Memória do Cordel Potiguar: Pedro Jacob de Medeiros, um centenário de vida.

por NANDO POETA
Ponto de Memória Estação do Cordel

Sempre foi muito comum a presença de poetas de outras cidades potiguares e de outros estados, especialmente da vizinha Paraíba, habitando o chão natalino. Até então, era raro na poética do cordel ter natalense mergulhado na produção dos versos cordelianos. Pedro Jacob de Medeiros foi esse personagem pioneiro, nascido em Natal (RN) no dia 25 de setembro de 1922, que navegou pelos mares do cordel.

ANTES DE PRODUZIR SEUS CORDÉIS, Pedro Jacob, ainda jovem, viajou com seus pais e residiu em outras cidades, como Nova Cruz (RN), Recife (PE) e Fortaleza (CE). Será que o poeta não teve algum tipo de contato com esse gênero literário pelas cidades em que passou? E bebeu na fonte dessa arte, que o deixou maravilhado, considerando que todas as cidades em que abrigou a família do poeta tiveram uma familiaridade com o cordel?
Nova Cruz, cidade potiguar, trincheira da produção de cordel nas primeiras décadas do século XX, a partir de seu parque gráfico e por ser a porta de entrada dos poetas paraibanos que influenciaram bastante com sua poesia na região; Recife, que se transformou em principal centro de atração dos poetas de cordel no final do século XIX, potencializando a produção da poesia; e Fortaleza, que também tem a sua importância no mundo poético. Provavelmente, a sua vivência por onde caminhou deve ter influenciado os seus passos na trilha do cordel. 
O poeta e xilogravurista Pedro Jacob, que completaria seus 100 anos de vida se estivesse entre nós, escreveu seu primeiro cordel em 1940, com o título “O Barbeiro Dentista”, falando da saga de quem precisasse fazer um tratamento dentário.
“Antigamente os dentistas
Não usavam boticão,
Usavam navalha, pente,
E espuma de sabão;
Como não tinha seringa,
Também não dava injeção.
Cordelista, folheteiro, xilógrafo, professor, servidor público federal, residente a Rua Ivo Furtado, 414, bairro Cidade Nova, Pedro Jacob foi orador da Sociedade Beneficente Nova Esperança, no bairro Dix-Sept Rosado.

O cordelista, talvez por ter sido professor em Fortaleza, teve a iniciativa de levar o cordel para as escolas, apostando na poesia como um instrumento de mediação na aprendizagem.

Isso não foi uma tarefa fácil, porque encontrou no caminho educadores que não compreendiam o valor do cordel como um elemento na prática educacional. Como podemos constatar na afirmação de uma suposta diretora de escola, repassada ao pesquisador Gutenberg Costa por Pedro Jacob: “Não quero esse tipo de Literatura para meus alunos”. Esta postura preconceituosa povoou durante muito tempo o universo do cordel, que muitos enxergavam como uma literatura de pouco valor. E até hoje, apesar de ter sido reconhecida como um patrimônio cultural imaterial brasileiro, ainda está fora dos currículos dos cursos de Letras da maioria das universidades brasileiras.
Geralmente, quando nos deparamos com situações desse tipo, temos a mesma reação que o poeta Pedro Jacob teve: ficar “triste e decepcionado” com a visão deturpada de uma gestora escolar. Mas, nem por isso desistiu. Muito pelo contrário, o poeta “oferecia-se gratuitamente às direções das escolas públicas de Natal, no intuito de mostrar seus folhetos e palestrar sobre nossa Literatura de Cordel com os estudantes” (MEDEIROS, 2004, p. 197).
Logo percebeu que o cordel, que sempre teve como arena principal as praças e feiras livres, poderia ganhar espaço nas unidades escolares, e passou a percorrer as escolas públicas, especialmente da Zona Oeste da cidade de Natal, região em que habitava, divulgando a sua poética. Suas visitas às escolas tinham o intuito de propagar as suas obras junto aos profissionais da educação e estudantes. Com o cordel nas escolas estava convicto que este gênero literário alimentaria a comunidade escolar no seu hábito de leitura. Dedicou-se de corpo e alma, entrincheirando-se no mundo poético e fazendo propagar o cordel nas mentes humanas.
Sabia que a sua comunidade, privada dos seus direitos sociais e econômicos por viver submetida a escassez de serviços essenciais (transporte, moradia, educação, saúde, saneamento básico), sem ter acesso aos equipamentos culturais, precisaria de um canal de escape.

