As comunidades negras no RN no século XXI: Invisibilidade social e econômica

por GERALDO BARBOZA | Antropólogo
José Vieira, liderança na Comunidade da Boa Vista dos Negros (1930-2010). Retratado por Geraldo Barboza

A desigualdade entre brancos e negros é hoje reconhecida como uma das mais perversas dimensões do tecido social no Brasil.

A extensa e periódica divulgação de indicadores socioeconômicos sob responsabilidade de organismos de estatística e de pesquisa, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) ou o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), mostra que grandes diferenciais raciais marcam praticamente todos os campos da vida social brasileira. Seja no que diz respeito à educação, saúde, renda, acesso a empregos estáveis, violência ou expectativa de vida, os negros se encontram submetidos às piores condições. Em algumas dessas dimensões, as variações observadas ao longo do tempo no sentido de uma redução das desigualdades mostram-se modestas em alcance e lentas em sua trajetória. Em outras, as desigualdades não apenas continuam estáveis como até vêm se ampliando em alguns casos.
A Constituição Federal de 1988 representa um marco na luta pela terra e cidadania dos povos tradicionais remanescentes de quilombos, pois com a inclusão do artigo 682 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, garante a titulação das terras que estas comunidades utilizam para sua moradia e trabalho. Vale lembrar ainda os compromissos internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro em favor das comunidades negras, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A Constituição proíbe qualquer forma de discriminação contra uma comunidade remanescente de quilombo ou pessoa que a integra, como também o faz em relação a todos os cidadãos brasileiros. Da mesma forma, as terras tradicionalmente ocupadas por essas comunidades devem ter proteção e segurança.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual tratamos neste texto, é um exemplo. É um acordo internacional firmado em 1989 no âmbito da OIT, que reúne organizações de trabalhadores e empregadores no mundo. No Brasil, só foi ratificada em junho de 2002 e entrou em vigor em julho de 2003. A Convenção 169 dispõe sobre direitos de povos indígenas, tribais e populações tradicionais em geral.

Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

As associações de remanescentes de comunidades de quilombos se incluem nesta convenção, por conta do artigo 68, contido nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição. As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por um contexto onde o debate era mobilizado pela questão da existência ou não da discriminação racial no país. A democracia racial ainda se colocava como um paradigma a ser questionado e o reconhecimento das desigualdades raciais e a reflexão sobre suas causas precisava se consolidar. A partir de meados dos anos 90, entretanto, os termos do debate se transformaram. Reconhecida a injustificável desigualdade racial que, ao longo do século, marca a trajetória dos grupos negros e brancos, assim como sua estabilidade ao correr do tempo, a discussão passa progressivamente a se concentrar nas iniciativas necessárias, em termos da ação pública, para o seu enfrentamento.
Fazendo frente a esse conjunto cada vez mais evidente de desigualdades, o debate público tem se intensificado, assim como as iniciativas no campo das políticas de governo. De fato, desde a década de 1980, um conjunto diverso de ações passou a ser implementado. De início, as proposições têm origem em governos estaduais e municipais e, progressivamente, passam a ser desenvolvidas também pela esfera federal. Mas foi nos anos 2000 que as iniciativas ganharam relevo, proliferando no âmbito do governo federal, nos governos estaduais e municipais, e também, de forma autônoma, em algumas instituições públicas como as universidades e o Ministério Público do Trabalho.
Programas como os de estabelecimento de cotas visando ampliar o acesso de estudantes negros ao Ensino Superior, assim como programas de combate ao racismo institucional vêm sendo adotados em várias localidades do país. Ações no campo da educação e do mercado de trabalho têm sido igualmente adotadas, visando limitar a reprodução de estereótipos e comportamentos que afetam o acesso a oportunidades iguais e a possibilidade de seu usufruto.
As desigualdades raciais no Brasil configuram-se como um fenômeno complexo, constituindo-se em um enorme desafio para governos e para a sociedade em geral. Enfrentar as dificuldades que se colocam face à consolidação da temática da desigualdade e da discriminação, na agenda pública e no espaço de governo, e integrar e ampliar as iniciativas em curso parecem ser, hoje, os grandes desafios no campo das políticas públicas para igualdade racial.
Compreendendo as desigualdades raciais como produto de um amplo e complexo processo de reprodução de iniquidades e de hierarquias sociais, seu enfrentamento não deve ficar restrito a ações que possam ser implementadas por um núcleo específico da ação pública. O reconhecimento da desigualdade racial e da necessidade de seu enfrentamento, assim como da
eliminação do preconceito e da discriminação raciais pressupõe o reconhecimento de que esse problema perpassa os mais diferentes espaços da vida social.
