Futebol&Eleições: Arrombar a festa.

 

por NILO EMERENCIANO // arquiteto e escritor
 
Em 1963 o Bangu FC, do Rio de Janeiro, montou uma grande equipe de futebol. Seu maior expoente era o craque Paulo Borges. O time de Moça Bonita triturou os adversários, vencendo Botafogo, Vasco e Fluminense e chegou à final contra o Flamengo como o franco favorito. Tudo poderia ter acontecido como um jogo normal, com vencedor, taça, faixas, volta olímpica e tudo o mais. Mas não foi assim que aconteceu.
Reprodução Canal 100
O jogo acabou em uma grande confusão, com nove jogadores expulsos. No centro do entrevero (como dizia o locutor esportivo José Ari) estava um jogador com histórico de brigas e conflitos em campo: Almir Pernambuquinho.
Vou refrescar a memória da turma: Almir foi chamado Pelé Branco, o que não é pouca coisa. Jogou no time do Santos se tornando campeão do mundo em partidas épicas contra o Milan (Pelé estava machucado). Jogou ainda no Vasco, no Corinthians, no Boca Juniors, no Gênova da Itália e no Flamengo.
Ficou famoso também pela facilidade que tinha em se envolver em brigas. Uma delas, inclusive, jogando pela seleção brasileira, no Campeonato Sul-americano de 1959, quando arranjou encrenca com o time uruguaio inteiro em verdadeira batalha campal.
Almir se auto intitulou “marginal do futebol” em entrevista concedida à revista Placar, ocasião em que narrou várias de suas aventuras.
Eu como bom flamenguista o admirava, inclusive por um gol que ele fez em uma noite de chuva, arrastando o corpo e o rosto na lama e empurrando a bola com a cabeça para o fundo das redes do bom goleiro Ubirajara. Garra. Raça. Entrega. Vontade de ganhar. Tudo o que a gente espera de um jogador que defende nosso time. Perder? Não era opção aceitável. Não havia transmissão de TV como hoje. O gol saiu em uma sequência de fotos do jornal O Globo e depois nos cinemas através do Canal 100. 
No mesmo Canal 100 pude ver a edição do jogo contra o Bangu, em 1966, decisão do campeonato carioca. A época eu não admitiria, mas o Bangu era um time bem melhor e havia passado como um trator sobre seus adversários. Mas a mística do flamengo não aceitaria a derrota, e Almir Pernambuquinho, que encarnava o espírito dessa mística, muito menos.
E então aconteceu. Após o Flamengo estar tomando o que hoje chamam “chocolate”, Almir resolveu estragar a festa do Bangu e não permitir uma volta olímpica. Em uma chegada dura de Ladeira em cima de Paulo Henrique, lateral do rubro-negro, surgiu o que o pernambuquinho queria: pretexto. Correu para agredir o jogador do Bangu e depois brigou com o time inteiro, distribuindo socos e pontapés. Nove jogadores foram expulsos, e com isso o jogo encerrado.
O fim de Almir foi triste. Envolvido em mais uma briga, dessa vez em um bar na Galeria Alasca, em Copacabana, foi abatido com um tiro. Tinha apenas 35 anos de idade. Um bad boy de verdade.
 
Charge: Rodrigo Brum
Lembro-me dessa final de campeonato sempre que vejo os vitupérios do sujeito que ocupa a presidência do país. Os esperneios, as declarações loucas, as agressões gratuitas, o desejo confesso de melar a festa democrática. A não aceitação das regras. As ameaças constantes. As ideias fixas. O não reconhecimento da superioridade do outro. A violência como alternativa.
Garoto, eu vibrei com Almir. Dá-lhe, Almir, era o que me ocorria. Entende-se, eu era só um menino, imaturo e passional.
Hoje, adulto e experimentado, não acho graça alguma nas peripécias insanas (mas há um método nessa insanidade, como diria Sherlock Holmes) dessa criatura que, por um triste acaso, chegou ao posto máximo do país. Acho triste e preocupante. Desde o movimento das Diretas Já, não imaginei que isso um dia ia ser possível.
O que fazer? Primeiro, muita calma nessa hora. Segundo, vigilância. Terceiro, engajamento (a omissão é imperdoável, sob qualquer pretexto). Quarto, alguma coragem, pois, sim, a coragem é necessária para que não nos deixemos intimidar pelos arrancos dessa gente. Quinto, ter a consciência da gravidade do momento e deixar de lado algumas diferenças de opinião (sempre há) e ter precisão na identificação do nosso real opositor. A coisa não é brincadeira. Não vamos dormir no ponto. Nada de correr da raia. Nada de morrer na praia (Ivan Lins). E em outubro, muito certamente, estaremos todos lá.
Até.

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