O ex-Beatle Paul McCartney completou, há dias, 80 anos de idade. A notícia não podia me deixar indiferente, afinal, Gilberto Gil também adentrou esse clube restrito dos octogenários, ao lado de Roberto Carlos (81) e do genial Brian Wilson, fundador do Beach Boys.

 

por NILO EMERENCIANO // arquiteto e escritor
 
 
Cresci ouvindo os velhos discos de meu pai: Ângela Maria, Francisco Alves, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas. O advento da bossa nova, confesso, me passou praticamente despercebido. Mas novos sons pintavam no horizonte, primeiro com umas baladas-rock ingênuas, na voz de Cely e Tony Campello – Estúpido Cupido, Banho de Lua – depois um rapaz ousado que cantava o Calhambeque e mandava tudo para o inferno. Mas de um lugar distante, Liverpool, surgiu um grupo de rapazes cabeludos que passou a ocupar as paradas de sucesso: os Beatles. E de repente todos nós queríamos aprender inglês para entender aquelas letras além de deixar o cabelo crescer para desespero dos pais.
Vocês não imaginam o que era a Natal daqueles anos. Só havia um curso de inglês, a Sociedade de Cultura Brasil-Estados Unidos – SCBEU que fazia a cabeça dos alunos por uma simpatia pelos EUA. Chamávamos aos garotos privilegiados que ali estudavam de americanalhados. A oportunidade de contato e troca de discos e revistas era no colégio. Os mais descolados se arriscavam ao violão e formavam grupos, todos inspirados nos 4 fabulosos. Guitarra solo, baixo, ritmo e bateria. Os Jetsons, os Infernais, Vândalos, Impacto Cinco. Os bailes (ninguém chamava baladas) aconteciam nos clubes.
LP IMPACTO CINCO – LÁGRIMAS AZUIS – 1975
As vesperais do ABC, ao embalo do Impacto Cinco, marcaram aquela geração. Na estrada de Ponta Negra o Hippie Drive-in inaugurou um novo conceito de boate. Até zoológico havia no seu espaço. Além, claro, de música ao vivo em um dancing minúsculo. E a gente brincava: se você pretende/saber quem eu sou/eu posso lhe dizer/entre no meu jipe/na estrada do hippie/que você vai me conhecer…
A efervescência cultural reinante na cidade trouxe também os festivais de música realizados no Palácio dos Esportes ou no ginásio do SESC. Nos de MPB brilhavam Mirabô, Ivanildo, Napoleão, Roberto Lira. “O amor brinca de roda/de ciranda, cirandar/todo mundo entra na roda/todo mundo pode entrar”. Nos de rock, a rivalidade era entre o the Jetsons e o Impacto Cinco, mais antenado. Eram noites memoráveis de guitarras, sonhos e emoções.
Colagens elaboradas por Falves Silva

Nas artes, a turma ousava. Falves expôs seus desenhos na antiga boate Francesinha, local absolutamente inusitado.

A Fortaleza dos Reis Magos foi palco de inesquecíveis festivais e acolheu um grupo de teatro da Bahia que encenou Macbeth entre suas muralhas. A galeria do Povo, iniciativa de Eduardo Alexandre, na Praia do Meio, era point da galera que vinha da sessão do cineclube no cinema Nordeste. E toca a discutir Blown Up, de Antonioni, o Sétimo Selo, de Bergman ou Teorema, de Pasolini. E em se falando em Cineclube, o grupo trouxe a Natal Jean-Claude Bernadet e Paulo Emílio Sales Gomes para um maravilhoso ciclo de projeções e discussão sobre o cinema novo no auditório da FJA. Em tela, Porto das Caixas (Paulo César Saraceni), São Paulo S/A (Luis Sérgio Person) e A Opinião Pública (Arnaldo Jabor). Em São Paulo SA nossa Isaltina, ali da rua da Misericórdia, aparecia como uma médium curandeira.
O pessoal das HQs também agia intensamente. Emanoel Amaral, Lindenberg, Reinaldo Azevedo e Pinheiro, criaram o GRUPEHQ – Grupo de pesquisa de histórias em quadrinhos e veiculavam as tiras do Super-Cupim, do Coveiro e do Bispo de Taipú nas páginas do Diário de Natal.
O Teatro Alberto Maranhão tinha seus anos dourados. A peça Macunaíma, com certeza, foi o que de melhor pudemos ver. Augusto dos Anjos, poeta e cidadão brasileiro, de Rofran Fernandes, estreou em Natal e teve um belo texto de Newton Navarro, onde ele mostrava ao poeta a nossa cidade. No palco, entre outros, Serginho Dieb e Amaro Lima.
Uma revolução acontecia nos costumes. O governador Cortez Pereira inaugurou o bosque dos namorados para que os jovens pudessem, enfim, namorar sossegados. Os rapazes usavam calças boca-de-sino e as garotas minissaias ousadas. O soutien havia sido mandado para o espaço. Na praia dos Artistas as tangas mínimas se impunham à caretice de alguns. E, claro, surgiram os primeiros motéis na zona sul da cidade. Alcyone Dowsley criou o motel Tahiti, insuperável. E ainda anunciava em faixas: “Pai, leve mamãe para o Tahiti. Ela também merece”. Para os lisos, a Transamazônica servia.

Às vezes me perguntam como foi viver sob a ditadura. Respondo: a gente sobreviveu.

Com sequelas, perdas, ausências e planos que não puderam se concretizar, mas sobrevivemos. E acreditem, nos divertimos, apesar de tudo. Tivemos, é forçoso admitir, um belo fundo musical. Chico Buarque, o Clube da Esquina (Milton Nascimento, aliás, completa 80 em outubro), Mutantes, Gal Costa, Ellis Regina. Tantos que emprestaram sua testa procurando coisas pra se cantar. Há várias canções que expressam o nosso sentimento. Não vou sair, de Nilson Chaves, não sei o porquê, é a que toca o meu coração. “A geração da gente/Não teve muita chance/De se afirmar/De arrasar/De ser feliz (…) Não vou sair/Melhor você voltar pra cá/Não vou deixar esse lugar/Pois quando tava me arrumando/Pra ir/Bati com os olhos no luar/E a lua foi bater no mar/E eu fui que fui ficando.”

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