O enfrentamento de uma questão com a centralidade da temática racial, que perpassa o tecido e as relações sociais no país, não pode prescindir de uma ação de Estado, desenvolvida mediante uma Política Nacional que inclua a adoção de um posicionamento efetivo das instâncias governamentais, e não apenas a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR. É necessário que as desigualdades raciais sejam incorporadas como desafios em cada uma das políticas setoriais.
Os indicadores superiores de repetência e evasão de crianças negras nas escolas brasileiras aguardam serem transformados em metas para a intervenção da política de educação, da mesma forma que as taxas reduzidas de cobertura de mulheres negras em exames e procedimentos de saúde, a violência policial contra jovens negros, entre inúmeros exemplos que podem ser citados. Ministérios e órgãos setoriais, além do Legislativo e do Judiciário, devem ser envolvidos em uma política que tenha diretrizes e metas balizadoras da ação pública,
sinalizando para os estados e municípios e para a sociedade sobre a importância da intervenção governamental na busca da igualdade racial. Neste sentido, as políticas públicas dependem de informações –sempre- atualizadas em dados referentes às Comunidades quilombolas em seus contextos sociopolítico.
Neste artigo é mostrada a pesquisa (de cunho individual) que venho realizando desde 1987, no Rio Grande do Norte, na área de antropologia afrobrasileira, em especial, sobre comunidades negras rurais, terreiros de matriz afro-brasileira e territórios urbanos.
Neste texto, discorro sobre o conceito de comunidades quilombolas, a questão dos quilombos no Brasil e no estado do Rio Grande do Norte; explanando sobre a literatura regional que trata dessas populações afro-brasileiras na região. Por fim, mostramos o resultado da citada pesquisa sobre a presença de comunidades e territórios negros no Rio Grande do Norte.
A pesquisa sobre comunidades tradicionais afro-brasileiras no Rio Grande do Norte
Como recursos metodológicos foram utilizadas técnicas próprias da Antropologia e da História. De forma geral, continuamos realizando uma pesquisa histórico-documental com a utilização de diversas técnicas, como entrevistas, visita de campo e registro audiovisual durante os trabalhos na região.
Em relação à utilização da fotografia como recurso “auxiliar” na pesquisa, salientamos sua importância além do aspecto meramente ilustrativo, pois é sabido que:
A construção de narrativas através da imagem fotográfica vem a ser articulada com o texto verbal e a legitimidade que este alcançou, contribuir no sentido de enriquecer e agregar, além de outras formas narrativas como e literatura ou a poesia, complexidade aos esforços de interpretação de universos sociais cada vez mais densos e complexos, onde imagens por sua vez tornam-se cada vez mais um elemento da própria sociabilidade. (ACHUTTI, 1997:38-39).
Neste trabalho, entendemos a fotografia ou fotoetnografia como elemento necessário à composição do Relatório Antropológico. Neste sentido:
Parece significativa a ideia dos colegas do Núcleo de Antropologia Visual da UFRGS, quando afirmam que a antropologia visual não se trata de uma disciplina independente, mas “sim da mesma e velha antropologia de sempre, porém apresentada sobre esse outro continente que é a comunicação audiovisual. Não é uma Antropologia da Imagem, mas uma antropologia em imagens” (Rodolpho et alli., 1995:169). Uma antropologia em imagens poderá ser feita mediante o domínio das técnicas de construção de um vídeo etnográfico, de um filme etnográfico ou de um trabalho fotoetnográfico. Futuramente estaremos fazendo a “velha” e tradicional antropologia também através de uma linguagem multimídia. (ACHUTTI, 1997:39).
Em termos metodológicos:
A proposta aqui é do emprego da antropologia visual enquanto um recurso narrativo autônomo na função de convergir significações e informações a respeito de uma dada
situação social. (Achutti, 1997:13).
Em relação à História Oral, presente nos discursos e entrevistas, partimos do princípio que “Através da memória individual, será possível recuperar a memória coletiva de um período sobre o qual existe muito pouca documentação. Essa história, além de contribuir para um melhor conhecimento da comunidade…” (BECKER, 2001:286). Assim, podemos entender, em consenso que,
Usando a história oral como método e prática de pesquisa, somada às formas tradicionais, percorreremos, juntamente com nossos personagens, lugares da memória e do esquecimento, para “reconstruir” as suas trajetórias de vida, tentando assim montar um quadro histórico do período pesquisado. (BECKER, 2001:286).
Assim, a antropologia visual e a história oral vêm, como recurso metodológico e técnico, dar maior suporte às pesquisas envolvendo populações tradicionais, em particular as comunidades negras rurais, que ainda se encontram em um processo de invisibilidade social. Para o historiador Josemir Camilo de Melo (2001:189):
Quando se analisa a história do povo negro, não se deve usar da mesma metodologia que se usa para abordar a história dos povos europeus e seus descendentes nos trópicos. A história dos brancos é feita de documentos oficiais e particulares, já que estamos tratando aí de uma sociedade letrada. No caso dos africanos sequestrados e trazidos para o Brasil e seus descendentes aqui nascidos e mantidos como iletrados, os documentos para estudar sua história não são mais do mesmo caráter, ou seja, material escrito. Portanto, o historiador deveria proceder um desvio metodológico e teórico, optando então pela etnografia e buscar a fala do
povo negro nas fontes antropológicas e etnológicas.
