Manoel Camilo dos Santos, uma estrela do cordel em solo natalense.

por NANDO POETA
Ponto de Memória Estação do Cordel

 

Manoel Camilo dos Santos, uma estrela do mundo cordeliano, habitou durante um período a capital potiguar. Natal, a cidade dos três Reis Magos e banhada pelo rio Potengi, foi tocada pelo poeta sonhador.

Naquela época, o poeta guaribirense já era consagrado no seio da seara cordeliana, iniciando a sua participação em 1936 como cantador na cidade de João Pessoa (PB). Mas, logo em 1940, muda-se para Campina Grande no interior paraibano e passa a escrever seus versos, retornando à sua cidade natal, Guarabira (PB), onde inicia a carreira de editor fundando a Tipografia e Folheteria Santos, em 1942.
“No ano de quarenta e dois
Fixei a profissão
Publiquei primeiramente
Uma grande procissão
E Missão, em Mulungu
Feita por Frei Damião”

(SANTOS,1979, p. 86)

“Em quarenta eu deixei
De cantar porque fui vendo
Que para mim não servia
Porém fiquei escrevendo
Graça a Deus até hoje
Deste ramo estou vivendo”

(SANTOS, 1979, p. 86)

Adquirindo mais experiência e os negócios crescendo, decide transferir-se para um centro maior. Assim, em 1953, retorna para Campina Grande. Em 1957, com a Folheteria se firmando no mercado, muda a razão social da empresa que passa a se chamar Editora Estrella da Poesia, brilhando ainda mais no mundo do cordel.
“No ano de cinquenta e três
Transferi minha oficina
De Guarabira a Campina
E foi uma sensatez,
Pois passei logo de vez
A meus produtos aumentar
E cheguei a comprar
Uma boa máquina elétrica
Com perfeição e estética
Melhor pude publicar”

(SANTOS, 1979, p. 40)

