A Cigarra e a Cidade

(Pedro Grilo Neto – 30/09/1936 – 22/04/2022). Fotografia: Rogério Marques
 

 

por NILO EMERENCIANO // arquiteto e escritor

 

Grilo, Grilo Borratelas, Pedro Grilo. Sempre vestido de branco, salvo raras exceções. No princípio era apenas Grilo, um garoto pintor de anúncios e letreiros nas paredes das lojas de Natal. Seu diferencial? A personalidade forte, a voz afinada a engrolar tangos e boleros, às vezes de longas barbas, outras de bigode ou ainda de rosto raspado. A perfeição de suas pinturas era outro diferencial. Ainda menino passei um tempo enorme a vê-lo pintar um anúncio na parede da Antiga Torrefação e Moagem São Luís, de Luís Veiga, no bairro da Ribeira. Fascinante a habilidade com os pincéis, o uso das tintas. Os grãos, a xícara, a fumaça exalando da superfície do café, uma reprodução perfeita, e o pintor, do alto do andaime, cantando O Sole Mio.
Essas canções – além do tipo físico, branco e de boa estatura – me levaram a pensar, na época, que o artista era de origem estrangeira.
Grilo era um tipo marcante, todos sabem, e não há quem não tenha tido a sua atenção despertada pela sua presença. Alto, ereto, tranquilo, caminhava como quem desfilava a exibir a sua bela figura.
Sempre o via no Grande Ponto, marcando presença no Café São Luís, e aí ele já havia passado a usar um grande chapéu, tipo sombreiro, um enorme cajado, e a usar seu primeiro nome, Pedro, junto ao já famoso Grilo, para assinar poemas e trabalhos artísticos representando os casarões e ruas da cidade. Sua produtividade era tão intensa que expôs, de uma vez só, 80 pinturas. Nelas chamava atenção a precisão do traço, o detalhismo minucioso da paisagem, a escolha dos temas, a cidade como personagem.
Depois vi um seu depoimento na televisão, falando da sua infância e de como começara a pintar letreiros para ganhar uns trocados, levado pelo pai a quem ele sempre louva nos seus poemas:
Choraria noite e dia
pra ter de volta papai.
Se chorando eu traria
o meu pai de novo a vida
toda a minha dor sentida
dia e noite choraria.
Então eu destilaria
em cada lágrima um ai
meu coração se contrai
de profunda nostalgia.
oh, quanto não choraria
pra ter de volta papai.
Uma cidade é isso: sua história não contada, seus tipos, os pastores da noite e seus pontos de encontro (cafés, bares, praças), os líricos e poetas, os personagens que passam deixando marcas na nossa lembrança, seus artistas sempre à margem (há outra forma de ser artista?) e aquelas criaturas de personalidade marcante que deixam estrelas que catamos no seu rastro.
Na fachada da casa de Grilo, na Rua Guanabara, há um grande olho a observar, dali do seu posto, o mundo à sua volta. O artista é isso: um observador atento. Eita, Natal fica mais pobre sem a sua presença, Pedro Grilo Borratelas, com certeza. E o céu dos poetas mais rico, alegre, sonoro e colorido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais acessadas