Neste sentido, optou-se por uma leitura crítica na literatura regional que trata das comunidades quilombolas. Para isto foram consultados textos acadêmicos de autores locais em épocas diversas, procurando ver a fala do povo negro representada nestes textos-discursos.
Inicialmente, percebe-se que a literatura produzida no Século XX (mesmo a da área antropológica) está impregnada de uma visão racista, etnocêntrica e comprometida com valores regionais. No Século XXI houve uma alteração substancial: a inclusão de acadêmicos militantes do Movimento Negro (mesmo que informalmente) e estudantes originários de comunidades quilombolas.
Ao fim, colocamos uma listagem (atualizada em 2017) sobre as comunidades negras localizadas no Rio Grande do Norte.
Comunidades quilombolas: um conceito político
O conceito mais atualizado para definir Comunidades Quilombolas tangencia de uma concepção histórica que vincula estas com lutas e fugas de escravos. Este conceito é, assim, também, entendido pelo Estado. Então, podemos entender que comunidades quilombolas são grupos étnico-raciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. (Decreto 4.887/2003)
Por ser um conceito definido por Decreto e com fins jurídicos, tem uma base legal constituída a partir da Constituição Federal de 1988 em seus artigos 215 e 216 da Constituição Federal, que tratam do “Direito à preservação de sua própria cultura”; e, também:
Do Artigo 68 do ADCT – Direito à propriedade das terras de comunidades remanescentes de quilombos.
Da Convenção 169 da OIT (Dec. 5051/2004) – Direito à autodeterminação de Povos e Comunidades Tradicionais.
Do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 – Trata da regularização fundiária de terras de quilombos e define as responsabilidades dos órgãos governamentais.
Do Decreto nº 6040, de 7 de fevereiro de 2007 – Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Do Decreto nº 6.261, de 20 de novembro de 2007 – Dispõe sobre a gestão integrada para o desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no âmbito do Programa Brasil Quilombola.
Da Portaria Fundação Cultural Palmares nº 98, de 26 de novembro de 2007 – Institui o Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundação Cultural Palmares, também autodenominadas Terras de Preto, Comunidades Negras, Mocambos, Quilombos, entre outras denominações congêneres.
Da Instrução Normativa INCRA nº 57, de 20 de outubro de 2009 – Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
Entretanto, devemos perceber este conceito como resultado de toda uma ação da Antropologia brasileira, que vem se debruçando sobre a questão das comunidades tradicionais ao colocar que:
Não há dúvidas de que a antropologia constitui campo consolidado e dinâmico no Brasil, que tem obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares de excelência científica. Combinando o interesse em compreender o mundo com a preocupação em desvendar códigos culturais e os interstícios sociais da vida cotidiana, a pesquisa antropológica é extremamente relevante para desvendar problemáticas que estão na ordem do dia sobre a produção da diferença cultural e desigualdades sociais, saberes e práticas tradicionais, patrimônio cultural e inclusão social e ainda desenvolvimento econômico e social (BELA, 2013:19).
Para a antropóloga Ilka Boaventura Leite, é importante entender o fenômeno da invisibilidade social e política dessas populações como algo construído em nossa história foi inculcado cultural e, principalmente, politicamente nas populações mais vulneráveis na história de construção de uma nação com moldes europeus. Nestes termos, as populações afro-brasileiras
foram ignoradas ao pensar a o projeto de nação para o Brasil. A invisibilidade gerando uma marginalização histórica, geográfica e política. Pode-se ainda pensar que:
A consolidação da nação obteve o suporte ideológico do racialismo, reforçando com ele um projeto de orientação liberal inspirado num tipo de universalismo iluminista que invisibilizou as pautas políticas e sociais dos grupos negros e indígenas. O tipo de ocupação do espaço territorial e a manutenção da fronteira étnica pelos grupos foram, portanto, um relevante fator de reorganização das diferenças, com perdas significativas para os que já se encontravam anteriormente na terra – principalmente os africanos, os indígenas e os chamados “caboclos” (LEITE, 2008:96).
Essa espécie de topografia étnica traduziu-se na continuidade das estratégias de expropriação das terras e na forma como esse projeto se tornou hegemônico e se reproduziu com sucesso até os dias atuais. É também possível depreender as formas de resistência daqueles que foram excluídos do direito de se apropriar bem como de titular suas terras. As linhas demarcatórias dos grupos, para além das diferenças culturais, tornaram-se formas matriciais de continuidade da hierarquização, de novas formas de exploração e, principalmente, da perpetuação das desigualdades sociais (LEITE, 2008:967).