Desta maneira, o poeta já era bastante conhecido no mundo poético do seu tempo. Autor de uma das mais belas obras cordelianas, Viagem a São Saruê, lançada em 10 de março de 1949, idealizava um país em que todos poderiam usufruir da riqueza produzida por suas próprias forças. E soltou o verso:
“Doutor mestre pensamento
Me disse um dia: – Você
Camilo vá visitar
O país São Saruê
Pois é o lugar melhor
Que neste mundo se vê…
…O povo em São Saruê
Tudo tem felicidade
Passa bem anda decente
Não há contrariedade
Não precisa trabalhar
E tem dinheiro a vontade…”
Em 1962, o poeta Manoel Camilo tenta trilhar pelo mundo da política e sai candidato a deputado estadual na Paraíba. O resultado eleitoral foi uma verdadeira ducha fria. A expectativa em ser eleito evaporou-se, não conseguiu ser correspondido, terminando por se frustrar como ele próprio aponta em sua autobiografia.
“No ano de 1962, firmado na insistência da classe poética, estribado na confiança dos amigos e munido dos apoios do Presidente da República (Dr. Jânio Quadros) e do Governador (Dr. Pedro Gondim) candidatei-me a Deputado Estadual pelo Partido Republicano, sobre os números 1516. Fui muito bem votado, mas meus votos não apareceram, foram camuflados, subornados (levaram sumiço)…
…Eu os respondia como ainda hoje respondo: – Isto foi a fraude, o suborno, a roubalheira dos oligarcas mandões que queriam continuar sendo os caudilhos intactos, inconstitucionalizando assim as eleições populares que é a via respiratória da vida nacional…” (p. 41)
A referência que Manoel Camilo faz ao apoio vindo do Presidente da República, na verdade o presidente da época era João Goulart, já que Jânio Quadros eleito, na eleição presidencial de 1960, havia renunciado no início de seu mandado e o vice João Goulart assumiu a presidência.
O poeta que nutria uma esperança de ser eleito, quando percebeu o tropeço, ficou extremamente decepcionado. Revoltado com a política, juntou a situação da sua crise conjugal desembocando na separação, levando por anos uma desilusão e trazendo um certo transtorno para sua vida.
Manoel Camilo, diante da tamanha decepção, vendeu parte de seus equipamentos tipográficos. Visto que não conseguia se estabilizar emocionalmente, decidiu deixar de vez Campina Grande e tentar recomeçar a vida em outra paragem, optando por Natal. Como descreve em seus poemas, foi morar num quartinho distante de seus familiares.
A passagem do poeta por Natal foi um período, pelo que se sabe, curto. Dizem que não ultrapassou os três anos. Registros que comprovam sua estadia são raros. Os jornais da época não deram a decida importância ao poeta, passando batida a presença de uma celebridade da poesia em nosso território.
A chegada de Manoel Camilo em Natal, com certeza, não se deparou com o paraíso sonhado pelo poeta. A capital potiguar na década de 60 e nos primeiros anos de 1970 era uma pacata cidade com seus fortes traços interioranos. Ainda tínhamos o hábito de sentarmos na calçada de casa e passar horas papeando nas esquinas das ruas. Ficar nos bancos das praças proseando com os amigos. Assistir com prazer as rodas de folheteiros no meio das feiras e praças.
Era uma cidade ainda sob o domínio das famílias oligárquicas, Alves e Mariz, dividida entre o vermelho e o verde com a batuta do regime militar. Foi nesse ambiente angustiante que a seara poética habitou feiras e praças da cidade. Os poetas que passavam por Natal terminavam desembarcando na capital espacial.
As estrofes de seus cordéis revelam que o poeta Manoel Camilo andava desiludido e estava na busca de novos ventos. Ao chegar em Natal, fixa-se no bairro do Alecrim, o mais populoso e com seu intenso comércio popular. No verso, ele situa seu local de moradia nos arredores do Mercado Central, um espaço comercial que aglutinava uma variedade de mercadorias, dentre elas o folheto de cordel, o folheto de feira ou simplesmente o verso, como era chamado naquele tempo.
O Mercado Central ficava na Avenida Onze, próximo à Avenida Três. Manoel provavelmente hospedava-se em uma das pensões da época, que geralmente eram os locais que abrigavam os viajantes. A hospedaria em que ficou, precisamente se situava à frente do mercado.
A presença do poeta Manoel Camilo na cidade de Natal é confirmada, apesar do pouco registro de sua estadia pela cidade de Cascudo. Os cordéis do próprio poeta apontam os rastros de seus passos, apesar de alguns desencontros.
Não sabemos com precisão o período em que Manoel Camilo dos Santos se fixou na cidade de Natal. Um de seus cordéis com o título “A ressureição do poeta que não Morreu”, em uma das estrofes indica o ano de 1969.
“No ano sessenta e nove
Eu me achava em Natal
Morando em um quartinho
