A Cultura Popular perdeu no sábado (21/5) o Mestre Luiz Paixão, 73 anos, rabequeiro pernambucano, e o Mestre Geraldo do Coco de Zambê potiguar.

Fotografias: Ramon Vasconcelos
O Mestre Luiz Paixão dedicou-se por mais de seis décadas ao instrumento da rabeca, deixando importante legado também como brincante do Cavalo Marinho. Ele foi professor de Rabeca no Conexão Felipe Camarão, onde participou de ações do projeto, a exemplo do Conexão Brasil do ano de 2012.

 

O Mestre Geraldo do Coco de Zambê também fez parte das ações do Conexão Felipe Camarão, sendo um grande parceiro desse projeto. “O folclore do Rio Grande do Norte está de luto”, afirmou o presidente da Comissão Norte-rio-grandense de Folclore, Gutenberg Costa, ao comunicar o “encantamento” do Mestre Geraldo. Ele diz que foi levado ao encontro do Mestre pelo saudoso Deífilo Gurgel, em companhia de Severino Vicente. “Depois, lá estivemos várias vezes”, completa ao lamentar a morte de mais um importante e querido mestre do folclore potiguar.
A percussionista Maíra Soares explica que o Coco de Zambê de Mestre Geraldo se originou e se organiza até os dias atuais dentro do distrito de Cabeceiras, pertencente ao município de Tibau do Sul, Rio Grande do Norte. “O Zambê é um instrumento obtido a partir do processo de escavação de um tronco de madeira, que pode ser de mangueira, jenipapo, e mais recentemente, de cupiúba. Essa tem sido a madeira mais utilizada no feitio dos instrumentos nos últimos tempos, pois ela é mais fácil de ser escavada e resulta num instrumento um pouco mais leve, segundo a narrativa dos integrantes do grupo”. Ela acrescenta que Mestre Geraldo, como carpinteiro,  sempre fez questão de fabricar seus próprios instrumentos com ajuda de alguns de seus filhos.
“O Coco de Zambê é uma das especificidades do gênero coco, e, segundo pesquisas
já realizadas, ocorre exclusivamente no estado do Rio Grande do Norte. No Coco de
Zambê de Mestre Geraldo apenas homens podem dançar ou executar os instrumentos,
além do fato de ser formado apenas por membros da família do próprio Mestre”, declara Maíra chamando a atenção para a transmissão musical e seus valores culturais dentro do grupo. “Se mantém em plena atividade e possui uma imensa consciência do seu papel para a manutenção e difusão da cultura do Zambê, sendo assim, um grupo muito importante no contexto da
música tradicional potiguar”.
Ela informa que essa musicalidade despertou o seu interesse quando, por volta do ano 2000, teve contato com um disco do artista potiguar Galvão Filho, que trazia como abertura
um canto de Zambê e toda aquela sonoridade peculiar que não se assemelhava a nada que já havia escutado. “Os grupos de tradição, de forma geral sempre despertaram o meu interesse, e, sobretudo quando comecei a estudar e tocar percussão popular, esse interesse passou de uma simples curiosidade para o âmbito da necessidade de conhecimento dessas manifestações para construção de uma identidade musical e profissional como percussionista”.
Maíra lembra que em 2008 viu pela primeira vez o grupo do Mestre Geraldo numa
apresentação na FLIN (Feira Literária de Natal). “Na ocasião pude perceber a força dessa
manifestação e a beleza dessa música e dança, o que me motivou a pesquisar e adentrar
um pouco mais nesse universo”. Anos depois (2018), uniu o interesse pessoal e profissional sobre o Coco de Zambê à sua pesquisa de mestrado, trazendo a visão de intelectuais como Mário de Andrade, “que em sua expedição realizada nas regiões Norte e Nordeste do Brasil no final da década de 1920, pôde compreender a complexidade e diversidade dos cocos existentes na região nordeste”.
O grupo Folia de Rua Potiguar publicou em suas redes sociais que a tristeza invade os corações quando um Mestre se torna Encantado. “Também bate uma grande angústia de ver os nossos representantes máximo da Cultura Popular partindo, sem beber a água da nobreza que deviam ter recebido por parte dos nossos governantes e representantes. Agora, o Mestre vai aparecer pintado em muro de algum beco para render votos, ou talvez faça parte de um fundo para captação de recursos de uma lei qualquer. Mas, em vida, nunca recebeu a atenção que merecia do estado”.
Não fumava charuto caro
Não era “dotô”
Não tinha mestrado
Mas era Mestre do Grande Saber
Partiu o Mestre Geraldo
O Zambê silencia
Com ele, uma boa parte da nossa história ancestral.
Quem bebeu da sua água – Bebeu.
O Folia de Rua Potiguar silencia os seus Tambores.
Jamais a sua voz de protesto e insatisfação.
O folclorista Severino Vicente, presidente da Comissão Nacional de Folclore, se diz triste com a partida do Mestre Geraldo. “Poucos como seu Geraldo deixam um legado que não fica ameaçado pela descontinuidade. O grupo da comunidade de Cabeceiras continua sua tradição centenária, de pai para filhos, netos e bisnetos, assim tudo em família, sem interferências de estranhos”. Na sua opinião, o Mestre soube preparar a família. “Dessa forma o grupo continua firme, forte a desafiar a época dos equívocos, provando que é possível manter vivo uma tradição quando o amor e compromisso estão acima de tudo. Fica o exemplo do Mestre Geraldo, para o RN e o Brasil de que é possível dar continuidade às nossas tradições folclóricas nesses tempos de modernidade líquida. A Comissão Nacional só tem que agradecer a esse grande Mestre do folclore potiguar. Vai em paz mestre, fizestes o que tinhas que fazer, um exemplo para as atuais e futuras gerações”.

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here