No momento histórico que se iniciou com a promulgação da Constituição Federal (1988) podemos inferir que:
Tais comunidades se revestem de grande atualidade no país, em virtude do avanço das políticas públicas, no sentido de fazer cumprir os dispositivos constitucionais do tombamento, salvaguarda e preservação delas, consideradas que foram, pelo Artigo 216 da CF, integrantes do patrimônio Cultural Nacional, e pelo Artigo 68 dos ADCTs, como justamente merecedoras do seu reconhecimento e da atribuição de posse definitiva do seu território, por parte do Estado Nacional (MEDEIROS, In: TAMASO E LIMA FILHO, 2012: 377).
Neste sentido, podemos vislumbrar um cenário com novas possibilidades para a elaboração e execução de políticas públicas para esta parcela considerável da população brasileira: a população das comunidades quilombolas.
Evidentemente, esta situação eleva questionamentos de ordem conceitual e histórica ao tratar de um tema novo: as comunidades quilombolas que estão espalhadas em todo o território nacional, e têm como característica comum: a pobreza e a dificuldade de acesso às políticas sociais específicas para este grupo. São vítimas constantes de Racismo, Xenofobia e outras formas de violência que resultam na manutenção e/ou dificuldades de alteração positiva em relação ao quadro de pobreza da maioria destas comunidades.

Os quilombos no Brasil

Para uma melhor compreensão da situação das terras quilombolas e de outros territórios tradicionais no Brasil, é fundamental fazer-se referência à Lei de Concessão de Terras, de 1850. É nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da terra àquele que possui recurso monetário para adquiri-la e legalizá-la cartorialmente. Essa lei tornaria ainda mais difícil a inclusão do negro após a Abolição de 1888, realizada sem qualquer reparação à população escravizada.
A luta contemporânea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada como o reconhecimento do fracasso da realidade jurídica estabelecida tanto pela “Lei de Terras”, que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de terras, quanto pela forma mesma com que se dá a abolição da escravidão. A noção de terra coletiva, como são pensadas as terras de comunidades quilombolas, contraria o modelo baseado na propriedade privada como única forma de acesso e uso da terra, o qual exclui outros usos e relações com o território, como ocorre entre povos e comunidades tradicionais.
Além dos quilombos constituídos no período escravocrata, muitos foram formados após a abolição formal da escravatura, pois essa forma de organização comunitária continuaria a ser, para muitos, a única possibilidade de viver em liberdade. Constituir um quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivência, posto que a Lei Áurea, diferentemente do propugnado
pelo movimento abolicionista, não levou em conta mecanismos de redistribuição de terras.

De um modo geral, os territórios quilombolas originaram-se em diferentes situações, tais como doações de terras realizadas a partir da desagregação da lavoura de monoculturas, como a cana-de-açúcar e o algodão; compra de terras pelos próprios sujeitos, possibilitada pela desestruturação do sistema escravista; terras que foram conquistadas por meio da prestação
de serviços, inclusive de guerra, bem como áreas ocupadas por negros que fugiam da escravidão. Há também as chamadas terras de preto, terras de santo ou terras de santíssima, que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas, da doação de terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviços religiosos prestados a senhores de escravos por sacerdotes de religiões afro-brasileiras.

Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o período republicano e reaparecem, como resultado da ação dos movimentos negros, apenas com a Constituição de 1988, como territórios detentores de direitos. Transcorreram, portanto, cerca de cem anos da abolição até a aprovação do Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual
assegura o seguinte: Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
Tais comunidades se distinguem pela identidade étnica, tendo desenvolvido práticas de manutenção e reprodução de modos de vida característicos num determinado lugar. São grupos étnico-raciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada
com a resistência à opressão histórica sofrida.

As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federação, sendo a maior parte nos estados do Maranhão, Bahia, Pará, Minas Gerais e Pernambuco. Os únicos estados que não registram ocorrências dessas comunidades são o Acre e Roraima, além do Distrito Federal.

As populações afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questão da população negra no Estado pode ser classificada por dois momentos distintos: inicialmente, estudos sobre a população escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo, Medeiros, Melo e Mattos) e, mais atualmente, os relatórios antropológicos e textos acadêmicos sobre comunidades negras rurais.
