado.
Difícil para os mais jovens entender que havia uma zona da cidade em que se concentravam as casas de tolerância ou que nome tenham, afinal há vários: bordel, cabaré, pensão, beréu, casas da luz vermelha, prostíbulo, lupanar, puteiro. E também aceitar que era um tipo de serviço prestado que ajudava a manter a ordem e a tranquilidade, pois em uma época em que o sexo era severamente reprimido e ainda não se falava em amor livre, homens com desejos contidos poderiam canalizar a libido represada para brigas e badernas.
Imaginem aqueles soldados americanos longe de casa, em plena guerra mundial, sem uma válvula de escape para os seus desejos. Daí o surgimento de cabarés bem sucedidos, tipo Maria Boa ou Rita Loura, ou ainda o Wonder Bar e o Arpége, hoje em ruínas, ali na travessa Venezuela. Nossa garotada se surpreenderia ao saber como era corriqueira a frequência a profissionais tipo Cicero Enfermeiro, ali na Princesa Isabel, para a dose milagrosa de Benzetacil, cura eficiente para o pinga-pinga doloroso. No Centro de Saúde do Alecrim havia um serviço especializado para tal tratamento, frequentado por mulheres e homens de menor poder aquisitivo.
Mas, perguntariam alguns, e as namoradas? É mexer em vespeiro com vara curta. Não haviam inventado o tal do anticoncepcional. E para comprar camisinhas era preciso aguardar um momento em que o balcão da farmácia estava vazio e cochichar ao vendedor: – Envelopes de Jontex, por favor. E se o balconista fosse meio surdo e perguntasse bem alto: – O quê? Jontex? O galã tinha que improvisar, envergonhado: – Não, foi Gumex que falei…  
Engravidar filhas de boas famílias implicava em casamento. Por bem, apesar de contra a vontade do pai, ou por mal, na delegacia de polícia. Caso contrário, o sedutor arriscava tomar uma boa pisa e a moça era expulsa do convívio familiar com muitas chances de terminar em uma dessas casas “especializadas”. Era mole? 
Tempos duros, acreditem. As esposas aceitavam meio ressabiadas a existência dessa vida dupla dos bons pais de família. E os políticos tinham certos privilégios, como um espaço especial e discreto e uma cortesã com contrato permanente. Muitas até se deram bem, arranjando bons casamentos, o que de forma nenhuma era a regra.
Pois então: Gutenberg Costa, que já ocupa o seu lugar entre os nossos mestres pesquisadores, saiu do seu retiro em Morrinhos, Nísia Floresta, e escarafunchou como ninguém, munido da sua caderneta e curiosidade sadia, esses “arquivos confidenciais”. Entrevistou antigas madames, ex-clientes, funcionários e até parentes dessas antigas donas da noite, resistentes a princípio, mas reveladoras a partir da confiança que se estabeleceu. Ouviu histórias e alguns depoimentos surpreendentes. E lá, do fundo da Biblioteca dona Stela, extraiu livros e memórias dos nossos poucos corajosos autores, além de fotos de seu arquivo pessoal.
O resultado é um painel rico e bem humorado. A gente percorre, guiados por Gutenberg, a avenida Almino Afonso, na Ribeira, e visita o Magriffe, o Rosa de Ouro, a boate Alabama, a boate Paris e o cabaré de Otávio. Ouve o som do pistom que vinha da Boate Estrela Ideal, come uma passarinha na calçada do antigo mercado ou toma uma cerveja no Bar da Tripa, de Toinho. Não vamos deixar de visitar o Arpége e o Wonder Bar, palco de brigas e confraternizações entre galegos e nativos durante a guerra.
Rua 15 de Novembro, 193. Último cabaré da Ribeira. 1999. Foto: Adrovando Claro.
Com sorte, quem sabe, poderemos cruzar com Nelson Gonçalves ou Sílvio Caldas dando uma palhinha. Podemos arriscar uma passagem pelo Beco da Quarentena e a rua XV de Novembro. Vamos ter respeito ao cruzar com Duruca e Nazareno, gays machos como poucos, dispostos a qualquer enfrentamento. Depois arremata a noite na Peixada Potengi, tomando um caldo de peixe revigorador. Quem sabe em outra noitada Gutenberg nos leve ao Inca Night Club, de Rita Loura, e àquela porção de cabarés que havia na hoje respeitabilíssima avenida Antônio Basílio. A diversão é garantida, asseguro, e o guia é emérito prosador tendo sempre um caso na ponta da língua para contar.
Vamos lá? Não temos nada a perder, a não ser a nossa distante inocência. Vamos tomar conhecimento de personalidades como Zefa Paula, Alaíde, Maria Boa, Francisquinha e Alice, entre outras mulheres maravilhosas.
É nesses subterrâneos da nossa história que Gutenberg, com maestria e verve, nos conduz. Estamos em ótima companhia. Precisávamos percorrer esse trajeto que se revela agora aos nossos olhos e sentidos. Aproveitem.

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