Junto ao Mercado Central
Sem família, sem parente
Sem um amigo afinal….”
Já no seu livro “Autobiografia do poeta Manoel Camilo dos Santos”, traz trechos de seus poemas em que já apresenta o ano seguinte, 1970, como de sua chegada a Natal.
“Em setenta me transportei
De Campina para Natal
E naquela capital
Muito bem me iniciei,
Mas em Campina deixei
Mesmo em minha habitação
Duas filhas de criação
Juntas com a dita mulher
Que por desdém ou mister
Foi me negando afeição. ”
É possível que o poeta tenha se deslocado no ano de 1969 para Natal e com o falecimento de sua genitora, a senhora Maria Tomaz Ferreira dos Santos, no dia 9 de outubro de 1969, tenha retornado para o sepultamento na cidade do Recife. E de lá tenha ido rever seus familiares em Campina Grande, como é citado na estrofe do cordel presente na sua Autobiografia.
“No dia dez de outubro
Notícia me foi chegada
– Minha mãe morta em Recife
Viajei de madrugada
Chegando lá minha mãe
Já tinha sido enterrada.
Eu voltei inconsolável
E quando em Natal cheguei
Abri a porta do quarto
E novamente fechei
Estirado em uma tábua
A noite em lágrimas passei.
E ali sofri três anos
De setenta a setenta e três
Sendo que em setenta e dois
Eu arriei de uma vez
A o mal de mais a mais
Aumentando a rigidez”.
Os versos de Manoel Camilo dos Santos já eram comercializados em Natal antes mesmo do poeta pisar em nosso solo. Nas contracapas de seus cordéis comercializados na década de cinquenta, apontava o local em que seus livros poderiam ser adquiridos em na cidade.
O agente de folhetos Antônio Emídio da Silva, em sua residência na rua Coronel Estevam,1325, muito conhecida como Avenida 9, bem próximo à Feira do Alecrim na Avenida 1, era o espaço em que os poetas deixavam ou enviavam seus folhetos para serem vendidos ao público.
Na época em que Manoel Camilo se fixou em Natal não temos registro da instalação da sua Editora Estrella da Poesia com seu parque gráfico. Geralmente seus cordéis eram reproduzidos nas gráficas da cidade, preservando o logo de sua Editora.
Na região em que Manoel Camilo morava no bairro do Alecrim era comum as apresentações dos folheteiros, tanto na Praça Gentil Ferreira, transformada em palco para os artistas de rua, como em frente à sua residência, o Mercado Central, também um espaço de reuniões poéticas. Neste Mercado o repentista e cordelista Chico Ramalho mantinha um estabelecimento em que comercializava seus folhetos. Provavelmente tenham se cruzado nas rodas de poetas.
Tudo indica que Manoel Camilo fazia sua divulgação nesses espaços públicos. Ele não gostava de cantar os seus versos nas feiras. Geralmente, o poeta tinha uma forte habilidade para desenvolver a leitura de suas obras e pela leitura optava.
A passagem do poeta Manoel Camilo por Natal não foi nada fácil, adoecido, provavelmente com complicações na próstata, ficou vulnerável a uma situação precária com seu corpo extremamente frágil, passando por internações em hospitais da cidade.
“Sozinho sem ter com quem
Compartilhar minha dor
Já doente, aí cresceu-me
A tristeza e o dissabor
Sozinho, sem pai, sem mãe
Sem família, que horror.
Fui levado ao hospital
Muitas vezes sem querer
Porém não tendo dinheiro
Nada podia obter
Voltava sempre pior
Já em tempo de morrer.
Em Natal o poeta tinha uma roda de amigos, tentaram ajudar, mas que não foi o suficiente para garantir as condições necessárias para Manoel conseguir um tratamento adequado.
Alguns amigos dali
Me foram muito legais
Como Francisco Rodrigues
Mourão, Manoel Morais
Durval e Zé Xavier
Francisquinho e outros mais.
Porém eu tenho um amigo
Em Natal (é gente boa)
Que havia prometido
Me levar em João Pessoa
Quando eu quisesse ir
E não foi promessa atoa.”
A família, informada da sua situação de saúde cada dia agravada, resolveu chegar junto, apesar da presença dos familiares não ser muito do agrado do poeta.
“Depois chegou a família
Mas em vez de ser melhor
Pois assim devia ser
Porém foi muito pior
Porque além do dispêndio
O aperreio foi maior.
Mas a família diante da gravidade tanto de saúde como a sua situação de moradia, que estava preste a ser despejado, pela falta de pagamento do aluguel, resolve alugar outro quarto.
Já estava em outro quarto
Que a família arranjou
Pois no que morei três anos
O aluguel atrasou
Quatro meses, mas o dono
Meu amigo, dispensou.”
Diante do agravamento do seu quadro de saúde, o poeta Manoel Camilo foi convencido que o mais prudente seria realizar seu tratamento em João Pessoa, por existir uma rede maior de apoio e, assim, os familiares poderiam dar um intenso suporte.