O folclorista e historiador Luís da Câmara Cascudo mostra uma análise importante sobre as diferenças na condição de escravo nos engenhos de cana de açúcar e nas fazendas do sertão. No primeiro caso, era demandado um grande número de mão-de-obra, cujo controle baseava-se em regras rígidas de separação entre senhores e escravos, enquanto que no sertão as relações entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaço de atuação política e econômica mais definido. Cascudo incita-nos com a seguinte descrição:
Na criação do gado os donos e os escravos estão na mesma linha tenaz de coragem e batalha… São dois vaqueiros. Vestem a mesma véstia de couro. Encontraram o mesmo perigo, o mesmo carrascal, a mesma grota, o aclive súbito e escabroso. Assim a fazenda de gado, rude, de missimediata, individual, criou o homem na semelhança do seu uso. Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida. Sentia-se senhor de seu campo, na sela do seu cavalo, como um barão guerreiro… Vezes inúmeras, o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora. O negro era senhor de vidas e de gado, vendendo, colhendo, discutindo, escolhendo sua escala de tarefas, sabendo mandar, planejar, arriscar, vencer (BRITO, 1997;47).
Tarcísio Medeiros, de maneira etnocêntrica, relega aos negros no Rio Grande do Norte pouca importância como ator social. Ele mostra o negro balizado em conceitos relacionados ao mito da democracia racial. Nega o legado cultural do negro para a cultura local. Ignora, por conseguinte, a religiosidade, a culinária, o vocabulário, e expressões culturais como a dança do espontão e as cantorias. Com exemplo, podemos ver o trato preconceituoso que ele dá às religiões afro-brasileiras no Rio Grande do Norte, quando cita:
Do negro escravo, no Estado, ficaram poucas tradições…. De crendices e superstições das que viveram nos canaviais, ficou o canjerê, feitiço, a cousa-feita, mas desconhecem o padê, Exu, Xangô, Águas de Iemanjá, que surgiram após a década de 1950, produtos de importação made in Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco. O ambiente canavieiro facilitou a superstição dessa natureza mais acentuadamente que nas fazendas de gado, com escravaria reduzida. (MEDEIROS, 1973:229).
Por outro lado, seu texto é rico em informações etnográficas – que muitas vezes contradiz suas afirmações generalizadas – quando cita sobre a presença negra no RN, por exemplo. É sua a citação que diz:
Evidentemente, nesse início do século XVII, com o português, chega no Rio Grande do Norte o elemento negro. A presença entre nós tem que ser estudada diretamente com o fenômeno da escravidão, e está no momento de sua permissibilidade ocorreu em 1600, quando os primeiros escravos chegaram à vila de Natal… (MEDEIROS, 1988:47).
Os textos acadêmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populações negras rurais, ignorando aspectos éticos na condução de pesquisas antropológicas envolvendo populações vulneráveis, resultando, muitas vezes, em textos no qual se expõe situações, no mínimo, constrangedoras destas pessoas.
Na década seguinte, este olhar privilegiando o exótico sobre populações quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou à academia em forma de dissertação de um historiador da região, em um mestrado na Antropologia (Assunção, 1994) sobre uma comunidade quilombola. Como exemplo, ele cita de forma preconceituosa e racista, sem o menor constrangimento, em seu trabalho Os negros do Riacho: estratégias de sobrevivência e identidade social duas situações de caráter íntimo da comunidade: a prática da religiosidade afro-ameríndia e a tipologia de “relações matrimoniais não convencionais (bigamia e incesto)”.
Em relação à religiosidade, Assunção chama simplesmente de feitiço todo um conjunto de conhecimento e práticas que evocam a memória do grupo na afirmação de uma identidade própria: a religiosidade afro-brasileira e ameríndia. Seu texto é carregado de preconceitos quando cita assim:
Os “caboclos” acreditam no feitiço como se fosse “uma coisa que numa pessoa, é uma coisa botada”. Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feitiço, mas apenas as mulheres o praticam. Essa prática se dá para o mal e para o bem (ASSUNÇÃO, 1994:36).
No que diz respeito às relações matrimoniais, Assunção afirma (através das falas dos moradores) que era comum à de um homem com várias mulheres, como nesta sua citação.
A união de um homem com mais de uma mulher é uma prática que vem desde os tempos mais antigos… Outra questão… é que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do mesmo grupo, entre membros que pertencem às famílias existentes no grupo.” A autora desse depoimento e sua irmã “vivem” com o mesmo homem, que é primo em terceiro grau (ASSUNÇÃO, 1994:40,41 e 42).
E, Assunção também cita, contrariando a vontade da comunidade, dois casos de união incestuosa.
Os “negros” mais velhos viveram na época e se lembram de casos como o do pai que teve filhos com sua filha, todos residindo na mesma unidade. Tiveram três filhos, estando vivo apenas um filho, que não reside no grupo. Esta criança foi dada para uma outra família, externa ao grupo. Houve também o caso de um irmão que teve um filho com sua irmã. Estes estão vivos e residem no próprio grupo. Mas desses casos os “negros” não gostam de falar (ASSUNÇÃO: 1994:43).
Mais um dado de questionável “importância” antropológica nos é ofertado, ainda por Assunção, quando em seu afã de ver tudo folclorizado até uma simples separação é colocada de forma atípica.