A poesia, especialmente conduzida por seus folhetos viabilizados geralmente com seus próprios recursos, era um instrumento valioso no trabalho escolar.

Para fomentar o seu trabalho poético, Pedro Jacob buscou ser parte do movimento coletivo. No seu bairro Cidade Nova organizou a Casa da Poesia. Para dar vazão à propagação dessa arte, ele passou a integrar a Sociedade dos Poetas Vivos – SPVA, participando do Caderno “Poesiativa”.
Percebeu que ele mesmo poderia produzir as ilustrações para as capas de seus cordéis, então, passou a desenvolver a técnica da xilogravura. No ano de 1980, o Projeto Memória da UFRN, através da Editora Universitária, organiza uma coletânea de xilogravuras trabalhadas por artistas norte-rio-grandenses, “Gravura Popular”, assinadas pelo poeta Pedro Jacob e o professor xilogravurista Alcides Sales.
O poeta teve uma produção bastante extensa, abordando diversas temáticas, mas uma em especial nos chamou atenção, foram os cordéis produzidos sobre os registos de crimes bárbaros ocorridos por toda parte. Confira alguns títulos desta produção: O crime do Bom Pastor; O Monstruoso Crime de Capim Macio; A prisão de Vilarim, o monstro de Capim Macio; Bárbaro Crime em Goianinha; O Crime de Padre Hosana em PE; O Monstro de Cabo Frio, O Crime de Antonio Sapo, O Monstro de Açu, A vida de Brinquedo do Cão; No mundo do crime; O Crime da bandeira dois; Os Crimes de Caicó e O Monstro de Cruzeta, entre outros.
Ao longo do tempo, o cordel como gênero literário sempre abraçou as diversas temáticas. O Poeta Pedro Jacob não fugiu da trilha dos seus antecessores, seguiu em frente, desenvolvendo as suas histórias sobre o cotidiano de seu povo.
Pedro Jacob de Medeiros encantou-se aos seus 77 anos, em 16 de agosto de 1999, acometido de complicações cardiológicas. Em 2022, ao comemorar o seu centenário, aproveitamos para relembrarmos desse poeta tão atuante na cena natalense, que permanece vivo entre nós através da sua produção poética.
Na ocasião do ocasião do seu encantamento, o jornalista Paulo Augusto, presidente do SPVA e jornalista responsável pelo Suplemento Cultural do Jornal de Natal, O Encartes, escreveu um artigo afirmando que Pedro Jacob era um “cordelista e poeta popular dos mais inspirados, além de um impecável cavalheiro no trato com as letras. Um Dom Quixote de Subúrbio.”
O seu legado ficou para as gerações futuras, para as quais o cordel pode ser um instrumento agregador no processo de aprendizagem. Se antes as feiras livres e as praças públicas eram espaços de convivência para este gênero literário, hoje podemos constatar que a escola pode ser um palco privilegiado para a propagação dessa arte.
REFERÊNCIA
Projeto Literatura Popular – Projeto Memória da UFRN – 1980.
Jornal de Natal – Artigo “500 anos – O estrangeiro da terra brasilis”, do jornalista Paulo Augusto – 1999.
COSTA, Gutenberg, Dicionário de poetas cordelistas Rio Grande do Norte. Mossoró: Queima Bucha, 2004.

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