Chegou em João Pessoa recebido por parentes e amigos que o acolheram, enquanto localizava um hospital que pudesse realizar a cirurgia. Seu compadre Sebastião José agilizou os contatos e conseguiu uma vaga para internar o amigo, possibilitando a realização da intervenção cirúrgica, que foi um sucesso, durando apenas 45 minutos, surpreendendo a todos.
“Logo por seu intermédio
Arranjaram para mim
Internamento e bom médico
Exame, sangue em fim
Tudo que foi necessário
De bom e nada ruim.
Ali passei trinta dias
Depois da operação
Bem tratado e assistido
Em toda ocasião
Por enfermeiras e também
Por todo cirurgião.”
Depois da realização da cirurgia, permanece em João Pessoa, por um bom tempo, até restabelecer a sua saúde. Após o tratamento, retorna à Natal.
“Ao sair do hospital fui recuperar-me um pouco em casa de uns parentes. Quase recuperado de tudo e com auxílio daqueles mesmos parentes fui à Natal.” O seu retorno à cidade potiguar continuou o seu calvário. Não conseguindo se estabelecer, resolveu de vez abandonar a ideia de ficar por aqui e decidiu voltar à sua terra Guarabira.
Foi na estação do trem e despachou: “…uma cadeira e uma estante com alguns dos meus livros… Mas depois verifiquei que os poucos cruzeiros que me restavam mal deram para pagar o despacho dos objetos e não para minha passagem…
Tentei arranjar a passagem com algum conhecido, foi de balde. Anoitecera e eu sem um único cruzeiro com que tomar um café. ”
Veja a situação em que chegou o poeta Manoel Camilo, em Natal, precisamente abril de 1973. Na rua da amargura, o poeta cai numa “situação de abandono, de miséria e de tristeza. ”
O cordelista perplexo, pensativo, indaga:
“E aonde dormir? Saí perambulando pelas ruas, as pernas trôpegas pela anestesia da operação que estava recente, andei em várias praças, sentei-me em alguns dos seus bancos, cansado, com fome, sem o mínimo arrimo na vida.”
Era uma sexta-feira santa, pensava o poeta no sofrimento de Jesus Cristo vivido há tanto tempo atrás. Agora, ele amargava o seu próprio sofrimento.
“Eu me achava também carregando a minha cruz, não de madeira e sim de fome, de tristeza e de abandono…”
Sentado no banco, “gotejando lágrimas e tão embevecido” em sua tristeza, duas jovens sentadas ao lado, tem piedade daquele senhor, e o leva à sua casa. A mãe das jovens o chama para jantar, na mesa o café acompanhado por bolo, biscoito e queijo. A fome do poeta partiu.
A senhora Dona Marocas e sua filha Izabel, sensibilizada com aquela situação resolve ajudá-lo. “Deram-me dormida confortável e pela manhã me levaram até a Rodoviária onde me entregaram uma passagem até Guarabira. (Que Deus as recompense).”
O poeta Manoel Camilo deu seu adeus à Natal, a cidade que ele pelejou para sobreviver, mas as pedras no meio do caminho, fincada como rochedos, obstruíram a sua passagem.
Não foi aqui a sua São Saruê, pelo contrário, foi o inverso de seu sonho. Mas como todo poeta sonhador, persistiu e prosseguiu na sua caminhada, se estabelecendo de novo em Campina Grande, retornando às suas produções até o dia de seu encantamento, em 8 de abril de 1987.
A sua viagem, o seu sonho de um país de São Saruê, está presente em nosso caminho. Seguiremos em frente na busca daquela cidade idealizada por Manoel Camilo dos Santos. A riqueza edificada pelo trabalho coletivo que possa um dia ser usufruída por todos que tomaram parte da sua construção.
Estaremos sempre erguendo o estandarte da Viagem de São Sarué, e no chão natalino, em que Camilo caminhou pelo bairro do Alecrim, agora damos a partida para resgatar a memória da sua rápida passagem pela cidade de Natal.
Meus agradecimentos ao pesquisador José Paulo, conterrâneo de Manoel Camilo dos Santos, que contribuiu com informações e orientações para a construção de nosso artigo, em nome da memória do cordel em Natal.
E ao meu pai, Manoel Soares com seus 96 anos, filho também de Guarabira, que sempre falava sobre a sua cidade com amor. Cresci e descobri que lá transbordava de poesia.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 
BATISTA, Sebastião Nunes. Antologia da Literatura de Cordel: Natal/RN: Fundação José Augusto, 1977.
COSTA, Gutenberg, Dicionário de poetas cordelistas Rio Grande do Norte. Mossoró: Queima Bucha, 2004.
SANTOS, Manoel Camilo dos. Autobiografia do poeta Manoel Camilo dos Santos. 1ª.ed. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1979.
SANTOS, Manoel Camilo dos. A ressureição do poeta que não morreu. Campina Grande: Estrella da Poesia, 1976.
SOUSA, Maurilio Antonio Dias de. A Estrela da Poesia: Impressões de uma trajetória. Salvador -BA: UFBA, 2009.
VIANA, Chico. Estudos em Literatura Popular. Considerações sobre a autobiografia do poeta Manoel Camilo dos Santos. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2004.

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