Outra situação que existe desde o tempo dos antigos é a prática de separação entre os cônjuges, quando consideram que o casamento se esgotou. Nesse caso, tanto o homem como a mulher podem se casar novamente, chegando até a se casar por três vezes, dando-se o evento, seja por motivo de morte, seja por separação (ASSUNÇÃO:1994;43).
Este texto, de Luiz Assunção, é exemplo de um discurso típico dos “brancos” do Seridó. Discurso este que aqui se transforma em “verdade científica” através da publicação e, consequentemente, a exposição de dramas particulares de uma comunidade negra. A consequência desta atitude é o conhecimento deste texto por pessoas da região e, através dele, a justificativa da exclusão da comunidade em políticas sociais.
Para o antropólogo João Pacheco de Oliveira, que tem uma ampla experiência com populações tradicionais, vale a observação sobre a responsabilidade dos antropólogos que trabalham com estas comunidades:
Devassar a intimidade dos grupos e famílias, revelar fórmulas secretas ou privativas de certos segmentos, coletar indiscriminadamente peças ou espécies naturais são práticas daninhas, que não podem nem devem ser atualizadas. Fazer quaisquer formas de registros, não estritamente individuais, reproduzíveis mecanicamente e passíveis de apropriação, uso e comercialização, terá que ser objeto de uma negociação direta com os indígenas, precedida de lima “consulta esclarecida”, que, rigorosamente, os informes das NEGRITUDE POTIGUAR _comunidades quilombolas 70 implicações e dos direitos que estão em jogo. (OLIVEIRA, 2013:61).
Textos mais recentes, os do Século XXI, tem uma outra versão sobre a história e a vida dessa comunidade. Como exemplo, temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que, dentre as inúmeras citações, escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos “brancos” do Seridó. Ela nos incita a
ver a população dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana, sem colocar em relevo aspectos de fórum íntimo. Um texto ético, enfim, que assim cita:
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade rural, localizada no município de Currais Novos/RN e formada por uma população de maioria negra) passam a lidar com uma nova questão: o reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos. A certificação pela Fundação Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificação das ações do Estado em função das demandas geradas a partir das políticas públicas afirmativas, que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra, cuja população é identificada como historicamente privada de direito à cidadania, à terra, enfim, às condições básicas de sobrevivência. (SILVA, 2009; 35)
Outro aspecto, particularmente importante para esse estudo, é a introdução do conceito “remanescente de quilombo”, que entra na comunidade com as políticas assistencialistas do governo do Estado. No plano nacional, a questão quilombola aparece em um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as associações camponesas
(Arruti, 2006).
No caso particular do Riacho, os poderes públicos foram idealizadores e gestores de uma política “quilombola”. Ali, a práxis política esteve associada ao assistencialismo público. Ainda assim, é interessante analisar as novas possibilidades de reafirmação da identidade étnica abertas pela utilização e apropriação do termo “remanescente de quilombos” pelos membros da
comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmação de uma identidade política.
A produção de uma memória acerca do passado e a legitimação histórica do sentimento de pertença vinculado a terra, com base em laços de parentesco, garante à comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos critérios de auto atribuição presentes no Decreto nº 4.887. Na tessitura histórica de identidades entre os habitantes do Riacho, a palavra “quilombola” constitui uma terminologia recente que nos dizeres da líder Tereza Filha, aparece como “Pirambola” quando, ao seu lado, alguém citou o termo. Essa alteração da palavra presente na fala de Tereza acena para a emergência de uma nova identificação, ainda precária, entre os moradores do Riacho (SILVA, 2009:43).
Sobre o termo “Quilombo”:
Em outras palavras, o termo “quilombo”, recente na comunidade, legitima, a partir de uma nova categoria, o sentimento de pertença a um território no qual vivem há mais de um século. No entanto, há resistências entre os moradores do Riacho em aderir à identificação “quilombola” (SILVA, 2009:45).
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmação:
A ideia de quilombo pressupõe uma ancestralidade negra que não está marcada apenas na cor da pele, mas está entranhada na história dos grupos. Reconhecer-se dentro dessa categoria significa ressaltar laços com a escravidão, sempre negados por tais comunidades como forma de defesa. Isto é, considerar-se quilombola implica em ressignificar as maneiras de conceber o “ser” negro e repensar a própria identidade sempre construída como o oposto do “ser” branco. Assim, os grupos precisam refazer-se a partir de uma identificação continuamente estigmatizada (SILVA, 2009:50).
Sem pretender estender a discussão que ora se apresenta, entendemos este último texto como uma referência positiva em relação ao débito histórico e acadêmico para com a população dos Negros do Riacho.
De forma geral, os textos que seguem apresentam este novo olhar. Um olhar que vê o outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais. Uma maneira de ver as populações negras rurais, das comunidades quilombolas, como grupos que detêm um saber tradicional sobre o território (meio ambiente) que ocupam com práticas de manejo tradicional. Ou seja, as particularidades são exemplos acumulados por experiência, testados e repassados às gerações que se seguem. Em relação às questões quilombolas aqui discutidas o Relatório Antropológico da Comunidade Negra Rural de Macambira, realizado pelo Antropólogo Edmundo Pereira, no ano de 2011 mantém este olhar mais socioambiental e político e menos exótico sobre a comunidade estudada.
Neste texto, Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relações que ligam as comunidades negras rurais em um processo de construção de uma identidade própria na região do Seridó. Chama a atenção para a escolha de estabelecimento destas comunidades, geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupação, também, em relação à água e à qualidade da terra. Existe uma história séria e grandiosa que deve ser colocada à mostra. A participação das comunidades negras rurais na dinâmica de ocupação das terras e na demografia da região do Seridó deve ser incluída na história regional.
Esta primeira versão, ponto inicial deste trabalho, abarca o período que vai de sua fundação em meados do século XIX, através da compra de algumas datas de terra por um mulato, alforriado (homem livre que na chã da Serra de Santana constituiria numerosa família), passando por sua descendência, de cujos intra e extracasamentos se formariam os troncos velhos (as famílias mais antigas, tradicionais), de que os membros atuais descendem e a partir dos quais, até a atualidade, estes se organizam e se pensam como um grupo étnico (Weber, 1999:275; Barth, 2000:27-28). Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboração deste documento, para entender a formação sócio histórica da Comunidade, e em especial as características da negritude nela encontrada, é mister refazer também a formação do campo intersocietário mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu, a saber, a ocupação dos sertões setentrionais do Seridó pela produção pastoril, no caso em particular no entorno do açude do Totoró, local de fundação das primeiras fazendas que levariam a formação da cidade de Currais Novos (Lima, 1990).  Isto não só por conta dos recursos teórico-metodológicos utilizados para pensar algumas das situações sociais (Gluckman, 1987; Oliveira, 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na Serra de Santana, mas também pela própria natureza do processo de formação sócio-histórico da Comunidade, no que pesam as relações que esta estabeleceu e estabelece com as demais comunidades da Serra e a população de cidades como Currais Novos, Lagoa Nova, Bodó e Santana dos Matos. (PEREIRA, 2011).
Podemos entender que a história destas comunidades começa a ser contada em um contexto diferente do que foi anteriormente. Uma história agora contada a partir do discurso dos moradores destas comunidades. Uma nova história para o Rio Grande do Norte, contemplando de forma honesta e ética a vida e a contribuição destas populações para o entendimento de suas condições atuais.
Um outro fator que merece destaque, na atualidade, é a crescente produção acadêmica sobre estas comunidades feitas pelos próprios quilombolas. Se antes eram comunidades pesquisadas, hoje se situam como donos e divulgadores de sua própria história. (Cruz, 2005; Andreia, 2014, Cândido, 2012).
As comunidades negras no rio grande do norte
O Rio Grande do Norte é um Estado que mostra formas de apropriações territoriais bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio Grande do Norte. A escravidão no Rio Grande do Norte foi, basicamente, em função dos engenhos de cana-de-açúcar (próximo do litoral) e da pecuária, nas fazendas do sertão. As comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte são, em sua grande maioria, oriundas desses dois processos de organização econômica: a pecuária no Seridó e a cana-de-açúcar.
Na região do Semiárido ou Seridó (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros não podiam sustentar muitos escravos devido aos longos períodos de estiagem. Os poucos que existiam viviam como vaqueiros ou em função de suas habilidades: barbeiros, ferreiros, músicos, seleiros, amansadores de cavalos e burros. Era comum a fuga de escravos da região do Brejo, na Paraíba, para a região do Seridó, no Rio Grande do Norte. Aqui conseguiam facilmente trabalho nestas ocupações. Não foram poucos os casos de escravos que ganharam glebas de terra, gado e até dinheiro como alforria. Explica-se: nas secas, os patrões ficavam numa situação muito difícil. E, assim, muitos faliam. Os escravos, por sua vez, sempre tinham algum dinheiro em função
de seus ofícios. Em algumas situações tinham o suficiente para emprestar. Estas negociações (que envolviam juros) eram organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Católica: a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
Na região próxima à Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas, como Macaíba, São José de Mipibu, Ceará-Mirim que demandavam uma quantidade expressiva de mão-de-obra escrava. Estes engenhos proporcionaram várias fugas que, por sua vez, originaram diversas comunidades quilombolas como: Sibaúma em Tibau do Sul, Capoeiras em Macaíba/Bom Jesus e Coqueiros em Ceará-Mirim.
Hoje, o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras identificadas. Destas, 28 (comunidades negras rurais) estão certificadas como remanescentes de quilombos. A seguir são mostrados dois mapas: o primeiro com a localização das 28 comunidades certificadas.
Figura 1. Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas.
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida na zona rural, algumas estão situadas em áreas urbanas. Assim, chegamos ao conceito de territórios negros como locais de referência negra (aspectos culturais e sociais, como o número expressivo de casas de religião de matriz africana e ameríndia, grupos de escolas de samba e capoeira.
enfim, dados que revelam uma raiz própria da cultura negra). Ou seja.
A territorialidade, como processo de construção de um território, recobre, assim, ao menos dois conteúdos diferentes: a ligação a lugares precisos, resultado de um longo investimento material e simbólico e que se exprime por um sistema de representações, de um lado, e, de outro lado, os princípios de organização – a distribuição e os arranjos dos lugares de morada, de trabalho, de celebrações, as hierarquias sociais, as relações com os grupos vizinhos. Quando falamos na territorialidade enquanto processo de construção de um território, o aspecto processual merece destaque, pois confere ao território um caráter plástico, isto é, em permanente conformação; não se refere, pois, a uma construção definitivamente acabada. (GODOI, In: SANSONE; FURTADO, 2014: 443)
O território é assim concebido como um espaço dinâmico e constantemente sendo avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populações quilombolas.
O mapa a seguir mostra os municípios que tem comunidades quilombolas identificadas (incluindo as que ainda não estão certificadas). E os outros territórios de referência de ocupação para as populações afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte.
Figura 2. Comunidades e territórios negros no Rio Grande do Norte.
Considerações finais
Pensar a questão das comunidades negras rurais (quilombolas) e, também, dos territórios urbanos no século XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste contexto: a invisibilidade social destas populações e a sua pouca acessibilidade às políticas públicas que lhes são destinadas.
Por outro lado, novos atores sociais surgem, ampliando, assim, o olhar sobre este universo. A maior novidade é o “público-alvo” (os quilombolas) sendo autores de sua própria história. Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades. A vontade maior é mostrar o racismo e, ao mesmo tempo, a capacidade de lutar e resistir destas comunidades.
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo paradigma. É necessário que exista um diálogo permanente entre pesquisadores (externos às comunidades) e as comunidades que são objeto de pesquisa. Um novo tempo com novos atores e um novo olhar, que seja o mais fiel possível às demandas destas populações. Menos exotismo e mais objetividade nestes textos novos.
O reconhecimento das práticas de manejo dos territórios ocupados por populações tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tão válido quanto o conhecimento acadêmico. Como resultado, as comunidades quilombolas passam a ser vistas a partir de seu contexto histórico, político e social como detentoras de direitos sobre o território onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instâncias numa rede de relações definidoras para políticas públicas inclusivas. Neste sentido, as comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaços por visibilidade e acesso às políticas públicas específicas para estas populações.
Referências
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// GODOI, Emília Pietrafesa de. Territorialidade. In: SANSONE, Lívio e FURTADO, Cláudio Alves. Dicionário crítico das ciências sociais dos países de fala oficial portuguesa. Salvador, EDUFBA, 2014.
// GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Herança quilombola: negros, terras e direitos. In, Moura, 2001.
//LEITE, Ilka Boaventura; CARDOSO, Luís Fernando Cardoso; e, MOMBELLI, Raquel (Org.) Territórios quilombolas: reconhecimento e titulação das terras. Boletim informativo do NUER/ Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas – v.2, n.2- Florianópolis, NUER/USFC, 2005
// MEDEIROS, Bartolomeu Tito Figuerôa de. Quando o campo é o quilombo: etnicidade, politicas patrimoniais e processos de negociação. In, TAMASO, Izabela Maria e LIMA FILHO, Manuel Ferreira (Orgs). Antropologia e patrimônio cultural: trajetórias e conceitos. Brasília: ABA, 2012.
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// MOURA, Clóvis (Org.). Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió: EdUFAL, 2001.
// SILVA, Dimas Salustiano da. Constituição e diferença étnica: o problema jurídico das comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil contemporâneo. In, Moura, 2001.
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Geraldo Barboza de Oliveira Junior | Antropólogo. Bacharel em Ciências Sociais (UFRN) e Mestrado em Antropologia Social (UFSC). Cursou também Economia (UFRN), Direito (UNP) e Doutorado em Demografia, mas não concluiu. Professor em faculdades privadas e pesquisador voluntário no Insti-tuto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte-IFRN no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas – NEABI e Núcleo de Estudos de Gênero, Educa-ção e Identidade – NEGEDI). Consultor em Programas de Desenvolvimento: Banco Mun-dial, Governos Estaduais e Municipais. Assessor voluntário em Comunidades Quilombo-las no RN e Ogã no Ilê Axé Ojisé Olodumare (Casa do Mensageiro), Bahia.

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